28 fevereiro 2015

PARA HOMENS DE BARBA RIJA...

Não sei o que terá reunido a multidão no estádio na fotografia acima, se um acontecimento desportivo, se um concerto de música, hipótese mais provável considerando a juventude de quem nela aparece. Mas o que se destaca da multidão é o gesto, instintivo dos milhões de anos em que o homo sapiens ainda não se tornara sapiens, que fez aquele conjunto de jovens machos pendurar-se na trave (que já se começa a entortar...) com uma intenção que os próprios, desconfia-se, terão dificuldade em explicar. O autor da foto, esse, é conhecido: Tod Papageorge.

27 fevereiro 2015

CENTENÁRIOS DA PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL - 1

A comemoração dos respectivos centenários é um bom modo de nos dar uma perspectiva correcta do que foi o verdadeiro ritmo como se travou a Primeira Guerra Mundial. Vale a pena recordar a evocação no Verão passado do que foi o início da Guerra para realizar como só será depois de amanhã, a 1 de Março, que se celebrarão os 100 anos da fundação da primeira esquadrilha francesa de aviões exclusivamente dedicados ao combate (caça), a MS 12. Comandada pelo major-marquês Charles de Tricornot de Rose (1876-1916) e equipada com o avião Morane-Saulnier Tipo L, o seu primeiro grande herói de guerra será, porém, o subtenente Roland Garros (1888-1918 – hoje empresta o seu nome a um estádio nos arredores de Paris onde se disputa um dos maiores torneios de ténis do Mundo), responsável por vir a abater três (de um total de seis!) aviões que a aviação francesa abaterá à sua homóloga alemã em toda a Frente Ocidental, durante todo esse mês de Março até à primeira quinzena de Abril de 1915 - uma média, imagine-se, de um avião abatido por semana!

MODELO «ECUNOMÉTRICO» SOBRE O COMPORTAMENTO DOS DIRIGENTES ECONÓMICOS SOB «STRESS»

Quem foi o laureado com o Prémio Nobel da Economia que postulou que qualquer dirigente económico, quando confrontado com o risco de se poder incriminar, quando há que escolher salvar uma de duas reputações, a pessoal ou a profissional, não tem pudor em se fazer passar publicamente por um dos gestores mais incompetentes à face da Terra? Actually, não chegou a ser laureado com o Prémio Nobel (embora bem o merecesse) o autor anónimo do ditado popular português, quem tem cu, tem medo. E olhem que Zeinal Bava ontem, bem apertou o olho do seu cá com uma força...
Adenda:

26 fevereiro 2015

O APOCALIPSE DE UM PAÍS SEM FUTEBOL


A Porta dos Fundos já havia feito este vídeo arrasando com aquilo que as claques representam mas, para além disso e a propósito delas, tornou-se engraçadíssima a falta de ressonância que a comunicação social portuguesa deu à decisão do governo grego de suspender todas as competições futebolísticas naquele país, na sequência de vários incidentes, entre os quais um que envolveu o treinador português Vítor Pereira. Mais do que as preocupações com os energúmenos, foi em bloco que a corporação adoptou instintivamente uma atitude de boicote à transmissão dessas ideias malsãs de despojar de uma actividade nobre que, se adoptadas por cá, seriam a fome de muita gente: que seria de A Bola, do Record ou de O Jogo? Sobre o que escreveriam todos esses jornais? E está-se a imaginar o que aconteceria à programação corrente dos vários canais informativos de TV nas noites de Domingo e à Segunda-Feira, sem que os paineleiros tivessem sobre o que se pronunciar? É que, sem jogos, nem haveria arbitragem para cometer erros...

CONSTATAR AS CABEÇADAS PELOS CABEÇALHOS

Vivem-se tempos interessantes, em que, com colagens escolhidas de cabeçalhos de notícias, podem-se constatar como foram enormes os erros políticos para onde a actual maioria se remeteu. Tivesse Passos Coelho mostrado inicialmente uma maior contenção no cumprimento das medidas do programa imposto pela tróica (acima) e não estaria agora na situação ingrata em que se encontra. É que, se por um lado o sucesso da reputação portuguesa junto dos temíveis mercados (da dívida pública),...
...se tem finalmente traduzido numa redução das respectivas yields para mínimos históricos (acima), seria algo para celebrar, por outro dá-se o pormenor de Bruxelas ter entretanto inflectido politicamente após o fim do celebrado programa assumido mais acima por Passos como seu e começado a preocupar-se (só agora...) com as consequências sociais das medidas entretanto implementadas (abaixo). A isso chama-se tirar o tapete a quem quis ser mais papista que o papa.

25 fevereiro 2015

A IMPORTÂNCIA ESTRATÉGICA DE UMA TELEFONISTA

Maurice Gamelin (1872-1958) é considerado o responsável pela hecatombe dos exércitos franceses em Maio/Junho de 1940. Como em muitos outros acontecimentos da História, considerando que Gamelin não participou sozinho, é duvidoso que um outro general no seu lugar houvesse conseguido alcançar um desfecho diferente naquela campanha; porém, a indiscutível incompetência de Gamelin conferiu-lhe um carácter fulminante que teve, só por isso, repercussões históricas. Declarada a Guerra, a partir de Janeiro de 1940, instalou o seu Quartel-General no castelo de Vincennes nos arredores de Paris. O castelo era já então um reduto repleto de história: ali fora fuzilado o duque de Enghien em 1804; ali fora fuzilada Mata Hari em 1917. Em contraste e quanto a tecnologias de futuro, o castelo não possuía um posto de rádio, nem sequer um pombal, numa época em que as grandes cabeças do estado-maior francês ainda olhavam com bonomia a columbofilia, que tantos serviços lhes havia prestado no conflito precedente. Um oficial mais azougado que propusera a utilização do telégrafo foi confrontado com a pergunta irónica se ele considerava as ordens militares como o resultado das corridas. Mais rápidas que as tradicionais estafetas (agora motorizadas...) só mesmo as linhas telefónicas e, mesmo assim, com algumas limitações... Quando Maxime Weygand (1867-1965) sucedeu a Gamelin em 19 de Maio, já em plena ofensiva, apercebeu-se do que eram as dificuldades de comunicação com os exércitos que era suposto comandar: a menina do PBX continuava a insistir em gozar a sua hora de almoço (das 12H00 às 14H00)...

MEMOFANTE E OS RIDÍCULOS

Não há pose nem logo do The Economist que lhes valham se os membros deste governo se põem a repetir objectivos...
...que já haviam sido anunciados por colegas do executivo faz uns três anos para (não) serem atingidos há dois.
É que destas argoladas já não podem culpar os governos do engenheiro Sócrates.

24 fevereiro 2015

VITÓ O GLADIADOR


As imagens dos incidentes que envolveram o treinador português Vítor Pereira na Grécia são um assombro. Em primeiro lugar, porque o jogo se realizou, apesar da evidência da completa falta de segurança dos intervenientes. Em segundo lugar, porque até a própria comunicação social portuguesa noticiou que fora Vítor Pereira a provocar os adeptos – aceitando que a culpa fosse dele. Em terceiro lugar, porque só resta concluir que, ao contrário do que acontecia na Antiguidade clássica, os gladiadores e as feras deixaram de estar na arena, para agora se sentarem nas bancadas.

HISTÓRIAS DA COLONIZAÇÃO DA ARGÉLIA

Apesar do que se pode ler nas capas, o livro da esquerda, que abrange quase toda da história da colonização da Argélia (só ficarão de fora os 8 anos finais da guerra – 1954-62 – que virão a conduzir à sua independência), tem pouco mais de 100 páginas (escritas numa letra pequena e cerrada, é certo), enquanto o livro da direita, pretendendo-se abranger um período bem mais limitado (1870-1939), é substancialmente mais desenvolvido: tem quase 750 páginas. Nenhum dos dois possui aquelas 250 a 350 páginas que eu consideraria ideais para ficar a conhecer o assunto em detalhe, sem que esse detalhe se tornasse aborrecido, mas, quando a curiosidade e o interesse em saber apertam, lê-se o que está disponível, não o que se pode ler numa tarde.

Mais do que uma colónia, a proximidade geográfica podia ter feito da Argélia uma adjacência de França: São 750 km entre Marselha e Argel, menos do que as distâncias de Lisboa ao Funchal (970 km) ou a Ponta Delgada (1.450 km), ou do que a distância de Sevilha a Las Palmas nas Canárias (1.350 km). Quanto à geografia humana, quando da realização do primeiro recenseamento na Argélia em 1856, contaram-se 2.310.000 argelinos (90.000 deles de origem francesa), enquanto a metrópole francesa registava nessa época 36.715.000 habitantes. A desproporção (de 1 argelino para 16 franceses) permitia, naqueles meados do Século XIX, antecipar hipóteses de sucesso na tarefa de criar um outro Algarve de Além-mar em África onde os monarcas ibéricos haviam fracassado no Século XVI.

Cem anos depois, à beira de se começar a desencadear a luta armada pela independência argelina, o fracasso em relação a esses projectos iniciais pareceria patente. Era verdade que a Argélia progredira economicamente imenso, mas não se transformara socialmente a ponto de se tornar uma adjacência de França, como (por exemplo) uma magna Córsega. Do seu lado, a França não evoluíra demograficamente nesses 100 anos como acontecera aos outros países europeus (a população metropolitana aumentara apenas 6 milhões nesse período), não tendo gerado os excedentes populacionais que, ali estabelecidos, teriam transformado a composição da população argelina. A comunidade de origem europeia (os pieds-noirs - onde se registava uma parcela substancial de outras ascendências que não a francesa) cifrava-se, ainda assim, em quase um milhão de pessoas, mas tratava-se de uma minoria diante dos oito milhões de argelinos de confissão muçulmana, e que nunca conseguiria preservar o poder político para si num regime que fosse legitimado pelo voto popular. E a França era uma democracia.

Mas o que é mais engraçado é ver na história da Argélia colonial uma data de características que os nostálgicos do nosso império colonial ainda argumentam que, houvessem ocorrido no caso português, nos teriam poupado a muitas vicissitudes. É quando eles se dedicam àquele exercício daquilo-que-poderia-ter-sido a história da relação de Portugal com as suas colónias, em que as críticas maiores costumam ir para o processo de descolonização e o regresso dos retornados. Tome-se o exemplo dos princípios de autonomia administrativa e financeira, que foram adoptados desde 1870 na Argélia e que esses nossos saudosistas usam para especular o quanto teria resultado noutra evolução das colónias portuguesas, mas que no caso concreto dos colonos europeus da Argélia, só serviu para que preservassem o poder para si, e não para os indígenas¹. Aliás, as poucas reformas que se verificaram em prol da maioria muçulmana foram sempre impostas pela metrópole e sempre aceites a contragosto (quando não boicotadas) pelas elites locais.

Uma outra ilusão é a da nossa colonização ter sido sempre carente de capitais e que, se os tivesse havido, a história da colonização portuguesa poderia ter sido bastante diferente. É possível mas isso, só por si, não influenciaria as consequências. A colonização francesa na Argélia nunca terá tido esse problema de falta de capitais mas, porque o desenvolvimento económico não foi acompanhado de medidas de redistribuição dos seus benefícios, só serviu para o acentuar das diferenças entre as duas comunidades, produzindo-se uma sociedade identicamente assimétrica, quiçá até mais acentuados os desníveis de bem-estar entre as comunidades. O desfecho da Guerra (1954-62), em que os argelinos que nela participaram do lado francês (200.000) foram o triplo dos que o fizeram do lado independentista da FLN (70.000) demonstrou também, com cerca de dez anos de antecedência em relação ao caso português, quanto era assimétrico o carácter dos esforços que seriam pedidos às duas partes no caso da eclosão de uma guerra subversiva. E recorde-se que, por essa altura (Verão de 1962), ainda não se haviam desencadeado as guerras pela independência de Moçambique e da Guiné. De uma certa forma, não se percebe a petulância do poder político português da época, convencido que, no seu caso, com menos recursos e com uma geografia menos favorável, conseguiria fazer melhor que a França, só por não ter de lidar com uma opinião pública.

A tudo isto, os nostálgicos de uma certa forma de narrar a nossa história fazem ouvidos de mercador, repisam lugares-comuns sobre a especificidade do colonialismo português - quantas vezes esquecendo-se de estudar as especificidades dos outros colonialismos.

¹ A esse respeito, recorde-se o que aconteceu em 1965 na Rodésia.

23 fevereiro 2015

O PROFESSOR MARCELO ACERTOU!

Considerada a sua reputação azarada, confesso que ontem fiquei apreensivo quando o professor Marcelo se atreveu a vaticinar que Julianne Moore iria receber o Óscar para melhor actriz. Porém, reconheça-se que, comedido como não o estamos habituados a ver e não se tendo atrevido a fazer mais nenhuma previsão sobre quem receberia as outras estatuetas, desta vez Marcelo acertou. Há que salientá-lo. Para os católicos e sendo ele também católico (como ele gosta de lembrar), Marcelo estaria ontem verdadeiramente iluminado pelo Espírito Santo (a terceira pessoa da Santíssima Trindade, não o banco empregador da sua mulher), o que dará canonicamente todo um outro valor às reflexões com que mimoseou a conduta recente de Maria Luís Albuquerque.

SOBRE O RACISMO ANTI-RACISTA

À partida para a final da corrida de 100 metros dos Jogos Olímpicos de Londres, devidamente cumpridos os processos de pré-selecção que ocorrem nestas competições atléticas, todos os oito atletas presentes eram de ascendência africana. E creio improvável que alguém se tenha surpreendido com isso, quanto mais protestado. Foi cumprindo um outro conjunto de critérios de pré-selecção, também fixados de antemão, que se chegou ao resultado de que, este ano, não houve actores negros entre as nomeações para os Óscares de Hollywood. Mas neste caso apareceram - aparecem sempre - uns patetas de serviço, negros mas pretendendo tornar a sua causa mais abrangente, para clamar contra o fenómeno e ganhar umas linhas de notoriedade em notícia de jornal: ...não estão a representar os Estados Unidos. As mulheres, os hispânicos, os negros (...) são invisíveis em Hollywood. Os obesos também são invisíveis, acrescentaria eu: os relatórios dizem-nos que os obesos constituem ⅓ da população adulta dos Estados Unidos e, tendo visto a Oprah, que é gorda mas também é negra, não me lembro de ter visto um outro obeso de notoriedade fosse no palco, fosse na plateia, durante a cerimónia dos Óscares de ontem... Melhor ainda: os afro-protestantes tiveram tanto galo que o Óscar de melhor realizador foi parar este ano a um hispânico, o mexicano Alejandro Iñárritu...

22 fevereiro 2015

«DOKTOR MERKWÜRDGLIEBE UND DIE DOKTORIN»¹

Não deixa de ser irónico que seja a imprensa germânica a desmentir frontalmente a versão do seu comportamento no Eurogrupo que Maria Luís Albuquerque tentou fazer passar ontem à noite no jornal da TVI, num gesto preemptivo à homília de Marcelo irá proferir naquele mesmo espaço 24 horas depois. Pode ter sido por isso - pela contradição - que a tradução do artigo aparecido no Die Welt parece eivada de uma certa malícia maldosa: aquilo que Maria Luís Albuquerque terá pedido a Schäuble (no quarto parágrafo) bem podia ter sido traduzido por firmeza, não dureza como o pedido por cá ficou registado. Contudo, seja qual for a expressão, o conceito tornou-se o detonador para uma analogia que ando há uns tempos para aqui fazer (abaixo). E não apenas por causa da firmeza das saudações da personagem. Também porque Estranhoamor (Strangelove) é também um bom título para catalogar esta inflexão que levou a nossa política externa a alinhar-se completamente com os interesses alemães.

¹ Merkwürdgliebe era o nome original de Strangelove, quando aconselhava o Führer e antes de vir a adquirir a nacionalidade americana. Doktorin (feminino de doktor) refere-se naturalmente a Maria Luís Albuquerque.

UMA FOTO EUROPEIA EM JEITO DE FAMÍLIA VON TRAPP...

Um subproduto do sucesso do famosíssimo musical Música no Coração é a referência propositadamente irónica a uma felicidade ao jeito da família von Trapp. Há no filme uma felicidade encenada e falsa, seja ao nível do próprio argumento, onde os pequenos cantores maravilham as audiências obnóxios à gravidade dos factos que os rodeiam (a anexação da Áustria pela Alemanha), ao nível da realidade histórica que esse argumento pretende descrever, quando na verdade houve uma ampla maioria de austríacos se mostrou muito satisfeita com aquela anexação, até ao nível do que se passou nos bastidores do filme, Christopher Plummer detestou fazê-lo e passou uma boa parte das filmagens razoavelmente bêbado. As fotografias de família em geral podem, em ocasiões, fazer-nos lembrar as dos von Trapp, como foi o caso daquela acima com os socialistas europeus, que foi tirada ontem em Madrid. Haverá qualquer coisa que parece que se está a passar na Europa. Entre os conservadores, embora Passos Coelho e o governo não queiram dar por isso, há quem já tenha começado a fazer agulha para outras paragens e outros discursos. O campo reformista parece j+a estar ocupado. Entre os socialistas contudo, tanto à escala nacional quanto continental, não se nota da sua parte uma distinção ao discurso integracionista europeu que faça deles uma alternativa ao status quo existente. Uma andorinha não faz a Primavera e uma palavra em formato de buzzwordaustericídio – não é uma alternativa. Depois queixem-se que não há votos ou, quando os há, que eles vão parar às formações que encarnam as agora já completamente enraizadas antipatias anti-europeias.

21 fevereiro 2015

OS CIGARROS STAMBUL

Nos últimos dias de guerra, em Abril de 1945, com a cidade de Berlim em vias de ser cercada pelos exércitos soviéticos, todos os berlinenses que fumavam viram-se obrigados a consumir os cigarros da última remessa que chegara à cidade, de uma única marca pouco conhecida e de ressonância exótica e balcânica, STAMBUL (acima), produzidos em caixas de 24 por uma tabaqueira de Dresden. Contendo os mais diversos produtos para além e em vez do tabaco, os cigarros deixavam no ar um cheiro a madeira carbonizada que não se distinguia particularmente do cheiro do resto da cidade, considerados os incêndios provocados pelos consecutivos bombardeamentos aéreos da RAF e da USAAF, e o tradicional espírito dos berlinenses não tardou a dar mostras de si, com uma criativa explicação do significado da marca STAMBUL: STalin Armee Marschiert Berlin Unter den Linden – qualquer coisa como os exércitos de Stalin marcharam sobre Berlim até Unter den Linden (sendo esta última, que literalmente significa sob as tílias, a designação da avenida central de Berlim, que tem num dos seus extremos a conhecida Porta de Brandeburgo). Proféticas e fatais palavras: dentro de dias os soviéticos chegaram mesmo, meses depois (Julho) e já depois da rendição alemã, a Unter den Linden e os arredores tinham o aspecto que a fotografia abaixo mostra.

ENTÃO, ATÉ DAQUI POR QUATRO MESES...


Diz o ditado popular que, com o mal dos outros podemos nós bem, mas gostaria de substituir-me à comunicação social (acima) para assinalar o detalhe de que, já tendo terminado as audiências do mediático julgamento a que foi submetido Dominique Strauss-Kahn (entre outros) por proxenetismo, aquelas duraram um pouco menos de três semanas, enquanto a leitura da sentença foi marcada para daqui a quase quatro meses (12 de Junho). Passa-se em França e não em Portugal, mas parece-me internacional a intuição que, fossem os juízes pagos à peça (i.e. contra sentença), a qualidade da justiça poderia decrescer substancialmente (como a corporação dos ditos adverte e ameaça), mas os prazos da justiça seriam completamente outros, creio que mais ajustados ao ritmo da sociedade.

20 fevereiro 2015

SOBRE A HABILIDADE EDITORIAL DE COLOCAR UMA CARALHADA EM TÍTULO

Dos despojos do momento em que todos quisemos ser Charlie só terá perdurado a expressão Je Suis + qualquer coisa, empregue agora com sentidos avulsos e irónicos, à custa da saturação que a expressão acabou por despertar. Ontem, por exemplo, descobri que muitos dos que frequentam estas redes sociais, somos Correio da Manhã, por muito que se pretenda desdenhar do jornalismo de título grosso e alarmista. A contagem das visitas e o interesse dos leitores não enganava: um título onde se destacava o vocábulo merda mostrou ultrapassar o interesse em minutos de outros títulos mais inócuos, apesar de estes últimos terem sido postados com muitas horas de antecedência. Em paralelo com o estilo do Correio da Manhã, confirma-se que não há nada como adicionar uma caralhada a um título para despertar a atenção e concitar o interesse geral dos leitores.

UM «OBRIGADINHO» MUITO GRANDE TAMBÉM DA NOSSA PARTE

Na cobertura do conflito germano-grego, a atenção por cá tem-se concentrado em Tsipras e Varoufakis, na ausência de gravatas e na presença de cachecóis, parece agradar às duas partes mostrarem-se como uma facção romântica em contraste com uma outra mais razoável – há que pagar o que se deve.
Mas, para que se tenha uma ideia mais justa de como pode ser o verdadeiro espírito do outro lado (que também é o do nosso governo), permitam-me afixar esta capa de notícia publicada hoje pelo Bild. Nela lê-se: Finalmente diz-se um NÃO à Falência Grega. A Alemanha diz-lhe Obrigado, Wolfgang Schäuble!

19 fevereiro 2015

A BOA MERDA QUE ACABOU DE SER FEITA


Tivesse sido aquela confissão final feita em Off em vez de em On, a verdade é que há que concordar com a autora, que aquele empastelamento dos números resultou numa boa merda. Atenua as consequências da merda o facto de às 9H13 da manhã ainda não se estar bem acordado e que, quem estiver bem acordado, também não está com pachorra para ver televisão, talvez menos ainda ao que terá acontecido ao PSI20. Contudo, o facto deste vídeo já ter uns bons anos (2004) e de nunca termos visto aquela apresentadora na RTP - que fonte amiga e bem informada me elucidou chamar-se Carla Trafaria - projectada para mais altos voos televisivos, pode levantar a suspeita do quanto na nossa sociedade não se é condescendente para honestos actos de contrição. Porque, em justiça, perde-se a conta ao número de boas merdas a que assistimos, em prime-time e com vedetas muito mais qualificadas do showbiz.

O DR. DOXEY DESTE EXECUTIVO


Neste governo há ministros que mantêm uma imagem de competência mesmo estando agora consecutivamente debaixo de fogo (Paulo Macedo). Há outros que já tiveram tempo para se mostrarem suficientemente incompetentes, mas que continuam a escapar entre os pingos da chuva das críticas mais mordazes... e pertinentes (Poiares Maduro). Há aqueles sobre os quais nunca se suscitaram dúvidas sobre o seu desempenho, porque se sabia de antemão o quanto eram medíocres (Aguiar-Branco). Há ainda aqueles que dão mostras da mais elementar falta de bom senso quando colocados sob pressão (Teixeira da Cruz).
Porém, no fundo da escala, há os ministros que criaram uma imagem de seriedade tal que ela nos forja a confiança de que a eles nem nos atreveríamos a comprar um carro usado (era o caso de Miguel Relvas, será o caso de Pires de Lima). Ao ouvir-se o ministro da Economia ontem no parlamento (mais acima), fica-nos a convicção de que ele não saberá fazer a distinção entre ser-se do governo e ser-se da oposição à oposição. O que é que ele quer? É que um ministro não pode argumentar no mesmo estilo em que o fazia o blogue câmara corporativa quando Sócrates estava no poder.

Lendo o Observador de ontem (e conhecem-se as inclinações ideológicas do jornal, bem mais próximas do ministro do que do PS), em duas notícias publicadas apenas com uma hora de diferença, Pires de Lima recusa a ideia do PS de criar um fundo de capitalização para empresas endividadas para, aparentemente de seguida, renovar o apelo para que o PS reveja a posição sobre o IRC. Não tendo a espectacularidade televisiva de uma outra celebrada intervenção sua naquela mesma Casa (acima – ocasião em que se especulou sobre o conteúdo demasiadamente líquido do que almoçara),...
...a conjugação das duas respostas dadas ao maior partido da oposição na (mesma) sessão de ontem configura uma coerência dificilmente explicável: estaria ele, de facto, interessado em alcançar algum entendimento com o PS, ou tudo não passou de mise-en-scène? É que, as incoerências de Pires de Lima já se tornaram anedóticas: só mesmo ele para gabar, numa feira internacional de calçado, a excelência do calçado português, para depois ter de confessar que, naquele momento, até calçava sapatos de outra proveniência...
Pelo conteúdo do que anuncia, mas também pela exuberância como se exprime, Pires de Lima faz-me lembrar o Dr. Doxey (acima, à esquerda), uma coriácea personagem de uma das aventuras de Lucky Luke, um químico charlatão que fabricava e vendia elixires, aos quais atribuía as propriedades mais milagrosas. E que, quando necessário, adoptava uma técnicas de vendas muito... pró-activas. O trajecto político de Pires de Lima também tem sido muito pró-activo, especialmente quando se compara a sua actividade antes e depois de entrar para o governo em Julho de 2013.

Hoje já estará esquecida a sua moção de estratégia para o 25º Congresso do CDS que se iria realizar em Julho de 2013, e foi cancelado por causa da crise da demissão irreversível de Paulo Portas. É interessante recordar as notícias preparatórias que se faziam publicar antes, em Junho de 2013, quando ainda não se antecipavam as ondas de choque provocadas pela demissão de Vítor Gaspar e se prometia o fim progressivo do corte nos salários e nas pensões para dali a dois anos - ou seja, para 2015, o ano em curso. Quatro meses depois disso, entrado para o governo, Pires de Lima descobria estar a acontecer um milagre económico!...

Na sessão de ontem o tal de milagre económico desaparecera, a tal reposição de salários e pensões dentro de dois anos já estará completamente esquecida e bastou uma apresentação mais conseguida de uma deputada do Bloco de Esquerda com sucessivos gráficos de aspecto depressor para que - como dizer? - o elixir do Dr. Pires de Lima passasse a possuir outras virtualidades curativas. a culpa da taxa de crescimento do PIB ter sido de 0,9% e não os 2% que se ouvem reclamados na tal moção ainda é do PS...

18 fevereiro 2015

...SOBRE A TIMIDEZ DE BONEMINE

Seria complicado explicar o que faz Bonemine esconder-se orgulhosamente por detrás do escudo.

DUPLA NOSTALGIA


À nostalgia dos mais de dez anos que já se passaram desde que esta canção (Velha Infância) dos Tribalistas se tornou popular, somam-se os muitos mais anos, todos os que nos levam à tal infância, infelizmente cada vez mais velha, a que a letra se refere.

SAGAS DE PAÍSES ONDE NÃO SE SABIA HAVER «MIJANCEIRAS»

Gunnar Somoliansky é um fotógrafo sueco que em 1983 captou este grupo de folgazões a aliviar-se numas paredes discretas de uma Copenhaga, cidade que nos costuma ser descrita como muito mais cívica do que qualquer das nossas equivalentes meridionais da Europa. Talvez por serem habitadas por outra gente... Depois de ter passado 45 anos (1945-90) dividida entre o Leste e o Ocidente por uma Cortina de Ferro, a Europa, agora designada por União da dita, apresenta-se ainda dividida, só que agora separada por uma outra divisória adicional, aquela linha vertical que nos documentos financeiros separa os saldos a débito dos saldos a crédito, os do Norte dos do Sul da Europa. E as pretensões de moralidade dos primeiros em relação aos segundos está a tornar-se tão ostensivas, que apetece ironizar com a ajuda da fotografia supra: - Então por aí, e apesar de proibido, também se mija nas paredes? Ou entretanto o hábito perdeu-se por causa das preocupações ambientais?

17 fevereiro 2015

EM DIA DE ESTREIA TELEVISIVA DA PORTA DOS FUNDOS


Para hoje, anuncia-se a estreia da Porta dos Fundos em televisão no canal Fox Portugal. Não sei se será para valer, mas fiquei de sobreaviso ao ouvir numa das promoções a essa estreia (que passou no próprio canal Fox) onde os palavrões dos actores haviam sido editados, a que se sobrepunham aqueles conhecidos sons agudos. Ora, um dos segredos do sucesso daquela equipa é o facto deles falarem sem limitações formais. Espero bem que, para o popularizar, não pasteurizem aquele género de humor.

A DESPEDIDA DOS INDEFECTÍVEIS

Apesar de profusamente coberto, ainda há fotografias do funeral de Salazar (Julho de 1970) que nos podem surpreender: junto aos Jerónimos, diluídos entre a assistência, um pequeno grupo de indefectíveis saúda de braço esticado o féretro do antigo ditador de partida para Santa Comba Dão. Surpreende porque, ao contrário do que viria a acontecer no funeral de Franco dali por cinco anos, Salazar deixara há muito (desde que ficara mentalmente incapacitado quase dois anos antes) de ser uma figura importante nos jogos das facções que disputavam a sua sucessão. Os carreiristas pouco ganhariam em assim se manifestar, quem o fazia fá-lo-ia por uma genuína deferência pessoal para com o ditador. Não era imagem que interessasse publicitar ao poder (marcelista) da altura, não é imagem que se tornasse interessante publicitar depois, a de que Salazar era um ditador que podia suscitar simpatias populares. Até Jaime Nogueira Pinto o ter feito ganhar um concurso de televisão.

16 fevereiro 2015

Ó MAR SALGADO, QUANTO DO TEU SAL

Considero esta fotografia tão rica que, em vez de a estragar com um título menor de minha autoria, preferi-a esconder por debaixo da primeira estrofe do conhecido poema de Fernando Pessoa.

Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!

Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.

Na fotografia, ao contrário do poema, não se chega a sulcar o mar, ficamo-nos pelas suas margens, mas não é por isso que deixa de ser uma daquelas fotografias que se sente visceralmente nossa, portuguesa, tirada na Nazaré por um norte-americano – Bill Perlmutter – que mostra pelos resultados ter-nos captado até à essência. Com a foto também nós sentimos a frescura da areia da praia nos pés descalços e compartilhamos com os espectadores a curiosidade de descobrir o que provoca aquela concentração de gaivotas sobre a arrebentação, como mirones intemporais de uma paisagem bucólico-marítima.

(OUTRA) MISSÃO CUMPRIDA

Esta tarjeta com os dizeres Missão Cumprida faz lembrar (embora possua uma dimensão muito mais modesta) uma outra muito posterior com dizeres semelhantes (Mission Accomplished) e destinada a tornar-se mundial e controversamente famosa. O Esteves que saudava a peluda (disponibilidade) no cais de Alcântara em Julho de 1969 (data do regresso de Angola da C.Cav. 1705) foi um de entre centenas de milhares que assim mostrava aceitar implicitamente o discurso do regime, que lhes competia aceitar a sua quota-parte dos sacrifícios para a preservação do status quo do ultramar. A clarividência política a respeito da questão colonial era algo apenas ao alcance de uma minoria, embora a memória colectiva tenha vindo a alterar tudo isso depois do 25 de Abril.

15 fevereiro 2015

REPORTAGENS TELEVISIVAS SOBRE A GRÉCIA


É uma pena que, ao contrário do que acontece em França, não estejam acessíveis na net pequenos trechos de telejornais de época onde se anunciam alguns acontecimentos mais significativos a que se pretenda dar destaque. Com pena minha, o conteúdo deste poste torna-se assim reduzido para quem não entenda francês e não consiga acompanhar a locução destes dois vídeos. No de cima, anuncia-se a entrada da Grécia na CEE, que teve lugar a 1 de Janeiro de 1981. Já então se fazia sentir a preocupação do impacto da adesão na agricultura grega e no esforço de adaptação a fazer. O vídeo de baixo é 20 anos posterior, e assinala a entrada da Grécia na zona Euro (Janeiro de 2001). Era o 12º país a aderir e o optimismo das palavras iniciais do locutor contrasta com a atitude moderada e distanciada dos gregos que figuram na reportagem, com excepção de um conselheiro económico chamado Vassilis Rapanos que já então prometia privatizações e reformas para que a economia grega crescesse a 5% ao ano. Devia ser o Vítor Constâncio lá do sítio...

Passados 14 anos após este segundo vídeo, em Janeiro de 2015, foi a vez de um repórter português (José Rodrigues dos Santos) ter lá ido fazer a sua reportagem e esse é que descobriu que os gregos, a começar pelos agricultores que queriam subsídios do vídeo de 1981, os comerciantes que não estavam a saltar de contentamento com a adopção do Euro no de 2001 e sobretudo o senhor Rapanos são uns malandros, todos, que não pagam impostos...

OS QUE «PODIAM-TER-SIDO»

Francisco Sá Carneiro (1934-1980) e José Pedro Pinto Leite (1932-1970), acima fotografados na Assembleia Nacional em 1969 ou 70 e conhecidos na época por serem as duas figuras mais proeminentes de um grupo de deputados reformadores do regime, que veio a ser designado por Ala Liberal. Ambos morreram em acidentes de aviação, embora o 25 de Abril de 1974 se intrometa nos dez anos que separam os respectivos falecimentos. O primeiro foi mais do que uma promessa política, mas hoje perduram como as principais figuras de uma certa nostalgia do que poderia-ter-sido – de uma história alternativa da direita portuguesa no último terço do século XX, onde Cavaco acaba por se impor. Uma nota final: é simbólico de como essas evocações tendem a ser benignas é que nunca se considera os eventuais embates entre os dois pela liderança do PPD/PSD ou de organização daquela mesma área política...

14 fevereiro 2015

...SÓ QUANDO ACABA A BATERIA

Perto de nós, numa outra mesa do restaurante, um casal sentava-se frente a frente sem se olhar, cada um ensimesmado no seu gadget pessoal. Impressionava. E eu lembrei-me deste sketch - bem recente, por sinal - do Porta dos Fundos...

DISTO JÁ NÃO HÁ MAIS – 8

Durante anos o painel em madeira e os octógonos em relevo do fundo foram sinal identificativo da sala VIP do aeroporto da Portela, nesses anos (décadas de 50,60,70) em que a deslocação das altas entidades ao estrangeiro era objecto de notícia pela raridade. Tudo o que consta da fotografia acima é de um outro tempo, a começar pelo entrevistado, Ernesto Melo Antunes (1933-1999), então major e ministro dos negócios estrangeiros, falecido vai para mais de 15 anos; o entrevistador, que me parece ser Joaquim Furtado, exibe uma exuberância pilosa adequada aos tempos do PREC; o microfone que empunha é sóbrio, nada dos exuberantes cornettos decorados com o logotipo da estação de TV que agora se usam; mesmo o gesto de ir fumando o cigarrinho enquanto se responde às questões dos jornalistas se afigura, pela informalidade, de uma outra era. E a sala VIP e o seu histórico painel de madeira desapareceram no entretanto. Pouco importa: como Passos Coelho e os seus passaram a viajar em económica...

NO PRINCÍPIO ERA O VERBO...


Quem o viu então e quem o viu depois! Jean Marie Le Pen exibe neste vídeo um charme que agora só nos parece datado (a pala no olho era então um atributo de homem de acção bem sucedido, ao estilo Moshe Dayan), apresentando em Fevereiro de 1973 aquilo que qualifica como os sete pontos principais do programa de uma Frente Nacional acabada de fundar quatro meses antes e que se preparava para disputar as suas primeiras eleições legislativas em Março seguinte:

- Constituição de uma Assembleia Nacional eleita por escrutínio proporcional.
- Denúncia dos Acordos de Évian (assinados em 1962, concedendo a independência à Argélia) e indemnização dos repatriados (pieds-noirs), em antecipação a qualquer programa de auxílio a países estrangeiros.
- Regulamentação muito estrita da imigração.
- Supressão do serviço militar obrigatório, substituído por um serviço militar voluntário de seis meses e um exército profissionalizado.
- Defesa do comércio e do artesanato.
- Adopção de uma política de apoio à família, incluindo alocações especiais e benefícios fiscais.

- Despolitização da função pública, especialmente do ensino e revogação da lei Edgar Faure (do nome do ministro da Educação em Novembro de 1968, incorporando algumas das reivindicações dos contestatários de Maio de 68).

Os segmentos do eleitorado que a Frente Nacional pretendia cativar pareciam evidentes mas os resultados foram um desapontamento. A organização obteve 108 mil votos, correspondentes a 1,3% da votação nacional e a 2,3% dos 105 círculos eleitorais onde se conseguira apresentar (de um total de 488). Só mesmo o próprio Le Pen - que ainda não era o líder indiscutível da organização como se tornaria depois - conseguiu um resultado superior a 5% no seu círculo parisiense e, obviamente, nenhum dos candidatos conseguiu um resultado que lhe permitisse passar à segunda volta.

13 fevereiro 2015

OS LIVROS QUE OS VULTOS INTELECTUAIS LÊEM


Percebe-se e até se aceita porque é que entre as elites locais se troça da desenvoltura como Marcelo Rebelo de Sousa apresenta livros no seu programa de Domingo, manejando-os (e costumam ser tantos!...) com uma perícia tal que, aos mais imaginativos, o malabarismo poderá fazer lembrar o sketch do cozinheiro sueco dos Marretas, mais a sua famosa receita das almondegas (abaixo), e imaginar Marcelo armado em discóbolo, a atirá-los, aos livros, em voo planado pelo estúdio da TVI fora, após lhes ler título e autor...

Mas o pecado de Marcelo - que já se deixou de fingir ter lido os livros que nomeia - é ser superficial e histriónico em excesso. Sobre livros e leituras convencionou-se que há que mostrar um exibicionismo ponderado, mascarado de uma certa contenção. Também é ridículo, mas, ao menos, é-o discretamente. Socorrendo-me de dois exemplos aparecidos nos últimos dias, num dos casos, que encontrei no Público, Miguel Esteves Cardoso admite casualmente ser normal ler um livro de 300 páginas numa tardeNothing is true and Everything is Possible: Adventures in Modern Russia de Peter Pomerantsev. Eu não consigo ou, pelo menos, não tenho coragem para chamar àquilo leitura... Noutro caso, no Observador, é Vítor Gaspar que nos informa estar a ler simultaneamente três livros.
E que três livros!: Irrational Exuberance de Robert Shiller, Hall of Mirrors de Barry Eichengreen e When the Facts Change de Tony Judt. A situação faz-me lembrar um daqueles grandes mestres de xadrez a disputar simultâneas. Na verdade, o texto de Vítor Gaspar refere-se exclusivamente ao primeiro dos livros nomeados mas reconheça-se que há um efeito sinergético intelectual muito positivo provocado pela menção dos dois adicionais. Eu nunca me lembraria disso: faria cada recensão há medida que os fosse lendo. Vítor Gaspar, pelos vistos, consegue-os ler aos três ao mesmo tempo. Traço comum a todos os quatro livros: foram editados recentissimamente (num dos casos, uma reedição) e estão escritos em inglês. Quanto a esta última parte, isso (lê-los naquele idioma) será o único aspecto em que consigo acompanhar aqueles nossos dois vultos intelectuais...

12 fevereiro 2015

A GUERRA DOS «TWEETS»

Mais do que o da Ucrânia, um outro campo de batalha da guerra ideológica que dilacera a Europa é o dos tweets, terreno difícil onde me sinto desconfortável porque não vocacionado para parecer ser inteligente numa frase compactada a algumas palavras (abreviadas ainda por cima). Mesmo assim, consegui lá encontrar quem conseguisse dizer-nos capítulos sobre a falta de objectividade como uma das facções da opinião publicada (...em tweets) em Portugal (não) consegue avaliar as manobras dos gregos. Como se lê num comentário de Peter Spiegel, jornalista do Financial Times (a quem já neste blogue traduzi parcialmente um artigo sobre as manobras que derrubaram Papandreou em 2011) e a quem se reconhece a prorrogativa de assistir distanciadamente às nossas querelas, os portugueses também já se haviam manifestado fortemente contra as propostas de flexibilização orçamental apresentadas por Renzi (o 1º ministro italiano). Debilita-os de uma forma terrível em termos internos. Até de Bruxelas (local de trabalho de Spiegel) se percebe que esperar contenção de discurso a Cavaco Silva ou mudanças de comportamento de Passos Coelho são anacronismos, e isso só piora entre a comitiva dos cortesãos que apanharam o autocarro em 2011. Porque, mesmo nada tendo a dizer na disputa que se trava, todos eles (Cavaco, Passos, a tribo...) estão a jogar muito mais - sobretudo em credibilidade e em cargos de destaque - do que aquilo que se dispõem a admitir.

O DESERTOR E O OUTRO

Gostaria de deixar previamente claro quanto os dois protagonistas desta constatação são os menos dignos de censura pela conclusão que dela se extrai. Na fotografia da esquerda acima temos um Manuel Alegre muito jovem, à direita um Jaime Nogueira Pinto também por essas idades. O primeiro desde há imensos anos que tem sido uma vítima repetida da extrema-direita nostálgica que o acusa de ter desertado no Ultramar, algo que já foi repetidamente desmentido. Ironicamente, foi o segundo, expoente intelectual das áreas ideológicas dos acusadores mais veementes do primeiro, quem já assumidamente confessou ter desertado quando cumpria serviço no Ultramar, curiosamente na mesma região (Norte de Angola) onde o outro fora acusado de o ter feito e por razões (perseguição política) que o primeiro também invocou para partir para o exílio. Mas ninguém está a ver aqueles que se encarniçam contra Manuel Alegre, fazerem-no contra Jaime Nogueira Pinto, pois não?...

Em jeito de remate, ouça-se O Desertor, escrito por Boris Vian, composto e cantado por Serge Reggiani, que dedico sobretudo à esmagadora maioria dos que não desertaram mas em atenção aos que o fizeram, com uma nota adicional chistosa dedicada àqueles que desertaram posteriormente à guerra... mas de pensar e de avaliar proporcionadamente a questão depois de tantos anos passados. A cegueira política não torna apenas as pessoas injustas, estupidifica-as.

11 fevereiro 2015

O MOMENTO DA VERDADE – AS TAIS DE REFORMAS E O CRESCIMENTO ECONÓMICO DA EUROPA

Foi muito interessante registar algumas reacções ao artigo que Vítor Bento escreveu recentemente (Eurocrise: uma outra perspectiva) sobre aquilo que foi por si baptizado de eurocrise, o impasse em que caíram as políticas prosseguidas dentro da zona Euro. Como um especialista em relações internacionais antecipando de perto o falhanço da busca de armas de destruição maciça no Iraque em 2004, Vítor Bento terá tornado muito mais peremptórias as críticas já por si manifestadas à política europeia que vêm sendo prosseguida sob a égide alemã. E o impacto do que escreveu parece ter sido multiplicado por: a) o artigo ter sido publicado no Observador, um jornal onde se concentra um batalhão de cronistas defensores da causa desta solução liberal para os problemas europeus; b) os membros desse batalhão considerarem que Vítor Bento é considerado confusamente como um deles – um defensor da dita causa. Será por isso que o artigo de Rui Ramos em resposta ao seu artigo (O Euro, a Grécia, as dúvidas de Vítor Bento e as minhas) naquele mesmo Observador começará cheio de salamaleques num trocadilho entre as dúvidas do economista em relação ao euro e as dúvidas do historiador em relação às dúvidas do economista. Depois, os comentários de Rui Ramos evitam rebater especificamente algo que Vítor Bento tenha concretamente escrito. O artigo deste último tem gráficos e quadros e aí, nesses campos das ciências mais exactas, desconfio que Rui Ramos (perpetuando aliás uma tradição enraizada na classe dos historiadores) não se sentirá confortável, não sabendo, por exemplo, nem como, nem para quê, se deriva/integra uma função. A refutação faz-se assim na base de muita conversa/escrita e alguns números, pela concessão de que nem tudo terá corrido pelo melhor (talvez o programa pudesse ter sido melhor), mas as responsabilidades do fracasso, essas são inequívocas (a falta de competitividade da economia gregaa sua recusa de melhorar a sua competitividadeas reformas ficaram mais ou menos no papel dos memorandoso crescimento económico necessário para absorver o desemprego não apareceu).
Confesso que, por muito respeito que dedique aos textos de Rui Ramos, já me chateia a merda da conversa das reformas. É um argumento recorrente, mas fluído: cada cabeça, cada sentença quanto às que são para considerar indispensáveis. Isso faz com que tanto se possa argumentar que foram um sucesso (acima) como que as de fundo não foram feitas ou, ainda, tendo-o sido, nunca o foram à dimensão que possibilitasse o tal de crescimento económico que, recorde-se, era a promessa e a justificação para que houvesse uma fase transitória de austeridade severa – por exemplo: será que alguém se lembra que em 2011 as previsões de crescimento da economia portuguesa para o ano findo (2014) eram de 2,5%? É que, sem o tal de crescimento económico, todo o exercício argumentativo imposto à Europa – e aos países meridionais em especial – nestes últimos anos colapsou, assim como – para regressar à analogia empregue acima – a ausência de armas de destruição maciça no Iraque mostrou a falsidade daquilo que os norte-americanos haviam invocado para o invadir. Mas deixem-me terminar rebatendo a fábula das reformas com um contraditório delicioso de tão absurdo: abaixo podem ver num gráfico um histórico das taxas de crescimento do PIB da economia indiana. Ano em que esse crescimento seja inferior a 5% pode ser considerado um ano de crise. Pois bem, a Índia possui uma das legislações mais rígidas quanto ao despedimento dos funcionários públicos. São mais de 6 milhões e considerados os mais ineficientes da Ásia! De quando em vez aparecem umas notícias na secção de curiosidades dos jornais onde um funcionário é despedido por faltar ao trabalho há 24 anos... As reformas ainda estão por fazer e não se liberalizaram os despedimentos na função pública na Índia. Tão pouco se liberalizaram as condições para a instalação das multinacionais, protegendo-se, em vez disso e ostensivamente, as corporações locais. Querer-me-ão fazer crer que as taxas de crescimento da economia indiana seriam duplas/triplas (15%/25%) destas abaixo só por causa do impacto de tais reformas ainda por fazer? Acreditem os cronistas do Observador... e olhem que é preciso muita fé.