
Aquela concepção da Antiguidade clássica grega, que costuma enaltecer as virtudes da Democracia ateniense quando em comparação com os defeitos da Aristocracia espartana, costuma omitir alguns pormenores que os que dirigiam a primeira tiveram de pôr em prática para se atingirem os resultados que desejavam. A origem do poder naval ateniense, por exemplo, que serviu posteriormente para pôr em cheque os poderes das cidades rivais da Grécia e sobretudo o incomensurável poder militar do Império Persa, nasceu de um programa de construção naval lançado por
Temístocles nos principios do Século V a.C., mas onde este teve que a justificar aos olhos dos seus concidadãos, não por causa da ameaça persa, ameaça demasiado longínqua para a compreensão da maioria deles, mas para a rivalidade quezilenta com a vizinha cidade de
Egina…

O programa de construção naval então lançado por Temístocles, ainda para mais com o financiamento adicional de
jazidas de prata recém-descobertas, levou a que Atenas viesse a dispor de uma frota nunca vista até então e que rondava, no seu apogeu, os 200
trirremes (acima a fotografia de um deles). A frota foi fundamental para a vitória naval dos gregos na
Batalha de Salamina em 480 a.C., que se veio a revelar
decisiva na luta entre gregos e persas. Mas o que me interessa destacar neste caso foi o
expediente democrático mas indirecto empregue por Temístocles para conseguir convencer os seus concidadãos a alocar fundos para a construção da famosa frota, de onde se deduz que, quando necessário, o povo precisa de ser
ludibriado para o seu próprio bem... O que nos trás de volta ao presente, a um outro problema dos gregos, mas mais actual.

Os descendentes modernos dos concidadãos atenienses de Temístocles parecem continuar, 2500 anos depois, tão obtusos quanto os seus antepassados aos grandes desígnios estratégicos que os cercam. Essa obtusidade não afectará apenas os atenienses mas os cidadãos do resto da Europa em geral. Se continuarmos a analogia entre a Grécia antiga e a Europa moderna, também agora não faltarão as rivalidades políticas como as que separaram Temístocles,
Milcíades ou
Aristides, que tantas vezes foram resolvidas a
golpes sujos, como o
ostracismo a que eram votados os vencidos. Só que agora os
golpes sujos chamam-se
Cimeiras onde às vezes se assinam
Tratados, pretextos para se mostrarem entusiasmos descabidos (abaixo), que o desenvolvimento posterior dos acontecimentos mostra que deveriam ter sido acolhidos com muito mais contenção…
Nos últimos dois decénios, têm-se assinado Tratados em catadupa:
Maastricht,
Amesterdão,
Nice e
Lisboa. Mas, a cada incidente, como foi a crise que
atacou os sistemas financeiros no Outono de 2008 ou então este que está a afectar a situação financeira da Grécia, os fundamentos da União Europeia,
rangem estrondosamente mostrando estar em causa a existência de toda a instituição, apesar de todos os compromissos entretanto assinados… Ora, convém ter uma verdadeira
visão de Temístocles sobre as nossas verdadeiras preocupações, ver para além
da rivalidade entre Atenas e Egina: se é isto que acontece perante estes episódios menores, que solidez e solidariedade poderemos nós esperar da Europa diante de uma verdadeira
ameaça a sério, algo que possa equivaler à
invasão da Grécia pelos persas?...