A música para ir acompanhando a leitura é do compositor russo Modest Mussorgsky (1839-1881): Quadros duma Exposição (1874)
Apenas através deste artifício o Império Russo podia apresentar a imagem de um núcleo central maioritário eslavo de religião ortodoxa constituído por ⅔ da população. Com o resto da população eslava não se podia contar: havia 7,9 milhões de polacos (6,3%) de confissão católica romana concentrados num Reino da Polónia de que o Czar era o monarca e que fora criado em 1815 (ver mapa acima). Mas a história dessa Polónia dual ao longo do Século XIX era a de um sucesso económico (Varsóvia era a terceira cidade do Império depois de São Petersburgo e de Moscovo) mas de uma contínua instabilidade política onde as revoltas polacas (1830, 1863) eram seguidas por ferozes repressões russas. Um outro grupo importante na Polónia e também nas regiões ocidentais do Império era o dos judeus: havia 5,1 milhões de falantes de ídiche (4,0%), um idioma germânico que se escreve em alfabeto hebreu. A importância da comunidade era acrescida pela sua sobre-representação entre a população urbana. Por exemplo, numa cidade como Brest, hoje localizada na fronteira entre a Polónia e a Bielorrússia, os judeus constituíam ⅔ da população de 45.000 habitantes. Seria, a par dos polacos, finlandeses ou alemães, uma das nacionalidades mais evoluídas mas também uma das que mostraria uma maior resistência àquilo que as autoridades imperiais qualificariam como assimilação…
Contudo, havia outros grupos nacionais a Ocidente com histórias de sucesso na sua integração sem assimilação no quadro imperial: a Finlândia, que era um Grão-Ducado que gozava de uma ampla autonomia, era um desses casos (os finlandeses eram 2,5 milhões – 2,0%). E embora com muito menos autonomia, algo de semelhante acontecia na região do Báltico, onde as populações estónias (1,0 milhão), letãs (1,4 milhão) e lituanas (1,6 milhão), ou seja cerca de 3,2% da população total, eram controladas por uma elite de ascendência alemã (que constituíam 1,8 milhão em todo o Império – 1,4%), uma das mais fiéis a São Petersburgo, uma ironia dada a história futura da relação entre alemães e russos. Essas eram as fronteiras pacíficas do Império Russo. As outras eram regiões de expansão, turbulentas como as populações que nelas habitavam. Na que confinava com os Balcãs, onde as potências rivais haviam incentivado a criação da Roménia de língua latina (1878) para obstar à expansão dos russos para as regiões dos eslavos no Sul da Europa, existia, apesar disso, uma minoria (1,1 milhão – 0,9%) que falava o romeno. Outras fronteiras meridionais da Rússia eram povoadas por uma confederação de nacionalidades que o Censo classificou demasiado genericamente de Turco-Tártara, que se estendia do Mar Negro ao Pacífico, composta por 13, 4 milhões de pessoas (10,6%).
Uma apreciável parte deles eram descendentes de tribos nómadas que, sob a bandeira mongol, haviam conquistado a Rússia no Século XIII e muitos continuavam os hábitos nómadas de outrora (acima), embora houvesse outros que haviam assentado (abaixo). Porém, quase todos professavam o Islão, que era a religião de 13,9 milhões dos súbditos do czar (11,1%). A maior concentração de muçulmanos localizava-se na Ásia Central (7,7 milhões), onde a administração russa funcionava segundo um modelo colonial clássico. Os soviéticos reorganizaram depois a região nas cinco repúblicas que são as que hoje perduram: Cazaquistão, Uzbequistão, Turquemenistão, Tajiquistão e Quirguízia. Uma segunda região muçulmana, que começara a ser integrada no Império já a partir de meados do Século XVII, estendia-se desde a Península da Crimeia até ao curso inferior do Rio Volga. Ao contrário da Ásia Central, neste caso a imigração dos russos alterara o panorama demográfico, fazendo com que a população muçulmana fosse significativa mas não predominante. Exemplo: ainda hoje há quase tantos russos quanto tártaros no Tartaristão. Finalmente havia uma terceira região de predomínio muçulmano: o Cáucaso. A região é célebre pela complexidade do seu relevo que interfere na distribuição e classificação das suas etnias que desafia as descrições simplificadas que se tentem conceber...
Contornando isso, há que referir que, apesar do carácter tradicionalmente combativo dos povos do Cáucaso que muitos problemas militares causara, o Império Russo contava ali com dois aliados sólidos, tanto os georgianos (1,4 milhões – 1,1%) como os arménios (1,2 milhões – 1,0%) eram povos de confissão cristã numa região que lhes era francamente hostil: já houvera príncipes georgianos a comandar exércitos russos contra Napoleão e, quanto ao futuro, Stalin, quase todos o saberão, era georgiano. O Censo de 1897, mau grado a manipulação a que foi sujeito, foi um instrumento único na identificação das minorias relevantes dentro do Império Russo. Dá para perceber que, como regra geral, o tratamento dado por São Petersburgo a cada minoria variava em função, não apenas da cumplicidade recíproca entre minoria e poder central, mas também na razão inversa da sua sofisticação cultural: quando maior esta, também maior era a hostilidade imperial. Mas, com essa notável excepção dos polacos, cuja direcção política clandestina nunca se terá disposto a reivindicar nada menos que a independência total, há que reconhecer que em 1897 a questão das nacionalidades ainda não seria um problema sério para a subsistência do Império. A Revolução de 1905, que irá ter lugar dali por oito anos, abanando o regime, deverá ser analisada sobretudo – senão exclusivamente – pela sua componente social.
Mais um daqueles artigos que me trazem aqui diariamente. O que eu tenho aprendido neste blog!
ResponderEliminarAbraço,
Rui Esteves
Brilhante!
ResponderEliminarÉ simpatia vossa e em excesso.
ResponderEliminarEu bem gostaria, mas não tenho nem engenho nem arte para escrever um destes "artigos" diariamente, Rui Esteves.