Quando eclodiu a Primeira Guerra Mundial, o 5º Regimento de Infantaria Ligeira (Indiana) era uma das unidades mais antigas do Exército da Índia Britânica. Mais do que centenário (fora formado originalmente em 1803, ainda no tempo em que a administração britânica da Índia pertencia à famosa Companhia majestática), o regimento estava nessa época aquartelado em Nowgong, no centro da Índia que hoje pertence ao Estado de Madhya Pradesh. Porque a região onde estava estacionado era predominantemente hindu (92%), o 5º de Infantaria Ligeira era formado predominantemente por muçulmanos. E, quando o Reino Unido veio recolher de todo o Império os recursos que pudesse para o conflito que começara, esticando o seu dispositivo militar na Ásia, o regimento foi transferido em substituição de unidades europeias entretanto mobilizadas para a Europa. Em Outubro de 1915, o 5º de Infantaria Ligeira partiu para Madrasta para depois seguir por mar para guarnecer Singapura. As reconstituições históricas de um e outro lado (o britânico e o nacionalista indiano e paquistanês) combinaram-se posteriormente para dar uma consistência ideológica à insurreição que veio a ter lugar apenas quatro meses depois da chegada do regimento àquela cidade, que já contava com 384.000 habitantes, e que se situa na encruzilhada de quase todas as rotas comerciais que ligam os Oceanos Índico e Pacífico. Winston Churchill, que gostava das grandes expressões, veio a baptizar Singapura na Guerra Mundial seguinte de Gibraltar do Oriente.
Mas, regressando à guerra anterior, as explicações oficiais para a eclosão do motim estariam associadas a uma relutância dos cipaios - fomentada por líderes islâmicos, de acordo com os britânicos - em envolverem-se num conflito em que poderiam vir a defrontar os seus correligionários muçulmanos do Exército Otomano. A explicação será, se vagamente verdadeira, também no mínimo rebuscada. Associações nacionalistas indianas radicais da época a quem se pretendeu depois atribuir responsabilidades pela insurreição, como o partido Ghadar (ghadar significa revolta), não passavam de organizações de alguns intelectuais da diáspora indiana, a que normalmente faltava entrosamento com as etnias indianas que tradicionalmente abraçavam a carreira militar. Explicações mais simples e mais prosaicas para o motim, que os britânicos remeteram discretamente para os últimos parágrafos dos relatórios que se redigiram depois, apontavam para a baixa categoria geral dos oficiais britânicos que haviam permanecido com a unidade depois dos recrutamentos de 1914 e que, por isso, não se aperceberam daquilo que se aprontava. Quando o motim se desencadeou, o 5º de Infantaria Ligeira havia sido seleccionado para se mudar (de novo…) para Hong-Kong, mas corriam rumores – como costumam correr sempre nestas circunstâncias – que o regimento iria ser transferido para uma frente de combate – no Médio Oriente ou mesmo na Europa. A cerimónia de despedida já tivera lugar, o Comandante-Chefe até presidira a ela, fizera mesmo uma alocução aos homens cumprimentando-os pelo seu desempenho nos últimos quatro meses mas, obtusidade do comando ao ambiente que fermentava entre as fileiras, esqueceu-se de mencionar qual seria o destino da unidade, para erradicar os equívocos.
Quando as primeiras viaturas se apresentaram no aquartelamento para embarcar os primeiros cipaios no navio que os transportaria para Hong-Kong, 4 das 8 companhias que compunham o regimento (composto no total por cerca de 900 homens) amotinaram-se, apossando-se das armas. Estava-se a 15 de Fevereiro de 1915, o que coincidia com o Ano Novo chinês, por isso feriado para a maioria da população de Singapura¹. Significativamente, metade das companhias, as que eram compostas maioritariamente por etnias que hoje seriam classificadas de paquistanesas, não se juntaram aos insurrectos. Estes, para continuar a adoptar essa classificação convencional, seriam predominantemente muçulmanos de origem indiana mas onde se podiam encontrar também alguns siques. Não se sublevando, os paquistaneses também não se opuseram ao motim, não se podendo contar com eles para o reprimir. Curiosamente, também a esmagadora maioria dos 300 alemães que estavam aprisionados em Singapura e que os amotinados se haviam apressado a libertar para os auxiliar na insurreição, adoptaram a mesma atitude neutral, demonstrando que preconceitos raciais se sobrepunham às alianças circunstanciais de guerra. Apesar do número de insurrectos nunca dever ter ultrapassado os 500, a verdade é que os britânicos tiveram que passar pela humilhação de ter de apelar aos seus aliados para disporem de um contingente de homens armados adequado para os combater. Nos dias que imediatamente se seguiram, o auxílio de marinheiros armados de navios de guerra da França, Rússia e Japão que estavam próximos foi imprescindível para a contenção do motim antes que unidades militares britânicas (compostas por soldados europeus...) expedidas urgentemente da Birmânia tomassem o assunto em mão e o encerrassem em cerca de uma semana.
No final, cerca de 60 insurrectos haviam morrido e do lado das forças da ordem e dos civis a contagem era de 43 mortos e 19 feridos. Seguiram-se os julgamentos, onde mais de 200 amotinados foram levados a tribunal marcial. Houve 47 execuções, 64 penas de prisão perpétua para além de 73 outras penas de prisão, cujas mais ligeiras atingiam os 7 anos. Sinal de outros tempos noticiosos, uma notícia a dar conta do motim em Singapura era publicado no New York Times de 2 de Maio de 1915, dois meses e meio depois dos acontecimentos terem tido lugar. Os cerca de 600 homens que restavam do 5º de Infantaria Ligeira foram mobilizados em Julho desse mesmo ano para participar na invasão dos Camarões, então colónia alemã na África Ocidental. Em 1916 foram transferidos para Tanganica, que era outra colónia alemã mas na África Oriental. Em 1917 foram novamente transferidos, agora para guarnecer Adem, no Iémen, que, como Singapura, era outro porto estratégico do Império Britânico na encruzilhada entre o Oceano Índico e o Mar Vermelho com o Canal do Suez. Apesar desta honradíssima folha de serviços, a má reputação da unidade acabou por a condenar à extinção na reorganização do Exército da Índia Britânica que veio a ter lugar em 1922. O motim de há 99 anos pode ser ainda hoje discretamente evocado através de dois memoriais expostos à entrada do Victoria Memorial Hall.
¹ Uma franca maioria da população de Singapura tinha ascendência chinesa. Actualmente, ela cifra-se em cerda de ¾ de toda a população.
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