A dois meses da data marcada para a segunda volta decisiva das eleições presidenciais francesas, julgo engraçado, para além de oportuno, iniciar aqui a publicação de uma prancha diária de O Combate dos Chefes, a sétima aventura de Astérix. Parece-me ter-se tratado de uma inflexão de Goscinny para um conteúdo político mais evidente e acentuado nas histórias de Asterix e, a avaliar pelo que me recordo da minha reacção infantil à história, desconfio que não se deve ter saído muito bem junto daquela faixa etária. As crianças gostam de referências estáveis e a demência do druida é a negação disso. Lembro-me que me provocava um sobressalto no coração que a inesperada reviravolta final não chegava a reverter Para as aventuras futuras, Goscinny vir-se-á a tornar mais cuidadoso nos formatos de que se socorre para subverter a ordem da aldeia, usando a cacofonia do bardo, para além de inventar um ferreiro, um peixeiro, um ancião... e as respectivas esposas. Mas, para um adulto que conheça as referências históricas a que a aventura se refere, O Combate dos Chefes é um livro interessantíssimo.
E um dos seus aspectos mais interessantes é esta prancha, que só vim a descobrir muitos anos depois, e que, embora não faça parte directamente da história, corresponde à fase de lançamento da aventura na revista semanal Pilote, no Outono de 1964. No mesmo registo descaradamente político que é o da história, a cena - a mesa com uma só cadeira, os microfones, o reposteiro por detrás e os jornalistas aguardando obedientemente - é uma paródia das então conhecidíssimas conferências de imprensa do General de Gaulle, um formato encenado que hoje chega a ser ingenuamente cómico: os jornalistas previamente escolhidos lançavam várias perguntas encadeadas (mas combinadas) às quais o general respondia sintetizando-as e produzindo uma resposta compacta. Certa vez um dos jornalistas falhou e não chegou a fazer a pergunta combinada, mas, como Abraracourcix faz acima no antepenúltimo quadrado, também de Gaulle não se descompôs e respondeu como se a pergunta tivesse sido feita por alguém. Como várias outras histórias de Astérix, também esta está cheia de pequenos diamantes: há uns anos comparei o programa da troika que estava a ser aplicado em Portugal ao tratamento com menhires que Obélix dedicou nesta aos dois druidas; mas o meu gag favorito será outro, em que os dizeres do legionário voador trincham como não me lembro de ter visto em mais algum lado, a distinção entre, por muito absurda que seja a situação, o que devem ser as preocupações de índole teórica e prática: «Nada de perguntas parvas e atira-me uma corda».
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