Alberto Cova foi um corredor fundista italiano, que se distinguiu durante a década de 1980 na especialidade de 10.000 metros, onde acumulou os títulos de campeão europeu (82), mundial (83) e olímpico (84). Numa época em que Portugal possuía grandes campeões nessa mesma especialidade como Carlos Lopes e Fernando Mamede, a táctica como o atleta italiano obtinha as suas vitórias era uma irritação nacional, limitando-se a seguir os seus adversários para, na última volta, os ultrapassar com a sua superior velocidade terminal. Tantos foram os episódios em que isso aconteceu (acima) que, certo dia, numa citação que quero aproveitar para o resto desta história, Moniz Pereira, o treinador dos dois campeões portugueses, descreveu aquele tipo de corridas, não como corridas de 10.000 metros, mas antes corridas de 400 metros com 9.600 de balanço.
Se comecei por este preliminar é que tenho vindo cada vez a encontrar mais activistas políticos que gostam de ser tratados por historiadores. Admito que entre nós o estatuto de historiador dê mais robustez à opinião do opinador, já que o estatuto de politólogo anda muito desgastado. O que lhes interessa realmente será a actualidade política (os últimos 400 metros decisivos), mas convêm que percorram os tais 9.600 de balanço para adquirir estatuto, preâmbulos esses que normalmente se cingem à História Contemporânea, senão mesmo apenas à do Século XX. O livro acima, cujo título se pode traduzir por A História não contada dos Estados Unidos, saiu recentemente (há cerca de mês e meio), e fez-me descobrir que, a respeito da tendência descrita, o nosso país está perfeitamente globalizado. Nos Estados Unidos passa-se precisamente o mesmo.
Se, entre o nome dos dois autores, o de Oliver Stone (esq.) é conhecido como argumentista, produtor e realizador de cinema , o de Peter Kuznick (dir.) é-o menos. Aliás, fica-se com mais do que a impressão que o livro vende – eu, pelo menos, comprei-o assim... – por causa do nome do primeiro. O livro aliás é o companheiro de uma série documental televisiva em exibição que é dirigida pelo próprio Stone. Só que se sabe – depois de filmes como JFK ou W. – como Stone é um imaginativo contador de histórias. Teria sido profícuo que o seu parceiro equilibrasse a sua imaginação. Mas não. A leitura do perfil de Peter Kuznick mostra-nos um daqueles activistas historiadores, mesmo a propósito especializados no Século XX, como as voltas preliminares de Alberto Cova do parágrafo acima. O resultado final é que o livro se torna tão faccioso que até dá gosto ler…
O livro organiza-se pelas sucessivas administrações norte-americanas a partir da de Woodrow Wilson (1912-1920) e, ao contrário do que acontece por exemplo em The Presidents, fica-nos uma descrição que o cargo político supremo dos Estados Unidos tem vindo a ser ocupado sucessivamente por pessoas muito pouco recomendáveis. Há duas excepções: Henry Wallace, vice-presidente entre 1940 e 1944, que podia ter sido presidente (mas não foi...) e o inevitável John F. Kennedy, que foi iludido ao princípio mas que depois estava a ficar lúcido… quando foi assassinado. O livro tem a virtude de não deixar ninguém indiferente. Acima, no quadro das classificações dadas pelos leitores no site da Amazon ninguém deu ao livro a nota intermédia. Ou se adora a história forrada de maldades e conspirações ao estilo dos filmes de Stone (nota 5) ou então se detesta (1)…
O livro dá gosto ler por ter tantos erros, distorções, omissões que se vão apontando e que no fim já se contam às dúzias. Só para exemplificar, na gravura acima, ainda se está na introdução (pág. xvii) do livro, os mapas que pretendem destacar a expansão colonial europeia de 1878 para 1914¹ estão nitidamente falsificados: há impérios coloniais que existiam e que não são classificados como tal no mapa acima de 1878 mas passam a sê-lo no de 1914; começando pelo próprio caso de Portugal (assinalei Angola e Moçambique a vermelho), da Holanda (a cor de laranja), da Bélgica (a preto) ou da Turquia (a azul). Por outro lado, surpreenderá alguém que o livro abranja as administrações de dezassete presidentes dos Estados Unidos mas que 67 das suas 615 páginas (quase 11%!) tenham sido dedicadas à de Barack Obama que ainda não acabou de cumprir os seus primeiros quatro anos de mandato?...
Como muita coisa que vejo escrita por aí (não lhes quero dar o destaque de nomear os tais historiadores), aquilo não é História: adoptando o estilo táctico de Alberto Cova é um longo preâmbulo preparatório de 548 páginas focado em comentar e discutir as actuais políticas da administração Obama. Isso não quer dizer que o livro não tenha interesse editorial. Pelo contrário, falando a sério, mais do que aqueles maçudos compêndios de Marx e Lenine que já ninguém compra, as Edições Avante! deviam comprar os direitos e editar a tradução deste livro: para todos aqueles que perderam as referências em 1991 e que orientam a sua leitura actual da situação internacional pelo anti-americanismo, acreditem-me que este livro se revelará um verdadeiro achado…
¹ Na legenda(que se pode ampliar) lê-se: Durante o final do Século XIX, os países europeus expandiram enormemente os seus impérios. Como se ilustra nestes mapas, em 1878 as potências europeias e as suas colónias abrangiam 67% da superfície terrestre e em 1914 uns impressionantes 84%. Por outro lado há um erro na minha sinalética: a pequena elipse no lado esquerdo do mapa de 1914 deveria ter a cor laranja. Trata-se do Suriname que em qualquer daquelas datas era uma possessão holandesa.
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