Neste mapa antigo da Antárctida, copiado de um Atlas da década de 1950,
ainda se podem reconhecer as reivindicações territoriais de potências e países
adjacentes que dividem o continente como de uma pizza se tratasse (para o
ampliar clicar em cima). Há parcelas de território que parecem perfeitamente
organizadas (note-se como a fatia francesa se intromete entre duas
fatias australianas maiores). Noutros casos, não estão. Fazendo lembrar, a propósito desta
quadra natalícia, as disputas por certas zonas do bolo-rei que tivessem uma
cobertura mais apetecível, também no caso havia sobreposições: a península
que se destaca da massa continental aparece reivindicada simultaneamente por
argentinos, britânicos e chilenos.
E depois há
a identidade dos reivindicantes: compreende-se o interesse da Argentina, da Austrália,
do Chile ou da Nova Zelândia, todos países do hemisfério Sul adjacentes à Antárctida
(embora, pela mesma lógica, se estranhe a ausência da África do Sul). O do
Reino Unido e da França (e também o da Alemanha do III Reich até 1945 – veja-se
o mapa acima) já é explicável apenas pela lógica de potências com interesses
globais. O da Noruega será o mais difícil de explicar, país situado do outro
lado do Mundo, mas os direitos históricos comprovam-se pelo feito da expedição de Roald Amundsen, a primeira a atingir o Pólo Sul em Dezembro de 1911
(abaixo). Mas mais importantes serão as ausências: a dos Estados Unidos e da
União Soviética.
Motivos
diferentes haviam feito com que as duas superpotências tivessem ficado de fora
da corrida para a Antárctida (uma corrida mais documental do que a sua antecessora para África) que se gerou depois de 1911. Encontrando-se na mesma
situação, mesmo nos tempos mais quentes da Guerra-Fria, os dois países foram
aliados no propósito de neutralizar as consequências políticas das
reivindicações territoriais acima. Foi para isso que foi assinado em Washington em
Dezembro de 1959 o Tratado da Antárctida, suspendendo as pretensões dos países
envolvidos pelo período em que o Tratado vigorasse, promovendo a liberdade de
exploração científica do continente, se possível em regime de cooperação
internacional.
O Tratado, originalmente destinado a vigorar até 1991, foi prorrogado
pelos signatários nesse ano até 2041. Actualmente haverá cerca de 30 países a
operar umas 70 estações científicas por toda a Antárctida. A população
residente variará entre um mínimo de 1.000 no Inverno até um máximo de 4.000 no
Verão – que é agora, em Dezembro. Não será por acaso que os britânicos
tenham escolhido a ocasião em que se celebra o seu jubileu de diamante (60 anos de
reinado) para anunciar o baptismo de um território de 437.000 km² (5 vezes o
tamanho de Portugal continental) da Antárctida com o nome da sua soberana – a Terra da Rainha Elizabeth (abaixo). Com 86 anos, é improvável que a rainha visite a
Terra que agora recebeu o seu nome…
A questão é
outra. Por detrás do status quo cooperante do Tratado trava-se uma feroz
guerra toponómica. Não foi por acaso que acima escolhi a expressão neutra a península. Ela tem 4 nomes: Terra de San Martin, dado pelos argentinos, Terra
de Graham, pelos britânicos, Terra de O’Higgins, pelos chilenos, e Península de
Palmer, pelos norte-americanos. Estima-se que haja 3.000 outros locais com o mesmo
problema. Na Antárctida totalmente desabitada, a toponímia pode ser um
simulacro de exercício de soberania. Mas a ausência (ou pelo menos escassez) importante agora é a de topónimos em mandarim... O gesto britânico (e o
protesto argentino) podem ser prenúncios de que o Tratado terá de ser
profundamente revisto e talvez antes de 2041…
Sem comentários:
Enviar um comentário