Sabe-se que a edição
on-line do
Público não disponibiliza o acesso aos artigos de opinião, a não ser aos assinantes. Contudo, como o autor do artigo a que me quero referir (António Vilarigues) é também autor do
blogue O Castendo, talvez haja a oportunidade de ler naquele o seu artigo completo. Merece. Intitula-se
O espectro continua a andar por aí e creio que pretende ser também uma recordação oportuna de
alguns factos históricos. Os do período da ascensão dos totalitarismos nos anos trinta e da Segunda Guerra Mundial, vistos evidentemente da perspectiva de um comunista.

É uma descrição da época tão
natural quanto os jardins de Versailles (acima) se parecem com
a natureza. Há os factos úteis e os outros, os que se
podam. Por exemplo, no antetítulo do artigo pode ler-se que
foram os comunistas que tiveram o triste privilégio de inaugurar os campos de concentração hitlerianos. Verdade. Esquecido ficará o facto de, por essa mesma altura, foram outros comunistas,
purgados por camaradas seus, que tiveram o triste privilégio de inaugurar muitos campos de concentração estalinistas. Veio-se até a descobrir que houve muito mais comunistas nestes últimos. Ironias…

Assim como os nazis apelavam no cartaz acima para uma
cruzada anti-bolchevique com uma linguagem reminiscente à da eucaristia cristã (
eles dão o seu sangue) também do lado oposto e numa certa simetria, António Vilarigues parece não conseguir resistir à metáfora do sangue na conclusão do seu artigo:
Não fosse o sangue derramado pelos comunistas e seus aliados na luta pela liberdade e pela democracia e o mundo tal como o conhecemos não existiria. E remata:
Pensem nisto. Eu procuro não só
pensar mas nunca me
esquecer que os comunistas nunca lutaram
pela liberdade e
pela democracia.

Durante a Segunda Guerra Mundial, os soviéticos lutaram
contra os alemães e
contra o projecto totalitário de Adolf Hitler mas recordemo-nos que este último não lhes deixou qualquer opção quando
os atacou a 22 de Junho de 1941. Aliás, se algo podemos concluir da vontade da liderança comunista soviética protagonizada por Stalin, a intenção até aí teria sido a de
não confrontar os nazis e a expansão germânica, como se percebe pela assinatura do
famoso Pacto Germano-Soviético (acima), um outro
facto histórico que é cuidadosamente
podado do
jardim das narrativas históricas comunistas.

Um outro aspecto distinto do das ideologias são as questões técnicas e militares que estão associadas à Segunda Guerra Mundial. Ao facto da Frente Leste ter sido de longe a Frente de combate mais importante daquele conflito. Ao facto do Exército Vermelho ter aguentado a ampla maioria do potencial combativo dos alemães durante a maior parte do mesmo. Aos sofrimentos impares de muitos dos povos da União Soviética. Agora considerar essa epopeia, a
Grande Guerra Patriótica como é designada, como uma
luta pela liberdade e pela democracia parece-me bem mais do que um excesso de semântica…

Os exemplos da Hungria em 1956, da
Checoslováquia em 1968 (acima) ou da Polónia em 1981 mostraram-nos o real significado das
mais amplas liberdades democráticas. Dizia-se dos aristocratas reaccionários que regressaram a França depois da Restauração de
Luís XVIII em 1814, que não haviam esquecido nada do que haviam aprendido até 1789 e não haviam aprendido nada depois daí. Um texto como este de António Vilarigues deixou-me, como ele nos queria,
a pensar: tal como os aristocratas, especulo se ele não terá esquecido nada do que aconteceu até 1989 e não terá aprendido nada a partir daí…