23 maio 2012

OS CORTESÃOS RUSSOS DO GRANDE CARLOS

Se recentemente ouvi, no rescaldo das eleições presidenciais francesas, referências venerandas, nostálgicas e/ou elogiosas a François Mitterrand, permanece óbvio que será de Gaulle que a História consagrará como o presidente simbólico da V República francesa, que foi, de resto, institucionalmente moldada de acordo com a sua personalidade. Charles de Gaulle, sem ser propriamente fotogénico, podia revelar-se um excelente modelo fotográfico. Esta fotografia foi tirada em Julho de 1966, quando de uma visita oficial sua à União Soviética. O fotógrafo foi Elliot Erwitt, que se escapulira discretamente para conseguir captar este instantâneo das conversações privadas do visitante com os anfitriões depois das cenas oficiais.
 Sendo neutral (norte-americano), a fotografia de Erwitt tem um outro valor ao mostrar um de Gaulle enorme que se impõe claramente às eminências do Kremlin, onde se identificam Leonid Brejnev (A), o dirigente máximo do partido, Alexei Kossygin (B), o dirigente máximo do governo e Andrei Gromiko (C), o dirigente histórico da política externa soviética. A crer na fotografia, a França é que seria a superpotência mundial e a Rússia a potência em crise de afirmação. Mas há uma explicação racional para tudo. Por um lado, a liderança soviética (além de colectiva – com Brejnev, Kosygin e Podgorny) era recente e ainda um pouco insegura: menos de dois anos se haviam passado após da deposição de Nikita Krushchev.
Por outro lado, alguns meses antes, de Gaulle anunciara o abandono por parte da França da estrutura militar da NATO, incluindo a desactivação das bases norte-americanas que estavam sediadas em território francês. E aquela ocasião era propícia demais para que os soviéticos não cortejassem assim para uma aproximação o grande dissidente da aliança adversária. Só que, para rematar, mesmo tendo sido da autoria de um neutral e clandestina, a fotografia mostrava uma grandeza da França, ficcionada ou não, que era boa demais para não ser aproveitada para a escarrapachar na primeira página da Paris-Match, uma das revistas francesas de maior circulação da época…

Sem comentários:

Enviar um comentário

Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.