Chico Buarque compôs em 1971 esta Construção, um poema cantado evocando o enorme êxodo interno que o Brasil estava então a atravessar, com os muitos milhões das regiões rurais brasileiras a partirem em busca de emprego – muitas vezes na construção civil, daí o título da canção – nas grandes metrópoles de São Paulo, do Rio de Janeiro ou de Belo Horizonte.
Amou daquela vez como se fosse a última
Beijou sua mulher como se fosse a última
E cada filho seu como se fosse o único
E atravessou a rua com seu passo tímido
Subiu a construção como se fosse máquina
Ergueu no patamar quatro paredes sólidas
Tijolo com tijolo num desenho mágico
Seus olhos embotados de cimento e lágrima
Sentou p´ra descansar como se fosse sábado
Comeu feijão com arroz como se fosse um príncipe
Bebeu e soluçou como se fosse um náufrago
Dançou e gargalhou como se ouvisse música
E tropeçou no céu como se fosse um bêbado
E flutuou no ar como se fosse um pássaro
E se acabou no chão feito um pacote flácido
Agonizou no meio do passeio público
Morreu na contramão atrapalhando o tráfego
Amou daquela vez como se fosse o último
Beijou sua mulher como se fosse a única
E cada filho como se fosse o pródigo
E atravessou a rua com seu passo bêbado
Subiu a construção como se fosse sólido
Ergueu no patamar quatro paredes mágicas
Tijolo com tijolo num desenho lógico
Seus olhos embotados de cimento e tráfego
Sentou p´ra descansar como se fosse um príncipe
Comeu feijão com arroz como se fosse o máximo
Bebeu e soluçou como se fosse máquina
Dançou e gargalhou como se fosse o próximo
E tropeçou no céu como se ouvisse música
E flutuou no ar como se fosse sábado
E se acabou no chão feito um pacote tímido
Agonizou no meio do passeio náufrago
Morreu na contramão atrapalhando o público
Amou daquela vez como se fosse máquina
Beijou sua mulher como se fosse lógico
Ergueu no patamar quatro paredes flácidas
Sentou p´ra descansar como se fosse um pássaro
E flutuou no ar como se fosse um príncipe
E se acabou no chão feito um pacote bêbado
Morreu na contra-mão atrapalhando o sábado
Por esse pão p´ra comer, por esse chão p´ra dormir
A certidão p´ra nascer e a concessão p´ra sorrir
Por me deixar respirar, por me deixar existir,
Deus lhe pague
Pela cachaça de graça que a gente tem que engolir
Pela fumaça e a desgraça, que a gente tem que tossir
Pelos andaimes pingentes que a gente tem que cair,
Deus lhe pague
Pela mulher carpideira p´ra nos louvar e cuspir
E pelas moscas bicheiras a nos beijar e cobrir
E pela paz derradeira que enfim vai nos redimir,
Deus lhe pague
Fui dizer este poema no Instituto Multimédia 6ª feira à noite. Este e outros ilustrativos de músicas sul-americanas.
ResponderEliminarEsta música foi depois dançada em ritmo de samba; um espectáculo!
Pelos vistos, o circuito cultural portuense continua a beneficiar-se com a presença de uma declamadora que, para além, de o declamar, parece andar apostada em ler toda a prosa de Chico Buarque e compartilhar connosco as suas impressões.
ResponderEliminarTambém não tem muita prosa publicada. Portanto, não é difícil.Que eu conheça tem este e o Budapeste. Mas o que eu aprecio nele são as letras das músicas, a sua ironia, o seu modo fino de intervir...
ResponderEliminarLidas, dão poemas fortes, com alma, com humor, com crítica, com carisma...