16 novembro 2008

O INCIDENTE DE ZABERN

A Alsácia-Lorena (em alemão Elsaß-Lothringen), foi a província com cerca de 14.500 km² e 1,6 milhão de habitantes que o então recentemente constituído Império Alemão retirou à França e anexou, no seguimento da sua vitória na Guerra Franco-Prussiana (1871). O argumento formal invocado para essa anexação até fazia sentido à luz do conceito de formar estados nacionalmente homogéneos*: mais de 80% da população dos territórios anexados falava um dialecto germânico e tinha por língua erudita o alemão.
Houve quem não gostasse da anexação e durante os anos seguintes estima-se que entre 100 a 200 mil habitantes abandonaram a Alsácia-Lorena** e emigraram para França ou para a Argélia, que era então possessão francesa. Entre eles, a família de um próspero industrial têxtil de ascendência judaica, de nome Dreyfus, cujo filho mais novo, Alfred (abaixo), viria a escolher a carreira de oficial e a emprestar o seu nome ao mais famoso caso da III República francesa. Mas isso é toda uma outra história
Contudo, a Alsácia-Lorena sempre foi uma província especial dentro do II Reich. Não apenas em estatuto – possuía o estatuto único de Reichsland (Província Imperial) e era governada directamente de Berlim – como também em inúmeros outros aspectos da vivência quotidiana. Politicamente, os partidos regionais sempre receberam a maioria absoluta dos votos nas eleições. O francês era aceite como língua oficial nas regiões onde o seu uso era maioritário. E em 1911, a Alsácia-Lorena recebeu até alguma autonomia.
Mas em 1913 a ilusão do carácter especial da Alsácia-Lorena dentro do Reich alemão desmoronou-se com o Incidente de Zabern (em alemão Zabern-Affäre, acima). Em síntese, começou com um jovem oficial subalterno (20 anos) do 99º Regimento Prussiano de Infantaria, estacionado na cidade de Zabern (Saverne em francês) que teve uma tirada insultuosa diante dos recrutas, tratando os próprios alsacianos de forma depreciativa (Wackes). A história espalhou-se e o oficial passou a ser apontado e ridicularizado nas ruas...
Os incidentes entre a população civil e a guarnição militar multiplicaram-se e travou-se uma disputa entre a administração civil e o omnipotente aparelho militar que protegeu o seu homem para além daquilo que seria o limite do razoável. Para além dos franceses, o assunto passou a interessar aos partidos políticos nacionais alemães, que o levaram a debate no Reichstag (acima), pondo à prova, não apenas o chefe do governo, o Chanceler Theobald von Bethmann-Hollweg (abaixo), mas também o próprio imperador, o Kaiser Guilherme II.
Em Dezembro de 1913, pela primeira vez na sua história, o Reichstag aprovou de uma forma esmagadora um voto de não confiança no Chanceler, com 293 votos a favor, 54 contra e 4 abstenções. Quando instado a extrair as devidas ilações politicas daquela votação, Bethmann-Hollweg reagiu de uma forma que nos tem sido familiar nos últimos tempos e recusou demitir-se, respondendo (o que era verdade...) que, de acordo com a Constituição, tinha apenas que responder perante o Kaiser. Instado por sua vez a demiti-lo, Guilherme II também se recusou.
Para os que ainda tivessem dúvidas quanto ao poder do parlamento, Guilherme II (que só se deixava fotografar fardado), escolhera definitivamente o seu campo. Para os alsacianos e lorenos parecia haver terminado os longos anos da lua-de-mel com que Berlim os procurara seduzir. O rebentar da Primeira Guerra Mundial dali a uns meses (Agosto de 1914) nunca deixou que se avaliasse devidamente qual o impacto deste incidente nas populações da Alsácia-Lorena. Mas em 1919, ao tornarem-se novamente franceses, eles não pareciam particularmente contrariados...

* Era um argumento que os alemães usavam apenas onde convinha, porque nas províncias do Leste da Alemanha, onde havia regiões em que existia uma esmagadora maioria de polacos, obviamente não se aplicava.
** Durante os primeiros vinte anos da anexação, a população da Alsácia-Lorena estabilizou devido à emigração.

3 comentários:

  1. De referir que na Alsácia nasceu um homem que, tendo tido nacionalidade alemã (e servido mesmo nas suas forças armadas, creio), seria um importante estadista francÊs e um dos responsáveis pela reconcialação entre os dois ex-inimigos: Robert Schumann.

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  2. João Pedro, desta vez ia corrigi-lo... e íamo-nos enganar os dois.

    De facto eu fazia Robert Schuman luxemburguês (a propósito, Schuman só com um n). E tinha as minhas razões, ele nasceu e viveu a infância no Luxemburgo, a família da mãe era luxemburguesa.

    Mas, a razão a quem a tem, João Pedro, Schuman fez o resto dos seus estudos integrado no sistema alemão e nas suas universidades. Ele, por causa do pai, era um cidadão alemão. Só que… também não era alsaciano, a família paterna era originária da Lorena.

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