Ao contrário do que se pode ler no subtítulo do livro acima, a guerra que se travou nos Camarões entre 1955 e 1971 nunca esteve escondida. Foi sobretudo numa guerra acessória, rapidamente esquecida e hoje desconhecida, mas isso só acontece porque há uma conjugação de factores a si associados que fizeram com que praticamente tudo nela passasse na época ao lado da cobertura noticiosa mais intensa, mas também porque veio a ter um desfecho desinteressante como instrumento de propaganda para as partes ali envolvidas. Mas é esse quase anonimato congénito que torna livros a seu respeito como o de cima, mais as suas 650 páginas, muito raros, preciosos para conhecer melhor esta outra guerra africana. Mas a robustez factual é condição necessária mas não suficiente para a valia de um livro...
Quando eclodiram as primeiras acções armadas da guerrilha da UPC (União das Populações dos Camarões¹) estava-se em 1955 e toda a atenção mediática da França se concentrava na Argélia. Os meios militares disponíveis para a contra-insurreição eram mínimos por causa disso mas, em contrapartida, essa situação obrigou os franceses a ser muito mais imaginativos na forma como lidaram com a revolta neste território que, ainda por cima, não era uma colónia tradicional, mas sim um Mandato internacional, cuja acção administrativa era escrutinada pela ONU. Houve que associar os políticos locais e dinamizar as incipientes estruturas militares e policiais camaronesas para a resposta repressiva à insurreição e aquelas circunstâncias fizeram com que houvesse uma africanização da guerra desde o seu começo…
A acrescer, em breve a UPC iria perder a razão principal para arregimentar as simpatias que se tornam indispensáveis nessas guerras de libertação nacional: a França mostrou-se disposta a conceder rapidamente a independência aos Camarões. Esta teve lugar a 1 de Janeiro de 1960. O que não quer dizer que a França se afastara do conflito: ainda em finais desse ano, os seus serviços secretos envolveram-se numa operação suja para assassinar na Suíça o dirigente máximo da UPC, Félix Moumié. Mas, conforme a terminologia revolucionária, a guerra colonial passara a ser neo-colonial. Passara a ser, sobretudo, uma guerra civil. A facção governamental desenvolvera os seus apoios tribais por todo o país enquanto o apoio da UPC se concentrara nos bamilekés e nos bassas (cerca de 25% da população) da Região do Oeste.
O número estimado de vítimas que a guerra terá causado varia mas o número mais mencionado costuma ser o de 70.000 mortos. Quando a guerra foi dada por finda, em 1971, já o continente africano presenciara uma outra guerra civil, a do Biafra na vizinha Nigéria, que ofuscara mediaticamente as guerrilhas da UPC nos Camarões. A guerra do Biafra e o seu milhão de mortos chamara politicamente a atenção – a colonialistas, neo-colonistas e anti-colonialistas – dos perigos secessionistas das organizações políticas quando elas estão demasiado dependentes de uma base étnica. Em síntese, não só a situação da guerrilha no terreno se mostrara cada vez mais débil, como aqueles que haviam apoiado a UPC até então (os países do bloco Leste) mostravam-se agora descrentes da utilidade dos resultados políticos dela.
Tratou-se de uma vitória da contra-subversão. É tão mais romântico quando acontece ao contrário… Quanto ao livro Kamerun!², ele será a antítese de Covert War, um livro que aqui já comentei sobre outra guerra desconhecida, a da Namíbia. Enquanto ali se falava exclusivamente da guerra e nada da sua envolvente política, em Kamerun! cai-se no extremo oposto. A capa com os militares está lá só para despistar… Nas 650 páginas não se descreve qualquer acção militar e os autores só se indignam militantemente com os massacres das forças governamentais, que eles não são daqueles de camuflar as suas simpatias… O livro é útil mas os autores tornam-no tonto. Tratou-se de uma guerra. São supérfluas as indignações com as práticas crueis da facção vencedora, a fazer crer que o desfecho não lhes agradou…
¹ O nome da organização pode ter servido de inspiração à UPA angolana. Os dirigentes desta última não se mostraram particularmente imaginativos quanto aos nomes da sua organização. Quanto mais tarde lhe mudaram o nome para FLNA, foram-se inspirar nitidamente na Frente de Libertação Nacional argelina. São notas de rodapé, mas que corroboram de algum modo as acusações que os dirigentes da UPA/FNLA gravitavam mais à volta do mundo cultural francófono do que lusófono.
² A designação Kamerun, adoptada pela UPC e seguida pelos autores do livro, é a forma de designar o país em alemão, que foi a potência colonial entre 1884 e 1914. Trata-se de uma atitude: uma exibição da rejeição do colonialismo francês (Cameroun) e inglês (Cameroon). Em rigor, a designação mais neutra do país seria a original, do Século XV, em português: Camarões.
² A designação Kamerun, adoptada pela UPC e seguida pelos autores do livro, é a forma de designar o país em alemão, que foi a potência colonial entre 1884 e 1914. Trata-se de uma atitude: uma exibição da rejeição do colonialismo francês (Cameroun) e inglês (Cameroon). Em rigor, a designação mais neutra do país seria a original, do Século XV, em português: Camarões.
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