Corar pelos gregos e chorar pela Grécia (For greeks a blush, for Greece a tear, na redacção original), foi a expressão escolhida por Lorde Byron (1788-1824), o poeta romântico inglês (acima) para exprimir a sua opinião sobre os gregos quando, tendo partido para a Grécia para combater pela liberdade do país em 1823, descobriu que os seus filhos não se adaptavam mesmo nada à imagem que a literatura clássica deles fizera. Como muitos outros românticos, convictos dessa abstracção antiga (que, se calhar, nunca terá existido…), também Byron partiu disposto a combater ombro a ombro com os novos hoplitas gregos em novas Batalhas das Termópilas… Vieram a descobrir que eles eram mesmo invencíveis, mas apenas por causa da sua ignorância e do desrespeito pelas tácticas militares convencionais que eram então adoptadas em todo o resto da Europa…
Embora não sendo o caso de Byron, contava-se uma apreciável percentagem de voluntários (que se auto-denominavam filo-helenos), que eram veteranos das Guerras Napoleónicas. Estas haviam terminado apenas seis anos antes do conflito grego começar. E para esses homens, habituados à guerra, a suposição era que, por debaixo daquela sujidade e de toda a ignorância, os gregos continuavam a ser o mesmo povo (das narrativas) da Antiguidade. Percy Shelley (1792-1822), um outro poeta romântico inglês, ainda mais entusiasmado que Byron, escreveu: É a mais grandiosa Era do Mundo que recomeça / São os anos de Ouro que retornam. Mas Shelley morreu afogado num naufrágio antes de poder ver por si próprio o disparate que escrevera. Os combatentes gregos modernos não só não eram nada disso, como nem sequer estavam dispostos a mudar de estilo...
O guerrilheiro grego típico daquela época era conhecido por klepht¹ e era um marginal, meio bandido e rebelde, mas só se isso lhe fosse conveniente. O poder otomano podia-o contratar e então eles passavam a ser conhecidos por armatoloi. O seu comportamento não se alterava substancialmente por causa disso. Mas quando os oficiais ocidentais filo helenos os procuraram enquadrar para lhes ensinar os rudimentos de ordem unida conforme a norma da época (haviam passado seis anos apenas depois da Batalha de Waterloo), descobriram que a matéria-prima diante deles não se assemelhava aos espartanos. Os klephts não estavam dispostos a avançar de peito feito e a deixarem-se matar pela artilharia inimiga. Aliás, aquilo parecia-lhes estúpido, a ideia essencial era sobreviver para combater no dia seguinte e não ganhar a guerra, objectivo que muitos deles nem sequer conseguiam atingir.
À luz dos nossos conhecimentos actuais, os gregos tinham razão apesar do seu atraso. As guerras podem ser assimétricas. Aliás, a maioria das da segunda metade do Século XX e XXI têm-no sido, ao contrário do que acontecia na Europa da primeira metade Século XIX. Aquela era-o, arrastou-se por onze anos (1821-32) e no fim o desgaste da insurreição e a pressão política das potências ocidentais sobre os otomanos acabou por produzir o seu efeito conduzindo à independência grega. Mas o essencial deste exemplo é que os gregos já eram (e parecem continuar a ser) genuinamente aquilo que são e de uma forma não permeável às concepções românticas estrangeiras sobre aquilo (que eventualmente poderá ter sido o) seu glorioso passado. Comparando-os connosco, não só entraram seis anos antes de nós na CEE como, se se safarem desta, isso acontecerá apesar da sua atitude…
¹ A palavra grega κλέπτειν (kléptein) corresponde a roubar. Confirma-se em português no significado de palavras como cleptomaníaco, por exemplo.
A formação da Grécia moderna deveu-se a razões do romantismo então tão em voga na Europa do tempo (e de que bons exemplos são mostrados no post), e, mais prosaicamente, a causas geo-estratégicas da França, Reino Unido e Rússia e para enfraquecer os otomanos. Só que os gregos eram mais devedores do Império Bizantino do que dá Antiguidade, e da sua fase decadente, e como todos os povos europeus, sofreram a invasão dos bárbaros (e de turcos). São balcânicos que falam grego actualizado e habitam no espaço físico onde nasceram as civilizações grega e minóica, nada mais. Por isso é que a frase de Arnaut, mais abaixo, não é assim tão descabida...
ResponderEliminarA título de curiosidade, todo o romantismo épico de Byron levou-o a gravar o seu nome no templo do cabo Sounion, pelo que muitos o imitaram nos anos seguintes, com gestos bem pouco românticos.
Usando essa sua perspectiva rigorosa que classifica os gregos actuais como balcânicos que falam grego actualizado, arrisco-me a dizer que será praticamente impossível traçar qualquer correspondência entre povos modernos e os da Antiguidade, mesmo que ocupem o mesmo espaço geográfico: os egípcios não têm nada a ver com os da civilização dos faraós ou dos Ptolomeus; o mesmo se passará com os iranianos e os persas do tempo de Dario e sucessores - só que estes últimos não fizeram parte do Império Otomano...
ResponderEliminarNão sendo tão radical quanto o João Pedro, acompanho-o na opinião que a identidade grega moderna se inspira primordialmente no cristianismo ortodoxo e na identidade romana - sob o domínio otomanos eles constituíam o "milhet Rum" - será que o José Luís Arnaut saberia o que isto quer dizer quando proferiu a sua famosa frase?
De toda a forma, não quero deixar de lhe dizer que considero o seu comentário sobre Arnaut corajoso. De uma coragem que, nos militares e quando em combate, os leva a serem condecorados a título póstumo... mas corajoso, apesar de tudo.
Com tudo isto, e peço-lhe desculpa por isso, não terminei o texto como deveria, inspirado no estilo do grande Catão, relembrando mais uma vez que o importante em Arnaut - como o João Pedro possivelmente se recordará (http://herdeirodeaecio.blogspot.pt/2009/08/noite-em-que-os-portugueses-nao-se.html) - é que os portugueses não se deixaram condicionar pelas sondagens...
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