27 agosto 2018

A BATALHA DE 27 DE AGOSTO, CONHECIDA DO OUTRO LADO DA FRONTEIRA POR «AMBOS NOGALES»

A batalha que se evoca travou-se a 27 de Agosto de 1918, há precisamente cem anos, mas a história que a explica começou mais de 60 anos antes, em 1853, quanto os Estados Unidos, representados pelo diplomata James Gadsden compraram ao México uma parcela de território de 78.000 km² (área acima assinalada a amarelo) por 10 milhões de dólares. O processo recebeu o nome de Aquisição Gadsden (Gadsden Purchase). O que interessa para a continuação da história é que o novo traçado das fronteiras, traçadas a esquadro no mapa, veio a dividir uma pequena e remota povoação com o nome de Nogales. Passou a haver a Sul uma Nogales mexicana, no estado de Sonora, e a Norte, uma Nogales norte-americana, no estado do Arizona. E uma fronteira internacional a separá-las, como se pode observar pela fotografia que se segue, tirada por volta dos finais do século XIX, em que a zona de fronteira aparece claramente demarcada por uma larga avenida, onde no lado esquerdo se está no México e no direito nos Estados Unidos. Instalaram-se depois uns marcos centrais assinalando o local preciso por onde passava a fronteira, mas, até 1918, não existiu propriamente qualquer barreira física que impedisse os habitantes de cada lado da cidade de se deslocarem ao outro.
Vinte anos passados, em 1918, a logística da separação da cidade ainda era essencialmente a mesma, mas a atitude dos nogalenses de cada lado mudara substancialmente. Vivia-se um decénio de grande instabilidade revolucionária no México e grande parte dessa disputa política, uma verdadeira guerra civil, travava-se a tiro. Alguns desses combates transbordaram para o lado norte-americano da fronteira. E os Estados Unidos reagiram a isso invadindo o México em busca dos prevaricadores, mas sem qualquer concertação diplomática com as autoridades mexicanas, desencadeando a hostilidade destas. Para piorar o ambiente, a entrada dos Estados Unidos na Primeira Guerra Mundial em 1917 alterara a economia local, nomeadamente os tradicionais fluxos de contrabando que contribuem sempre para a prosperidade destas cidades fronteiriças. Produtos norte-americanos muito apetecidos no México eram agora racionados. O incidente que está na origem da suposta batalha envolve precisamente dois funcionários da alfandega: o do lado americano queria ainda revistar um passante mexicano quando este já se encontrava em zona neutra de regresso; o seu homólogo mexicano disse ao compatriota para ignorar a ordem. Uma das sentinelas do posto alfandegário americano terá então disparado um tiro de aviso. O transeunte, pensando-se visado, atirou-se para o chão. O funcionário do lado mexicano, pensando-o atingido, ripostou em direcção à sentinela, matando-a. O funcionário do lado americano matou o seu homólogo e em menos de nada, havia uma fuzilaria dos dois lados daquela avenida.
A fuzilaria, começada pouco depois das 4 da tarde, durou cerca de três horas e meia até quase ao pôr do sol, o suficiente para que uma das vítimas do tiroteio tivesse sido o presidente da câmara local (mexicano), que viera de lenço branco tentar pôr termo aos combates. No total morreram 4 militares e 2 civis do lado americano, enquanto os mexicanos reconheceram 15 mortos do seu lado. Os militares norte americanos reclamaram ter causado quase dez vezes isso: 130 mortos. Há um século, e tendo em conta a referência dos milhares de baixas que então se ouviam nas frentes europeais, ainda não devia ser politicamente desaconselhável dar uma imagem de se ser (desnecessariamente) carniceiro. Na sequência da batalha foi definitivamente construída uma cerca separando a cidade, cuja aparência (acima uma foto de 2011) pode ser um pouco enganadora. A cidade mexicana (à esquerda), que conta hoje com 234.000 habitantes, é onze vezes mais povoada do que a sua irmã do outro lado da fronteira, com os seus 21.000 habitantes. Com o assunto do Muro com o México a ser uma das coqueluches do discurso de Donald Trump, até me surpreende que esta administração não se tenha aproveitado deste centenário para, evocando o acontecimento, entusiasmar as suas hostes, amesquinhar os mexicanos, e arranjar mais uns sarilhos internacionais como o presidente Trump tanto gosta.

Adenda: Está explicado. Não vinha nada a calhar que Trump falasse do assunto quando, no mesmo dia, pretendia apresentar um novo acordo de tarifas com o México.

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