Como de costume, as manchetes actuais com o escândalo das escutas a Angela Merkel já esqueceram como ele começara há quase quatro meses atrás (acima). Na altura houve até quem quisesse utilizar o assunto da descoberta dos milhares de escutas diariamente efectuadas pela NSA na Europa como uma arma de arremesso político para as eleições alemãs que se viriam a realizar em Setembro. Porém, o tópico rapidamente pareceu abafar-se espontaneamente e desaparecer dos cabeçalhos. Hoje já se pode desconfiar que o objectivo dos alemães nestes meses transcorridos tivesse sido outro, o de investigar tão profundamente o assunto que as provas obtidas impedissem os desmentidos que o decoro obrigaria os Estados Unidos a fazer quando ele regressasse à superfície devidamente trabalhado anunciando-se, por exemplo, que o telemóvel de Angela Merkel fora escutado.
No mundo da política que, como o da espionagem, também é amoral, nunca ninguém se impediu de desmentir um acto embaraçoso com uma mentira rotunda. Mas, se a Casa Branca não se atreveu a fazê-lo desta vez no que diz respeito às escutas feitas a Angela Merkel poderá muito bem ser porque suspeitará que os alemães dispõem de provas irrefutáveis das acções americanas e que estariam na disposição, à laia de desforra, de as apresentar publicamente para fragilizar Barack Obama, passando-o por um mentiroso. Aliás, é pertinente questionarmo-nos se a nova onda de novidades, que acrescenta o detalhe de Barack Obama saber pessoalmente das escutas a Merkel e de procurar ter-se utilizado delas para benefício negocial, não fará parte dessa ampla manobra alemã de retaliação para deixar a imagem internacional dos Estados Unidos claramente em maus lençóis.
Há alguma ironia em toda esta situação porque, havendo países tradicionalmente mais (mal) reputados pelo seu descaramento no mundo da espionagem (exemplifiquemos com os casos da Rússia ou de Israel), os Estados Unidos, por contraste, têm tido o mau gosto de vir pregar moral e mostrar ultraje quando descobrem redes de espionagem de países aliados a trabalhar contra si – o caso mais mediático terá sido o de Jonathan Pollard que espiava para os israelitas e que hoje cumpre uma pena de prisão perpétua. É essa falsa moralidade que agora fragiliza a posição norte-americana num ramo de actividade que, como dito acima, é amoral: alguém duvida que, houvesse oportunidade, os alemães aproveitariam para escutar as comunicações de Obama? Mas o ramo de actividade tem regras severas e uma delas é que ser-se exposto é uma derrota e todas as derrotas se pagam caro...
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