15 maio 2012

O FUNERAL DE MITTERRAND E O ENTERRO DA REPUTAÇÃO DA COMUNICAÇÃO SOCIAL FRANCESA

As cerimónias do funeral de François Mitterrand (1916-1996) em 11 de Janeiro de 1996 assinalam também uma espécie de enterro da reputação da comunicação social francesa. Descobria-se que o conjunto de redes informais que controlam a sociedade francesa – sobretudo as lojas maçónicas – havia conseguido que Mitterrand permanecesse por quase 50 anos na ribalta da vida política – ministro por oito vezes desde 1947, candidato presidencial por quatro desde 1965 – sem que alguns aspectos muito controversos do seu percurso político e pessoal houvessem chegado ao conhecimento da opinião pública e por ela fossem debatidos. 
 Naquele dia e pela primeira vez diante dos olhos de todo o Mundo, juntava-se a família oficial do ex-presidente (na fotografia inicial e da esquerda para a direita), com as netas Pascale e Justine, a mulher oficial Danielle (de cachecol branco) e os seus filhos Jean-Christophe (imediatamente a seguir) e Gilbert (na ponta), à família clandestina que era constituída pela sua outra filha Mazarine (acima) e pela amante Anne Pingeot (por detrás da filha, num plano mais recuado que os restantes). As imagens recolhidas na cerimónia (acima), destacando-lhes tanto o recolhimento quanto a discrição são nitidamente simpáticas para com as segundas.
Mas estes gestos tardios só se podem interpretar como penitência e não podem esquecer o facto incontornável que fora apenas por determinação do próprio Mitterand, já no final da vida, que se haviam tornado públicos os tais pormenores embaraçosos que haviam permanecido escondidos durante quase todo o período de catorze anos que havia durado a sua presidência (1981-95). Detalhe complementar: Mitterrand sabia que ia morrer em breve porque desde 1981 lhe haviam diagnosticado um cancro na próstata – esse era apenas mais um dos vários segredos da presidência que esta conseguira manter afastada do grande público durante esses catorze anos…
Entre eles, havia aqueles segredos que a comunicação social desconhecia: no caso indicado imediatamente acima, os boletins de saúde do presidente Mitterrand foram devidamente falsificados ao longo dos anos. Depois, havia os segredos que a comunicação social conhecia mas que era vivamente aconselhada a não investigar como era o caso da existência da outra família. Todavia, a investigação do tema seria tanto mais do que pertinente do ponto de vista jornalístico, quanto Mitterrand mostrava não ter qualquer problema em usar a sua família oficial em campanha ou para conferir mais estatuto ao cargo que ocupava (acima, fotografias de 1974 e 1982).
Por fim, havia os assuntos que não eram segredo só que, pura e simplesmente, não se falava deles. Nem no mais aquecido dos debates políticos que travou, nunca o percurso sinusoidal de François Mitterrand sob o regime de Vichy do general Pétain (acima - que lhe valeu de resto receber a sua mais alta condecoração), conseguiu ganhar o interesse mediático que se esperaria de um tal tema, tão controverso¹. Naquele funeral, naquele dia, percebia-se que, não fosse pelo próprio, nenhum destes assuntos quentes teria sido revolvido. Como se fosse uma última mostra de desprezo do defunto pela subserviência do jornalismo francês para consigo… 
          
 ¹ Note-se neste debatede 2011  a persistência do desconforto que o tema ainda suscita, quando Marine Le Pen da FN o usa para deflectir as acusações de extremismo político da sua organização e o jornalista David Pujadas se vê obrigado a defender-se corporativamente.

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