04 março 2014

«LES POILUS»

Entre 1914 e 1918 houve milhões deles e haverá decerto milhares de fotografias capazes de os representar mas a minha fotografia que melhor os sintetiza assim como ao espírito da época é esta que aparece acima. É certo que desde 1871 as elites francesas (tal como o povo) sempre tinham ansiado pela ocasião da desforra frente à Alemanha. Mas as imagens da realidade da guerra de 1914 fê-los descobrir que essa missão patriótica estava entregue a compatriotas de aspecto suspeito e nada recomendáveis: barba por fazer, um olhar desafiador, o cigarro ao canto da boca, umas botas que se adivinham de sola grossa, apropriada para chapinhar a lama que vê pelo chão, o protagonista da fotografia segura algo que, para se adequar ao resto, se desconfia que seja uma marmita. É uma imagem tão pouco heróica quanto genuína de uma França profunda, mobilizada para a guerra, baptizada com um nome conforme, desprovido das panaches patrióticas, que aqui seriam desapropriadas: les poilus – literalmente, os peludos.
Não terá sido por causa dos poilus que a França acabou por ganhar a guerra (Primeira Guerra Mundial) mas, mau grado tudo o que aconteceu, da incompetência do comando aos motins entre os soldados, se não fossem esses mesmos poilus, a França tê-la-ia decerto perdido. Mas, como se torna normal, o tempo transcorrido mitificou-os, despojando-os do lado menos convencional da sua génese. E agora, por causa da comemoração do centenário do início da Primeira Guerra Mundial voltamos a vê-los proeminentes, em fotografias evocativas para todos os gostos (acima). Nem todas conterão o potencial simbólico da que elegi inicialmente, mas a maioria serão de bom gosto e de valor evocativo. O que verdadeiramente dispenso são as reconstituições politica(e disparatada)mente correctas como a que aparece na imagem abaixo: clique-se em cima da imagem (forjada para parecer de época) onde se vê um soldado negro junto dos seus camaradas metropolitanos como se tais misturas fossem possíveis em 1914-18!...

3 comentários:

  1. Embora incomum, a foto parece verdadeira e, por isso mesmo, presta-se a utilizações abusivas de cariz politicamente correcto (terá sido tirada em Junho de 1917, pelo fotógrafo Paul Castelnau, no Bosque de Hirtzbach, na região do Alto Reno, ). De resto, a situação não me parece totalmente improvável, já que as tropas coloniais francesas - não só as de negros africanos, mas também as magrebinas e as tonquinesas - foram empregadas maciçamente na I Guerra Mundial. Ademais, creio, o exército francês, ao contrário dos exércitos anglo-saxónicos, nunca foi oficialmente um exército segregado (as tropas senegalesas, por exemplo, foram utilizadas em solo europeu, pela primeira vez, durante a Guerra da Crimeia…).

    http://www.culture.gouv.fr/Wave/image/memoire/0083/sap01_ca000500_p.jpg

    http://www.culture.gouv.fr/public/mistral/memsmn_fr?ACTION=CHERCHER&FIELD_7=SERIE&VALUE_7=Autochromes%20de%20la%20guerre%201914-1918%20ET%20Haut-Rhin

    http://www.mediatheque-patrimoine.culture.gouv.fr/fr/archives_photo/visites_guidees/autochromes.html

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  2. É sempre bom – e agradeço-lhe – levarmos com estas constatações factuais irrefutáveis para que nunca demos as nossas presunções por certas. Pelas que mostra, é indiscutível que a fotografia – colorida! – é mesmo de época. E a existência de um soldado negro incorporado numa unidade metropolitana possível, ainda que implausível. De resto, ainda que verdadeira, continuo a achar a escolha daquela fotografia para capa da publicação, pela sua raridade, nem inócua, nem inocente. Faz-me lembrar a palhinha que substituiu o cigarro do Lucky Luke. E desagrada-me tanto quanto ela, porque o Mundo, mesmo que oficiosa e não oficialmente, não era assim.

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  3. Respondi tão depressa porque, como se depreende, já conhecia a fotografia. Quanto ao mais que afirma, concordo evidentemente consigo.

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