17 junho 2011

A VIDA INTELIGENTE ALGURES

A Vida Inteligente no Universo (acima), publicado originalmente em 1966, mas só traduzido para português vários anos mais tarde (1985), é um livro feito em colaboração entre o astrofísico ucraniano I.S. Chklovski (1916-1985) e o seu homólogo norte-americano Carl Sagan (1934-1996). Originalmente escrito totalmente por Chklovski, a que depois se adicionou a colaboração de Sagan, o livro foi à época um sucesso editorial, provavelmente não apenas pelo tema, mas também pelo carácter inédito de se tratar de uma colaboração entre dois cientistas dos dois eternos rivais da Guerra-Fria. Ao contrário de outras parecerias, a autoria do texto está sempre assinalada, com as colaborações de Sagan precedidas e sucedidas por um sinal (Δ) . Encontram-se no livro várias e engraçadas passagens entremeadas de sinais, no que parece ser fruto de uma feliz complementaridade de opinião entre os dois autores.

Será uma enorme presunção minha, certamente, mas lembrei-me de fazer algo de semelhante com o texto do artigo de hoje do Público de Vasco Pulido Valente, embora não propriamente no quadro de um’A Vida Inteligente no Universo, apenas de um’A Vida Inteligente em Portugal, numa transcrição do texto original daquele excelso comentador, a que adicionei as minhas pobres contribuições assinaladas numa cor distinta:
«Nas grandes crises aparece sempre em Portugal uma série de personagens típicas, para completar o melodrama e animar o povo. Com pequenas diferenças de estilo e de assunto, não mudaram muito de 1820 para cá. A primeira personagem da peça costuma ser o "patriota". Não custa a perceber porquê. O patriotismo não pede muito: nem saber, nem racionalidade, nem pretexto. Pede só fervor. O patriota sente, ou acha que sente: não precisa para nada de pensar. Basta que lhe venham à cabeça e à boca meia dúzia de eflúvios sentimentais como lhe poderiam vir sobre uma equipa de futebol ou uma pop star. Pode pôr um emblema na lapela, com uma bandeira de Portugal, para proclamar o seu orgulho na Pátria. Pode declarar, como declaravam operaticamente as divas românticas, que a desgraça provoca o seu amor e o seu heroísmo. E até pode exercitar a sua veia lírica, com uma ode ou discurso ao torrãozinho que o viu nascer. O indígena gosta destas cenas. Depois do patriota, vem o especialista. O especialista é do género lúcido ou do género "indignado". O especialista do género lúcido explica ao povo ignaro e surpreendido como tudo se fez mal, ou correu mal, neste infausto país, porque nunca ninguém teve o bom senso de lhe obedecer. Mas não deixa, por isso, de insinuar que este nosso pobre Portugal ainda vai muito a tempo de se corrigir, ouvindo com atenção os conselhos que ele generosamente não hesitará em lhe oferecer. O especialista de género "indignado" acusa, barafusta, protesta e ameaça; e também ele avisa que, sem a sua visão e clarividência, o abismo se aproxima. De qualquer maneira, cada especialista tem uma marotte: a pesca ou o círculo uninominal, o ensino ou o "emagrecimento do Estado", a saúde ou a exportação. Receitas não faltam, para qualquer gosto e para qualquer espécie de loucura. E finalmente, depois do especialista vem o turista. O turista comporta-se como se fosse um observador que analisa casualmente a cena de fora, que ele nem sequer parece ser de cá, está por aqui apenas de passagem. Anuncia-se fadado, lá do seu outro virtual país de origem, a mais altos voos. Entretanto, como se fosse um exercício preliminar, se calhar para nem levar totalmente a sério, malbarata algum do seu incontestável génio entre os indígenas mas, atenção, apenas entre os mais pretensiosos da espécie, que a sua prosa é exigente. É essa distinção entre a qualidade dos indígenas que lhes dão atenção que faz com que o turista se sinta personagem superior às outras (o patriota e o especialista), a ponto de se esquecer de se autonomear quando descreve o elenco das personagens típicas das grandes crises. Infelizmente, no meio desta trapalhada e deste poço de ciência, "patriotismo" e “clarividência”, os melhores cérebros do país passaram a semana inteira a tentar adivinhar se Pedro Passos Coelho ficava mesmo pelos dez ministros, como prometera, ou se por acaso (sob pressão do CDS) se atrevia a ir para além dessa fronteira mágica, perversamente arruinando o futuro de Portugal. Esta discussão, que esclareceu muito o espírito do indigenato, não adianta, nem atrasa. E, por muito que indigenato superior concorde e louve, como é costume, o que aqui se escreveu, há que reconhecer que este texto também não…»

Os meus agradecimentos pela segunda imagem e pela transcrição do texto
a João Gonçalves.

3 comentários:

  1. E porque neste post aparece, ainda que em forma de caricatura, o Eça de Queirós, autor de uma radiografia àcida e acutilante de um Portugal da sua época, no século seguinte não faltaram iluminados do indigenato a reclamar uma foto de familia com o génio que na fase final da sua vida se transformou "lui même", num pedante sem pudor. "Somos nós e o Eça e, fora da fotografia, o pagode malcheiroso". Nós é que sabemos, a luz só nos iluminou a nós. Ou, parafraseando Camus: "A haver alguma solução, ela será universal, ou não se chamará solução". Ou ainda, para encher este comentário com ares de "turista iluminado", em terminologia rockeira: "Vocês são tansos, não sabem nada, eu cá sou bom".

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  2. É sempre reconfortante ler um comentário que acrescenta ao que ficou escrito no "poste" Artur, no teu caso para realçar um tema delicado e ingrato: Eça de Queirós que, sendo um grande escritor, parece ter-se tranformado progressivamente num "cagão" insuportável. E só faltou, para que a tua ultima tirada de "turista iluminado" fosse "em grande", uma citação aos Xutos:

    Eu cá sou bom
    Sou muito bom
    Eu cá sou bom, sou muito bom
    Sou sempre a abrir!

    Obrigado Sofia.

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