De um venerando livro escolar sobre História de Portugal cá de casa recuperei as duas fotografias da direita deste mosaico acima, os marechais Gomes da Costa (1863-1929) e Óscar Carmona (1869-1951), que foram respectivamente o segundo e o terceiro presidentes da República após o golpe militar de 28 de Maio de 1926, do qual veio a resultar a instauração do Estado Novo, regime que ainda vigorava quando o venerando livro foi publicado. Mas não era apenas pelas imagens que se notava um esforço para sonegar a importância daquele que fora o antecessor daqueles dois, o almirante Mendes Cabeçadas (1883-1965), atente-se só à redacção dos acontecimentos constante do livro escolar:
Foi contra essa situação verdadeiramente grave que o exército e a marinha resolveram fazer (…) um golpe político renovador. Chefiaram a revolta militar, entre outros, o almirante Mendes Cabeçadas, um dos fundadores do regime republicano e o general Gomes da Costa, herói de África e antigo comandante das tropas portuguesas na Flandres. Bernardino Machado entregou o poder pacificamente ao almirante Cabeçadas, enquanto Gomes da Costa, vindo de Braga, marchava para Lisboa à frente do exército.
Gomes da Costa tomou em breve a chefia do Estado e Cabeçadas afastou-se. Em volta do general havia republicanos e monárquicos (…) mas foi resolvido governar sob forma de ditadura militar, não discutindo o regime. Poucos meses depois, Gomes da Costa era substituído por Carmona, general sem passado político, como aliás Gomes da Costa. (…)
Mas afinal, pelas datas precisas descobre-se que o presidente Bernardino Machado (1851-1944) ainda esteve três dias à espera de ver em que é que paravam as modas antes de se decidir a ceder o poder a Mendes Cabeçadas (31 de Maio). O golpe congeminado pela facção mais dura do movimento para afastar este último teve lugar pouco mais de duas semanas depois, a 17 de Junho. E Gomes da Costa também não durou muito mais do que três semanas no poder: o golpe que o depôs teve lugar a 9 de Julho. Contudo, o segredo para aquela diferença de tratamento entre os dois (Cabeçadas e Gomes da Costa) está nas datas dos seus falecimentos: enquanto Gomes da Costa morreu logo em 1929 e pôde ser recuperado para a hagiografia do Estado Novo, Cabeçadas só veio a falecer em 1965, sempre pessoalmente hostil ao regime de que fora um patrocinador inicial.
Era assim que se escrevia a História. Não se trata de uma questão de posicionamento político mas de estilo. Tanto, que ainda há quem a escreva assim, mesmo quando, alegadamente, se manifestam preocupados com a nossa memória.
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