20 abril 2013

AINDA O «BITCOIN» E AS MOEDAS PRIMITIVAS

Depois de ter colocado o poste de ontem a propósito deste mesmo assunto apercebi-me da conveniência de ter sido um pouco mais didáctico e metódico quanto às características que um artigo deve ter para ser usado como moeda. Não ajudará a compreender o que é o bitcoin mas consolidará a compreensão das características básicas do que deve ser uma moeda. Afinal há um conjunto de razões para que durante milénios a Humanidade tenha utilizado para moeda pequenos pedaços de metal dos mais diversos desenhos e não necessariamente redondas: no Katanga, por exemplo, eram cruzes de um formato específico (abaixo), tão identificativas que foram incorporadas na sua bandeira nacional quando da tentativa secessionista da região (1960-63).
O que parecia mais importante é que os pedaços de metal fossem pequenos e transportáveis. Para referência, diga-se que ainda hoje as pessoas das sociedades baseadas na economia pecuária tendem a acumular a sua riqueza em cabeças de gado. Mas estas só servem para as grandes transacções porque é incómodo ir a uma feira e trazer uma manada ou um rebanho atrás… Por outro lado, o valor das vacas ou de outros animais não é homogéneo: depende da idade e da sua capacidade de produzir carne e leite. Por outro lado ainda, para serem mantidos precisam de ser alimentados. Mas mesmo com todos esses inconvenientes e apesar dos custos de manutenção, os animais continuam a ser uma boa referência da riqueza por se tratar de algo escasso.
É precisamente essa questão da escassez que poderá fazer compreender a razão para ter havido algumas sociedades que, antes das peças de metal, chegaran a adoptar outros artigos como meios de transacção, caso, por exemplo, das conchas (acima). Mas isso apenas fazia sentido naquelas sociedades que habitavam a muitas centenas de quilómetros do mar, onde aquelas fossem raras. Porém, com a revolução metalúrgica, as pequenas peças de metal, apesar dos custos de produção, superiorizavam-se na função de meio de trannsacção a outros artigos escassos que eram usados, não apenas por serem muito mais resistentes, mas também por poderem ser produzidas em quantidade e em unidades idênticas.
A preferência deslocou-se, à medida que a capacidade de trabalhar os metais evoluiu, para os metais que eram mais escassos: o ouro, a prata, o cobre ou uma sua liga mais resistente, o bronze, numa hierarquia de valores que até hoje vemos perpetuada nas cerimónias protocolares de qualquer evento desportivo (abaixo). Além disso, os metais, ao contrário de outros artigos escassos resultantes de extracção, caso dos diamantes e das pedras preciosas, podiam ser fundidos e combinados em peças de pesos diferentes mas proporcionais, criando umas de menor valor, mais convenientes para as transacções e outras de maior, mais concebidas para serem entesouradas.
Claro que havendo moedas feitas de metais diferentes houve que se convencionar câmbios de conversão do valor entre diferentes metais (como já aqui expliquei mais longamente no blogue relativamente ao ouro e à prata), mas como se usavam os mesmos metais, o câmbio de qualquer moeda nova que aparecesse seria sempre fácil de calcular conjugando o seu peso e composição em metal para a relacionar com as que estavam em circulação. É assim que, por exemplo, se aceitavam as moedas romanas na China sem que os dois impérios comerciassem directamente entre si, muito menos que as respectivas direcções políticas tivessem contactos diplomáticos regulares.
Esta pequena síntese histórica sobre a adopção gradual da moeda metálica pelas sociedades antigas pode ter dado uma impressão incorrecta por se cingir estritamente aos aspectos económicos. Importa acrescentar-lhe alguma profundidade política. Não se deduza do que aqui se escreveu que a profissão de moedeiro foi apenas uma vulgar actividade artesã de quem fornecia um bem de que a sociedade precisava (moeda) e que se foi adaptando às necessidades da procura. O Estado, mesmo nas suas formas mais embrionárias da Antiguidade, sempre a procurou manter sob sua tutela, como aconteceu de resto com a actividade metalúrgica em geral, pois por ali também passava a produção de armamento.

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