Em jeito de efeméride, a 4 de Março de 1987 Ronald Reagan dirigia-se ao país para tentar recuperar a sua imagem depois da enrascada que constituíra o Escândalo Irão-Contras. O escândalo desencadeara-se depois de se ter ficado a saber em Outubro de 1986 que altos funcionários da administração se haviam envolvido em operações ilegais para fornecer armamento sofisticado ao Irão (o que era ilegal - desde 1979 aquele país fora sujeito a um embargo de venda de armas); as receitas dessas operações teriam servido para adquirir armamento menos sofisticado para equipar os rebeldes nicaraguanos (o que era ilegal - desde 1982 essa ajuda fora condicionada por uma lei aprovada pelo Congresso); no meio das transacções, os norte-americanos estavam a utilizar-se delas para forçar a libertação de reféns que haviam sido tomados por milícias xiitas no Líbano (era o único aspecto do escândalo que, sendo clandestino, não era ilegal e se revestia até da sua componente simpática). Em 1 de Dezembro de 1986 e perante uma abrupta perda de popularidade de 20%, Ronald Reagan via-se compelido a nomear uma comissão de inquérito sobre o assunto (a Comissão Tower), que apresentou o seu relatório ao presidente três meses depois, em finais de Fevereiro de 1987. Não indiciando directamente Reagan, as conclusões do relatório não deixavam de ser muito pouco simpáticas para com o presidente que, neste discurso televisionado, tem o que se poderia designar pelo seu momento Egas Moniz, de baraço ao pescoço. A transcrição que se exibe abaixo (com menos de um minuto) é constituída apenas pelos momentos principais de um discurso bastante mais extenso.
Há alguns meses atrás disse ao povo americano que eu não havia trocado armas por reféns. O meu coração e as minhas melhores intenções mantêm ainda que isso é verdade, mas os factos e as provas dizem-me que afinal não. (...) o que começou (por ser) uma abertura estratégica ao Irão deteriorou-se, com a sua implementação, numa permuta de armas por reféns. Isso acontece ao arrepio das minhas convicções, a política desta administração e a estratégia original que concebêramos. Há razões para que tenha acontecido, mas não há desculpas. Foi um erro. Eu promovi originalmente esta iniciativa com o Irão para que se estabelecessem relações com aqueles que, em breve, poderão ali assumir a liderança num governo da era após Khomeini. (...) que eu deixei as minhas preocupações pessoais a respeito dos reféns sobreporem-se à estratégia geopolítica de contactar o Irão. Fiz tantas perguntas a respeito do bem-estar dos reféns que deixei outras por fazer sobre a especificidades do plano iraniano na sua globalidade.
Entenda-se que há várias formas de lidar com uma enrascada política. A mais frequente em Portugal é fingir que ela não existe, deixar andar, à espera que o tempo passe e que o assunto morra por si. O último exemplo disso foi o de Mário Centeno. Agora, quando se aproa à enrascada, a manobra tem de ser feita com categoria, confira-se o cuidado como o discurso acima foi redigido, circunscrevendo o tema a um Reagan que se confessa demasiado emotivo com o tópico dos reféns, assunto que o faz perder de vista a racionalidade estratégica. A isso chama-se criar empatia. Conseguem-nos fazer crer que Reagan é uma boa pessoa. Veio a recuperar, para responder à pergunta que há 30 anos se fazia na capa da revista Time. (ver acima)
Comparemos com aquilo que Paulo Núncio nos propôs para sair da sua enrascada política: começou por se descartar das responsabilidades, assumiu depois a "responsabilidade política" e demitiu-se dos cargos no CDS para, no dia seguinte, a patroa da loja vir-lhe fazer um elogio. É agredir a inteligência de quem presta atenção a estes assuntos. Embora o Largo do Caldas não seja a Casa Branca, não há ninguém por aquelas bandas que saiba redigir um texto com alguma plausibilidade? Que ideia é aquela de anunciar que Paulo Núncio se demite dos cargos no CDS? E nós com isso? E porque não também de administrador do condomínio do prédio dele?
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