Apesar do que se pode ler nas capas, o livro da esquerda, que abrange quase toda da história da colonização da Argélia (só ficarão de fora os 8 anos finais da guerra – 1954-62 – que virão a conduzir à sua independência), tem pouco mais de 100 páginas (escritas numa letra pequena e cerrada, é certo), enquanto o livro da direita, pretendendo-se abranger um período bem mais limitado (1870-1939), é substancialmente mais desenvolvido: tem quase 750 páginas. Nenhum dos dois possui aquelas 250 a 350 páginas que eu consideraria ideais para ficar a conhecer o assunto em detalhe, sem que esse detalhe se tornasse aborrecido, mas, quando a curiosidade e o interesse em saber apertam, lê-se o que está disponível, não o que se pode ler numa tarde.
Mais do que uma colónia, a proximidade geográfica podia ter feito da Argélia uma adjacência de França: São 750 km entre Marselha e Argel, menos do que as distâncias de Lisboa ao Funchal (970 km) ou a Ponta Delgada (1.450 km), ou do que a distância de Sevilha a Las Palmas nas Canárias (1.350 km). Quanto à geografia humana, quando da realização do primeiro recenseamento na Argélia em 1856, contaram-se 2.310.000 argelinos (90.000 deles de origem francesa), enquanto a metrópole francesa registava nessa época 36.715.000 habitantes. A desproporção (de 1 argelino para 16 franceses) permitia, naqueles meados do Século XIX, antecipar hipóteses de sucesso na tarefa de criar um outro Algarve de Além-mar em África onde os monarcas ibéricos haviam fracassado no Século XVI.
Cem anos depois, à beira de se começar a desencadear a luta armada pela independência argelina, o fracasso em relação a esses projectos iniciais pareceria patente. Era verdade que a Argélia progredira economicamente imenso, mas não se transformara socialmente a ponto de se tornar uma adjacência de França, como (por exemplo) uma magna Córsega. Do seu lado, a França não evoluíra demograficamente nesses 100 anos como acontecera aos outros países europeus (a população metropolitana aumentara apenas 6 milhões nesse período), não tendo gerado os excedentes populacionais que, ali estabelecidos, teriam transformado a composição da população argelina. A comunidade de origem europeia (os pieds-noirs - onde se registava uma parcela substancial de outras ascendências que não a francesa) cifrava-se, ainda assim, em quase um milhão de pessoas, mas tratava-se de uma minoria diante dos oito milhões de argelinos de confissão muçulmana, e que nunca conseguiria preservar o poder político para si num regime que fosse legitimado pelo voto popular. E a França era uma democracia.
Mas o que é mais engraçado é ver na história da Argélia colonial uma data de características que os nostálgicos do nosso império colonial ainda argumentam que, houvessem ocorrido no caso português, nos teriam poupado a muitas vicissitudes. É quando eles se dedicam àquele exercício daquilo-que-poderia-ter-sido a história da relação de Portugal com as suas colónias, em que as críticas maiores costumam ir para o processo de descolonização e o regresso dos retornados. Tome-se o exemplo dos princípios de autonomia administrativa e financeira, que foram adoptados desde 1870 na Argélia e que esses nossos saudosistas usam para especular o quanto teria resultado noutra evolução das colónias portuguesas, mas que no caso concreto dos colonos europeus da Argélia, só serviu para que preservassem o poder para si, e não para os indígenas¹. Aliás, as poucas reformas que se verificaram em prol da maioria muçulmana foram sempre impostas pela metrópole e sempre aceites a contragosto (quando não boicotadas) pelas elites locais.
Uma outra ilusão é a da nossa colonização ter sido sempre carente de capitais e que, se os tivesse havido, a história da colonização portuguesa poderia ter sido bastante diferente. É possível mas isso, só por si, não influenciaria as consequências. A colonização francesa na Argélia nunca terá tido esse problema de falta de capitais mas, porque o desenvolvimento económico não foi acompanhado de medidas de redistribuição dos seus benefícios, só serviu para o acentuar das diferenças entre as duas comunidades, produzindo-se uma sociedade identicamente assimétrica, quiçá até mais acentuados os desníveis de bem-estar entre as comunidades. O desfecho da Guerra (1954-62), em que os argelinos que nela participaram do lado francês (200.000) foram o triplo dos que o fizeram do lado independentista da FLN (70.000) demonstrou também, com cerca de dez anos de antecedência em relação ao caso português, quanto era assimétrico o carácter dos esforços que seriam pedidos às duas partes no caso da eclosão de uma guerra subversiva. E recorde-se que, por essa altura (Verão de 1962), ainda não se haviam desencadeado as guerras pela independência de Moçambique e da Guiné. De uma certa forma, não se percebe a petulância do poder político português da época, convencido que, no seu caso, com menos recursos e com uma geografia menos favorável, conseguiria fazer melhor que a França, só por não ter de lidar com uma opinião pública.
A tudo isto, os nostálgicos de uma certa forma de narrar a nossa história fazem ouvidos de mercador, repisam lugares-comuns sobre a especificidade do colonialismo português - quantas vezes esquecendo-se de estudar as especificidades dos outros colonialismos.
¹ A esse respeito, recorde-se o que aconteceu em 1965 na Rodésia.
Mais do que uma colónia, a proximidade geográfica podia ter feito da Argélia uma adjacência de França: São 750 km entre Marselha e Argel, menos do que as distâncias de Lisboa ao Funchal (970 km) ou a Ponta Delgada (1.450 km), ou do que a distância de Sevilha a Las Palmas nas Canárias (1.350 km). Quanto à geografia humana, quando da realização do primeiro recenseamento na Argélia em 1856, contaram-se 2.310.000 argelinos (90.000 deles de origem francesa), enquanto a metrópole francesa registava nessa época 36.715.000 habitantes. A desproporção (de 1 argelino para 16 franceses) permitia, naqueles meados do Século XIX, antecipar hipóteses de sucesso na tarefa de criar um outro Algarve de Além-mar em África onde os monarcas ibéricos haviam fracassado no Século XVI.
Cem anos depois, à beira de se começar a desencadear a luta armada pela independência argelina, o fracasso em relação a esses projectos iniciais pareceria patente. Era verdade que a Argélia progredira economicamente imenso, mas não se transformara socialmente a ponto de se tornar uma adjacência de França, como (por exemplo) uma magna Córsega. Do seu lado, a França não evoluíra demograficamente nesses 100 anos como acontecera aos outros países europeus (a população metropolitana aumentara apenas 6 milhões nesse período), não tendo gerado os excedentes populacionais que, ali estabelecidos, teriam transformado a composição da população argelina. A comunidade de origem europeia (os pieds-noirs - onde se registava uma parcela substancial de outras ascendências que não a francesa) cifrava-se, ainda assim, em quase um milhão de pessoas, mas tratava-se de uma minoria diante dos oito milhões de argelinos de confissão muçulmana, e que nunca conseguiria preservar o poder político para si num regime que fosse legitimado pelo voto popular. E a França era uma democracia.
Mas o que é mais engraçado é ver na história da Argélia colonial uma data de características que os nostálgicos do nosso império colonial ainda argumentam que, houvessem ocorrido no caso português, nos teriam poupado a muitas vicissitudes. É quando eles se dedicam àquele exercício daquilo-que-poderia-ter-sido a história da relação de Portugal com as suas colónias, em que as críticas maiores costumam ir para o processo de descolonização e o regresso dos retornados. Tome-se o exemplo dos princípios de autonomia administrativa e financeira, que foram adoptados desde 1870 na Argélia e que esses nossos saudosistas usam para especular o quanto teria resultado noutra evolução das colónias portuguesas, mas que no caso concreto dos colonos europeus da Argélia, só serviu para que preservassem o poder para si, e não para os indígenas¹. Aliás, as poucas reformas que se verificaram em prol da maioria muçulmana foram sempre impostas pela metrópole e sempre aceites a contragosto (quando não boicotadas) pelas elites locais.
Uma outra ilusão é a da nossa colonização ter sido sempre carente de capitais e que, se os tivesse havido, a história da colonização portuguesa poderia ter sido bastante diferente. É possível mas isso, só por si, não influenciaria as consequências. A colonização francesa na Argélia nunca terá tido esse problema de falta de capitais mas, porque o desenvolvimento económico não foi acompanhado de medidas de redistribuição dos seus benefícios, só serviu para o acentuar das diferenças entre as duas comunidades, produzindo-se uma sociedade identicamente assimétrica, quiçá até mais acentuados os desníveis de bem-estar entre as comunidades. O desfecho da Guerra (1954-62), em que os argelinos que nela participaram do lado francês (200.000) foram o triplo dos que o fizeram do lado independentista da FLN (70.000) demonstrou também, com cerca de dez anos de antecedência em relação ao caso português, quanto era assimétrico o carácter dos esforços que seriam pedidos às duas partes no caso da eclosão de uma guerra subversiva. E recorde-se que, por essa altura (Verão de 1962), ainda não se haviam desencadeado as guerras pela independência de Moçambique e da Guiné. De uma certa forma, não se percebe a petulância do poder político português da época, convencido que, no seu caso, com menos recursos e com uma geografia menos favorável, conseguiria fazer melhor que a França, só por não ter de lidar com uma opinião pública.
A tudo isto, os nostálgicos de uma certa forma de narrar a nossa história fazem ouvidos de mercador, repisam lugares-comuns sobre a especificidade do colonialismo português - quantas vezes esquecendo-se de estudar as especificidades dos outros colonialismos.
¹ A esse respeito, recorde-se o que aconteceu em 1965 na Rodésia.
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