Quando hoje se fala da importância do aspecto responsável e credível de um pivot de Telejornal como será o caso de José Alberto Carvalho (acima), uma transferência recente de milhões da RTP para a TVI, esquece-se todo um passado alternativo muito mais difícil e que não foi herdar os seus pergaminhos à escola representada pelo norte-americano Walter Cronkite (abaixo), o famoso símbolo de pivot de Telejornal da noite em quem os norte-americanos dos anos 60 confiavam.
A maior dificuldade desses tempos pioneiros da televisão a preto e branco, num país como o nosso onde, ao contrário do que acontecia nos Estados Unidos, não se discutiam as guerras em curso (acima), era conseguir manter a credibilidade quando se apresentava quotidianamente… o Boletim Meteorológico. Imediatamente a seguir ao Telejornal e com uma audiência semelhante, imagine-se a circunspecção de quem se arriscava a enganar-se regularmente no estado do tempo do dia seguinte…
Seria por sublimação dessa fragilidade que os quadros se apresentavam cheios de riscos a giz e alguns outros sinais incompreensíveis, como As e Bs circulados o que tornaria os portugueses daqueles anos num dos povos mais alfabetizados da Europa em sinalética meteorológica. Toda essa mise-en-scène não evitava contudo que os meteorologistas como Anthímio de Azevedo se espalhassem clamorosamente quando prometiam que o dia seguinte seria solarengo e afinal chovia ininterruptamente…
Veio o 25 de Abril e, sinal de respeito e tradição, o Boletim Meteorológico manteve o seu formato com um pivot em estúdio, como se o tópico fosse impermeável às vicissitudes políticas que envolviam o país, até que… um dos novos pivots do Boletim Meteorológico, de seu nome Olavo Rasquinho (o que sempre me fez suspeitar que os possuidores de nomes normais eram excluídos no processo de selecção…), rematou a sua apresentação diária com um …como de costume, o Sol brilhará no Alentejo.
Numa época em que a política parecia transbordar para todo o lado, houve quem não tivesse gostado nada dessa subtil associação entre a ciência meteorológica e a ciência política e nas implicações que ela poderia ter na respeitabilidade e credibilidade do apresentador do Boletim Meteorológico. Foi o início de uma grande confusão que culminou com o afastamento de Olavo Rasquinho e foi também o fim desse figurino de apresentação, passando a locução a ser feita em off.
Adenda de 30 de Dezembro de 2016: Mesmo depois de cinco anos de publicação, este texto só tem a ganhar com a contribuição do comentário do próprio protagonista, Olavo Rasquinho, a quem agradeço o gesto e envio os meus votos de Bom Ano.
as coisas de que V. se lembra. uma delícia
ResponderEliminarUma delícia, literalmente, JPT, será uma evocação que eu venha a fazer dos programas de culinária televisiva de antanho de Maria de Lourdes Modesto...
ResponderEliminarSalvaguardado, evidentemente, que eu a consiga escrever com uma qualidade literário-gastronómica que não o desaponte, JPT...
Salvaguardado o devido respeito, creio que o Boletim foi apresentado neste figurino - embora com recursos técnicos mais modernos - até ao começo dos anos 90...
ResponderEliminarA esta pequena história terminei-a em meados/finais da década de 1970.
ResponderEliminarConcordo consigo que se seguiram outros figurinos de apresentação, alguns deles repetidos. Anthímio de Azevedo voltou a apresentar o Boletim Meteorológico ao estilo dos saudosos anos 60.
Fico à espera do "pantagruelismo"
ResponderEliminarNão foi bem assim, o que o meteorologista (que por acaso era eu) disse foi "...devido a esta crista de altas pressões o sol brilhará amanhã". O "Alentejo" foi acrescentado por um jornalista de um jornal de direita, para me conotar com o partido comunista, ao qual nunca pertenci, apesar de lhe reconhecer méritos na luta contra o Estado Novo. Este assunto foi investigado pelo sindicato de jornalistas, que teve acesso ao texto original através dos registos da RTP. O jornalista em questão foi admoestado pelo sindicato. Também não foi esta a razão que levou o boletim meteorológico a cessar, mas sim uma greve da função pública à qual decidi aderir por falta de informação para formular a previsão. Fui no entanto substituído por decisão do então diretor do Serviço Meteorológico, o que levou a equipa de meteorologistas apresentadores se recusarem a colaborar em futuros boletins. Enfim, esta explicação está muito resumida...
ResponderEliminarSe bem me recordo, a sua conotação como simpatizante comunista precede bastante o episódio que narrei e que, com este seu comentário, pretende rectificar. O episódio terá sido o culminar de uma reputação já constituída e não o seu estopim, como se depreenderá das suas palavras. O que é notável, atendendo ao conteúdo espartilhadamente científico do programa que o tornara uma figura pública. E parece-me irrelevante para o episódio o seu desmentido que então não militava no PCP. Para o que veio a acontecer bastaria simpatizar fortemente com a organização. Veja-se aliás, reciprocamente, quando agora menciona o “jornalista de um jornal de direita” se dispensa – porque é dispensável - especificar se o dito jornalista militaria ou não no CDS...
ResponderEliminarO que recordo é de ouvir o seu putativo comentário a respeito do “Sol brilhar como de costume no Alentejo” a ser simultaneamente criticado por amigos meus da direita e elogiado por outros amigos meus da esquerda comunista, numa controvérsia porventura bem para lá das suas intenções. E, por se ter falado em jornais de direita, lamento faltar-me o tempo para poder ir ver o que terá sido dito sobre o episódio por um crítico de televisão de um jornal de esquerda, caso Mário Castrim. Lembro-me vagamente de o ter lido comentar. Em suma, creio que fico com a impressão de que compartilha com Sherlock Holmes (Elementar, meu caro Watson!) ou Humphrey Bogart (Play it again, Sam!) a reputação de ter dito o que não disse, mas que encaixa na perfeição com a percepção pública que as pessoas tinham de si.
Para terminar, também não afirmei que o episódio estivera directamente associado à cessação do boletim meteorológico: «Foi o início de uma grande confusão que culminou com o afastamento de Olavo Rasquinho e foi também o fim desse figurino de apresentação, passando a locução a ser feita em off.» O que o episódio para mim marcou foi o terminar de uma época televisiva, em que se considerava importante a gravidade e a credibilidade do apresentador (neste caso, do meteorologista), que aliás, se reparar, é o verdadeiro tópico do poste.