31 maio 2009

UM PEQUENO APONTAMENTO DE ZOOLOGIA POLÍTICA EM ECOSISTEMAS FECHADOS

Há pessoas na vida política que apenas têm a culpa das suas fraquezas, das suas ambições e da sua estupidez que os faz aceitar cargos que podem marcar de forma indelével a sua imagem. Será o caso de Vitalino Canas (acima), o actual porta-voz da maioria governamental, que desgasta a cara – particularidade da sua pessoa onde não é particularmente dotado… – dando-a para compor as argoladas em que o governo se vai metendo. Na anterior encarnação, o lugar calhara a Guilherme Silva que saiu de funções muito maltratado, descredibilizado mesmo.
Mas esses são os fracos, os idealistas ou os conformados que aceitam um cargo político que vai levar a sua carreira para um beco sem saída. Mas, nessa vida desgastante do dá e leva político, há quem pareça ser um praticante por gosto, especialmente contra os próprios correligionários, como me parece acontecer a José Lello (acima). Ele já aconteceu com Ana Gomes, depois com Manuel Alegre, agora foi com Maria de Belém. Como um dragão de Komodo, quase se adivinha o salivar de gozo de Lello perante a perspectiva de mais uma altercação com mais um camarada de partido…
Reforçando a analogia, os dragões de Komodo vivem na ilha do mesmo nome (com 390 km² e 2.000 habitantes, no arquipélago da Indonésia), que é considerado um ecosistema bastante fechado (que é, de resto, o que também acontece com a direcção do Partido Socialista...), e os animais são não só necrófagos, como também ocasionalmente se alimentam de animais da sua própria espécie. A sua baba é venenosa. Como se pode observar na fotografia acima, e como talvez aconteça com a reputação de José Lello, os dragões têm um perfil particularmente pouco simpático

30 maio 2009

ANOS SESSENTA

Vem mesmo a propósito de todo este calor que está inserir um clip de um êxito de 1966 chamado Summer In The City, cantado por uma banda que se intitulava The Lovin' Spoonful. Trata-se de uma música bem simples, cuidada sobretudo nos arranjos, que me parece que foi um êxito apenas porque terá sido…
A banda e a designação ainda hoje subsistem, mas o seu líder, John Sebastian, reconhecível na fotografia pelos óculos e no clip por ser o vocalista e usar aquelas patilhas iguais às então usadas pelos finalistas da Escola de Regentes Agrícolas de Santarém, abandonou o grupo em 1968 e a criatividade perdeu-se com ele.

Três décadas e meia depois, ouviu-o numa série televisiva sobre a música daquela década a refrear completamente a tendência para a mitificação excessiva dos compositores da altura, como Lennon & McCartney dos Beatles, Brian Wilson dos Beach Boys ou Jagger e Richards dos Rolling Stones e a atitude caiu-me bem…

29 maio 2009

A NOVA BOMBA NORTE-COREANA

A 25 de Maio passado a Coreia do Norte efectuou um segundo teste detonando mais um dispositivo nuclear. Contudo, depois das primeiras notícias mais sensacionalistas, as que se lhe seguiram, mais sóbrias e concretas, parecem indicar que, segundo se pode deduzir das medições dos sismógrafos usadas para estas ocasiões, a potência associada à explosão foi muito menor daquilo que seria considerado expectável naquelas circunstâncias, situando-se entre o equivalente a 1.500 e 4.000 toneladas de TNT. Como já aqui havia referido, com uma só excepção (a da Índia), em todos os ensaios iniciais de engenhos nucleares efectuados pelas potências nucleares – a começar pelo inicial, o de Alamogordo em 1945 – registaram-se potências iguais ou ligeiramente superiores às 20.000 tons de TNT (ou 20 kton, numa notação mais científica). Trata-se de uma situação paradoxal, mas nas fases iniciais das pesquisas, torna-se mais fácil conceber engenhos com aquele tipo de potências do que com potências inferiores… As explicações para que, por uma segunda vez, a potência registada por um engenho nuclear norte-coreano tenha sido inferior ao expectável podem ser três. Por ordem crescente de probabilidade: a) A pesquisa nuclear norte-coreana já está num nível tão avançado que lhe permite construir engenhos nucleares de potências reduzidas Muito improvável. Os norte-americanos só realizaram os primeiros testes de bombas nucleares tácticas de potência reduzida em 1951, 6 anos depois de Alamogordo. Embora menos bem documentado sabe-se que o mesmo fizeram os soviéticos a partir de 1949. É da lógica do emprego do armamento nuclear que as primeiras pesquisas se concentrem em engenhos com potências superiores, não inferiores. E a ela não escaparia a Coreia do Norte. E que sentido faria, nesta demonstração mostrar contenção? b) As explosões não passam de encenações feitas com gigantescas explosões de centenas e milhares de toneladas de explosivos convencionais. Improvável, mas não é impossível. Sendo principalmente demonstrações de poder orientadas sobretudo para o exterior (se dúvidas houvesse, os mísseis que foram lançados imediatamente depois do teste provam-no), e tratando-se de um país e de um regime completamente fechado ao exterior, não se pode excluir essa hipótese. Afinal, é apenas o patamar seguinte ao da manobra de Saddam Hussein que, sem ter afirmado que possuía armamento nuclear, também nunca desmentiu possuí-lo… c) Como já acontecera em Outubro de 2006, o engenho nuclear norte-coreano ensaiado voltou a falhar A hipótese mais provável. Na história da entrada das potências na era nuclear, apenas a Índia falhou a sua – em 1974 – com estrondo. Ou melhor, com menos estrondo, porque, como escrevi acima, a potência do engenho se ficou – segundo as melhores estimativas independentes – pelo equivalente a 8 kton de TNT. No entanto, para todos os efeitos práticos, tratou-se mais de um pormenor técnico, porque a Índia passou a ser reconhecida estrategicamente como uma potência nuclear desde esse ensaio. É tomando isso em conta e se se confirmar esta terceira hipótese, que estaremos perante o pormenor mais desconfortável de toda esta questão do programa nuclear norte-coreano. Que razões poderão estar por detrás da necessidade de realizar este segundo ensaio, quando o estatuto nuclear da Coreia do Norte já lhe fora reconhecido? Tratou-se de uma aposta de um poder político que, aparentemente, parece não ter sido muito sensível às realidades, nomeadamente às capacidades científicas do seu país, precipitando o fracasso…

27 maio 2009

FERNANDO PESSOA ACTUALIZADO


O mais do que isto
É Jesus Cristo,
Que não sabia nada de finanças
Nem consta que tivesse biblioteca...
Liberdade – Fernando Pessoa, 1935
Ontem à noite, na SIC Notícias, no meio dos comentários ao depoimento que Oliveira e Costa prestara na Assembleia da República e relembrando o controverso perdão fiscal por ele concedido há uns anos, ouvi um precioso trecho de diálogo entre os comentadores Eduardo Dâmaso e Ricardo Costa. Esclarecia o primeiro:

… o perdão fiscal era relativo a dívidas do Imposto de Transacções, que foi o antecessor do IRS
Não – corrigiu Ricardo Costa – do IRC!
Até podemos esquecer Ana Lourenço, mas o outro comentador presente era José Gomes Ferreira e esse tinha a obrigação de corrigir a dupla informando-a que o Imposto de Transacções havia sido substituído pelo IVA (Imposto sobre o Valor Acrescentado)… Pode dizer-se que Eduardo Dâmaso foi brilhantemente cooptado por Ricardo Costa para membro do Clube (abaixo e ver a ligação):
Quanto a Fernando Pessoa, se hipoteticamente renascesse e recompusesse o seu poema Liberdade 74 anos depois, teria que dar um outro realce à pureza de Jesus Cristo, adicionando-lhe mais um verso, esclarecendo que, para além das finanças e da biblioteca, quando Ele era convidado pela SIC Notícias a comentar um assunto que não percebia nada, recusava o convite…

26 maio 2009

NINGUÉM SEGURAVA AQUELE BRASIL…

Acima podemos ver a capa de um exemplar do Almanaque de Selecções brasileiro do ano de 1971. As fotografias que aparecem na capa são simbólicas do fervor desenvolvimentista que caracterizava o regime militar que, desde 1964, ocupava o poder no Brasil e cuja figura de proa era, naquela altura, o General Emílio Médici, presidente entre 1969 e 1974.
Prestes a atingir os 100 milhões de habitantes e com taxas de crescimento económico rondando os 10% anuais, tendo-se sagrado tricampeão do Mundo em futebol (1970), pareceu que não havia nada que pudesse travar o optimismo e a arrogância do regime dos generais, exemplificados nos slogans Ninguém segura esse Brasil! ou Brasil, Ame-o ou Deixe-o.
Escrito em 1970 para o ano seguinte, o Almanaque está recheado de exemplos dessa espécie de embriaguez, como o da apresentação das cinco grandes regiões brasileiras (abaixo) onde, a par das descrições das realidades geográficas, se juntavam cenários futuristas sobre as respectivas capacidades de cada região em albergar o previsível e desejável aumento populacional.
No total, os geógrafos brasileiros asseguravam poder acomodar o sêxtuplo da população brasileira da época: 578 milhões no lugar onde viviam então 97! Só que, vistos em pormenor, os cálculos levantavam questões: na Grande Região Norte calculavam-se 215 milhões de habitantes em vez dos 3,5 existentes, mas nada se dizia sobre qual seria o impacto ambiental disso…

Todo aquele optimismo durou até ao choque petrolífero que abalou todas as economias mundiais no Outono de 1973. Em Março de 1974, Médici foi substituído na presidência por Geisel. No Campeonato Mundial de Futebol desse ano, o Brasil ficou apenas em 4º lugar… Ficou a nostalgia da época e a Amazónia é hoje habitada por 15 milhões de habitantes. Ainda ficou espaço para mais 200…

25 maio 2009

SHE'S LEAVING HOME

Sempre tive um fraquinho por canções melancólicas, mas mesmo vendo para além desse fraquinho creio que tenho razão quando considero esta uma das canções mais subestimadas do reportório dos Beatles:

Wednesday morning at five o'clock as the day begins
Silently closing her bedroom door
Leaving the note that she hoped would say more
She goes downstairs to the kitchen clutching her handkerchief
Quietly turning the backdoor key
Stepping outside she is free

She (We gave her most of our lives)
Is leaving (Sacrificed most of our lives)
Home (We gave her everything money could buy)
She's leaving home after living alone
For so many years
Bye bye

Father snores as his wife gets into her dressing gown
Picks up the letter that's lying there
Standing alone at the top of the stairs
She breaks down and cries to her husband
Daddy our baby's gone
Why would she treat us so thoughtlessly?
How could she do this to me?

She (We never though of ourselves)
Is leaving (Never a thought for ourselves)
Home (We struggled hard all our lives to get by)
She's leaving home after living alone
For so many years
Bye bye

Friday morning at nine o'clock she is far away
Waiting to keep the appointment she made
Meeting a man from the motor trade

She (What did we do that was wrong)
Is having (We didn't know it was wrong)
Fun (Fun is the one thing that money can't buy)
Something inside that was always denied
For so many years
Bye bye

She's leaving home
Bye bye

QUANDO A TRADIÇÃO NÃO FOI O QUE ERA

Por vezes, convém reflectir sobre aquilo que aceitamos como a tradição. A própria tradição vai evoluindo e aquilo que tomamos por práticas multiseculares são, muitas vezes, muito mais recentes do que o que nos parece à primeira vista. Tomemos o exemplo das cerimónias das coroações reais, usemos o exemplo britânico, e concentremo-nos nas duas imagens iniciais deste poste: representam o mesmo acontecimento mas sintetizam as enormes transformações que a monarquia sofreu durante a época vitoriana (1837-1901). A primeira gravura serviu de ilustração a um jornal no próprio ano da coroação da Rainha Vitória (1838) e procura reproduzir qual seria o ambiente da coroação quando o cortejo atravessou a rua de Londres onde a imprensa tradicionalmente possuía as suas sedes (Fleet Street). Mas a segunda gravura foi pintada por altura das cerimónias do jubileu dos 60 anos de reinado de Vitória (1897), e o ar composto da escolta militar procurará representar, não o que aconteceu, mas uma interpretação daquilo que devia ter acontecido…
É apenas um pormenor de rodapé da História mas a cerimónia da coroação de Vitória teve os seus pequenos incidentes: o Arcebispo de Cantuária fartou-se de se enganar nas suas deixas e não havia maneira do anel cerimonial (que fora concebido para um adulto) se segurasse nos dedos de uma adolescente de 19 anos… Também foi comentada com alguma condescendência a atitude de Vitória que, desrespeitando o protocolo, piscou discretamente o olho à sua preceptora, a Baronesa Lehzen, quando se cruzou com ela, em plena cerimónia…
Mas, no cômputo geral, podia-se considerar que a cerimónia correra de forma aceitável. Vitória era demasiado nova para ter estado presente na coroação de seu tio, o Rei Jorge IV, que ocorrera em 1821, e para se lembrar do que acontecera à porta da Abadia de Westminster, quando Carolina de Brunswick, a mulher do próprio Rei que iria ser coroado, apesar de expressamente proibida de comparecer na cerimónia, decidira ir e fora barrada à entrada, onde acabara por armar um escândalo. Mas muitos ainda se lembravam…
As coroações desse período ainda eram cerimónias íntimas reservadas à nobreza e ao clero, onde escândalos como o mencionado acabavam por ser devidamente abafados. Foi só nos finais do Século XIX que as manifestações da realeza se transformaram em espectáculos verdadeiramente populares, cuidadosamente encenados, coreografados, para depois serem pintados, fotografados, filmados e, finalmente, televisionados. Quem conceberia hoje uma Rainha despeitada a armar uma peixeirada às portas da Abadia?

24 maio 2009

P´RA NÃO DIZER QUE CRITIQUEI A MANUELA MOURA GUEDES...

Nem cheguei a perceber qual seria o pretexto para a reportagem, mas acabei de ver Ricardo Costa na SIC a pegar numa bandeira da União Europeia e fingir que contava as estrelas. Foi contando até doze para depois concluir que ali faltavam 15 estrelas até se chegar aos 27 países que actualmente constituem a União…

É assim que se descobrem os ignorantes e o facto de Ricardo Costa ter um estilo de falar onde usa (e abusa) da convicção não ameniza a dimensão do disparate que proferiu. Para qualquer pessoa mediamente culta, e nem é preciso ter as pretensões de Ricardo Costa, devia ser elementar saber que, ao contrário dos Estados Unidos, as estrelas da bandeira não representam os países da União
Adeus oh níveis de exigência, qualidade e rigor informativo... Depois da tabuada dos mil de Constança Cunha e Sá, das nascentes do Bósforo de António Ribeiro Ferreira, junte-se agora mais esta da contagem das estrelas da bandeira da Europa de Ricardo Costa, e pareço estar bem lançado para começar um Clube de Jornalistas alternativo, dos que têm tanto de pretensiosos quanto de ignorantes…
Adenda de 31 de Maio: Já se passou uma semana depois de ter aqui colocado este poste e lamento só agora me ter apercebido que Ricardo Costa proferira aquele colossal disparate a propósito de uma apreciação sua à campanha eleitoral do PSD. Nas suas palavras, a campanha estava tão desactualizada quanto as estrelas da bandeira... Pode ser visto (finalmente) neste vídeo do Avenida Central...

...e sem qualquer espécie de nojo ou pudor, três dias depois Ricardo Costa lá estava a mandar palpites sobre as declarações de Oliveira e Costa... Creio que um certo conceito de vergonha e de decência intelectual andam arredias do canal de Carnaxide. Ricardo Costa não terá tido feed-back do disparate que protagonizou? Se não, que raio de organização é aquela? Se sim, onde e de que forma é que ele reconheceu o erro?...

O TESTAMENTO APÓCRIFO

Ao longo sua extensa biografia de 787 páginas dedicada ao Generalíssimo Francisco Franco e à época em que dirigiu a Espanha (1936-1975), dificilmente Paul Preston consegue esconder a fraca consideração intelectual em que tem o seu biografado.
Corroborando algo que, naquela mesma época, apenas se afirmava em surdina nos corredores do poder em Portugal, e cuja fonte seria provavelmente o próprio Presidente do Conselho Oliveira Salazar, Francisco Franco era astuto mas não muito denso...
As fotografias institucionais do regime, quando não em funções cerimoniais, exibiam-no pescando, caçando, montando a cavalo ou em qualquer outra actividade desportiva lúdica, como se o ditador não passasse de um daqueles avôs de raízes e sabedoria rural.
As fotografias que o faziam passar por intelectual podiam ter o seu quê de ridículo: os livros da biblioteca da fotografia abaixo, que foi tirada no escritório da sua residência pessoal, haviam pertencido à romancista a quem os Franco haviam comprado o palacete…
Perante esta reputação conhecida de Franco, dificilmente haveria ironia maior do que aquilo que lhe vieram a fazer depois da morte, quando Árias Navarro (abaixo) se pôs a ler na televisão um testamento aos espanhóis cuidadosamente redigido e atribuido a si…

22 maio 2009

O DIA EM QUE QUISERAM ASSASSINAR LEONID BREJNEV

Os assassinatos e as tentativas de assassinato de altos dirigentes políticos foram assuntos a que a comunicação social sempre deu atenção. Claro que essa atenção dependia da importância do alvo e do grau de sucesso do atentado mas os episódios de John F. Kennedy em Dallas em 1963 ou de João Paulo II em Roma em 1981 ainda hoje podem ser recordados de memória por quem na época os acompanhou. Os nomes dos dois autores, Lee Harvey Oswald e Mehemet Ali Agca são facilmente reconhecíveis. Até o nome de Juan Fernandez Krohn (abaixo), que tentou apunhalar João Paulo II em Fátima em 1982 é capaz de nos dizer qualquer coisa. Mas quase ninguém no Ocidente terá ouvido falar de Viktor Ilyin…
A lógica da Guerra-Fria impunha uma lógica à lógica informativa. As coisas que se passavam do lado de lá não eram necessariamente tratadas da mesma maneira do que acontecimentos idênticos que se passassem do lado de cá. E, no caso de atentados, conjugavam-se dois factores que concorriam para o abafamento. Por um lado, a notícia do atentado a um dirigente político do lado de lá poderia promover do lado de cá uma indesejada onda de simpatia pela vítima. Por outro, quem fazia a propaganda da sociedade do lado de lá, confrontava-se com o embaraço de, para além da notícia, ter de explicar no lado de cá como é que tais episódios ainda podiam ocorrer numa sociedade que era tão avançada...
Guerras de Propaganda à parte, Viktor Ilyin tinha sensivelmente a mesma idade (21) que Oswald (24) e Agca (23) quando decidiu assassinar Leonid Brejnev (1906-1982), que era então o Secretário-Geral do Partido Comunista da União Soviética e o dirigente máximo do seu país. Estava-se em Janeiro de 1969. Viktor Ilyin, que estava a cumprir o serviço militar como alferes em Leninegrado, roubou do armeiro duas pistolas militares Makarov com quatro carregadores e partiu para Moscovo visitar um tio que pertencia à Milícia (Polícia). Ao tio roubou um dos seus uniformes (de Verão!) para se poder infiltrar no dispositivo de segurança duma cerimónia onde Leonid Brejnev iria ter de estar presente.
A cerimónia em questão era uma recepção no Kremlin aos quatro cosmonautas da Soyuz 4 e da Soyuz 5, que haviam efectuado um voo espacial conjunto entre 14 e 18 de Janeiro de 1969 e cuja cerimónia fora marcada para dia 22 porque a Grande Corrida Espacial contra os Estados Unidos ainda parecia estar ao rubro, embora estivesse apenas a seis meses da sua conclusão(*). Contudo, Viktor Ilyin acabou por se enganar na limousine escolhendo a errada, onde seguiam outros quatro cosmonautas(**), incluindo Georgi Beregovoi (1921-1995) que, especula-se, terá contribuído para iludir o atirador por causa das suas semelhanças fisionómicas com o dirigente soviético (compare-se Brejnev, à esquerda, com Beregovoi).
Viktor Ilyin só veio a ser dominado pelas forças de segurança depois de disparar cada um dos carregadores das duas armas que trazia consigo – 16 balas no total. Acertou no motorista da limousine, que morreu, mas os quatro cosmonautas escaparam incólumes. O episódio acabou por ter uma enorme repercussão porque a cerimónia estava a ser transmitida em directo pela televisão quando o atentado teve lugar. É claro que a transmissão foi logo imediatamente interrompida, mas já era impossível esconder que alguma coisa havia acontecido. Tipicamente, a versão oficial à imprensa (feita pela saudosa TASS...) anunciava que se havia registado um atentado contra os cosmonautas!...
Neste caso de Viktor Ilyin terá sido aplicado, mas com propriedade, um princípio que viria depois a ser usado e abusado pelas autoridades soviéticas ao longo das décadas de 70 e de 80: a assumpção que o réu, na sua atitude de oposição ao regime soviético, não passaria de um doente psiquiátrico. Depois, muitos outros houve cuja doença era menos óbvia… Condenado em 1970, Viktor Ilyin passou os 20 anos seguintes internado em instituições psiquiátricas. Libertado em 1990, veio a justificar plenamente aquela máxima portuguesa que distingue os loucos dos parvos, ao reclamar e ganhar uma acção para receber os 20 anos de ordenados em atraso do exército, que se esquecera de o demitir das suas fileiras…
(*) A 21 de Julho de 1969 a Apollo 11 norte-americana aterrava na Lua.
(**) Aleksei Leonov, Andriyan Nicolayev, Georgi Beregovoi e a única cosmonauta até aquela data, Valentina Tereshshkova.

QUANDO A LÓGICA NOS TORNA ADIVINHOS

Perante certos acontecimentos, até parece que possuímos a capacidade de adivinhar o futuro, mas apenas estivemos a usar a lógica em todo o seu potencial, mesmo que os resultados se revelem desagradáveis.

21 maio 2009

UMA BOA NOTÍCIA

Se foi com pena que aqui assinalei o seu encerramento, é com satisfação que assinalo a reabertura do site Parlorama, que torna acessível aos eleitores um critério de avaliação do desempenho dos eurodeputados associando a sua actividade e a sua assiduidade. Durante a primeira tentativa de publicação dessa classificação em rede, os autores do site e perante as ameaças, decidiram-se a encerrá-lo preventivamente dois dias depois.
Retomaram-no agora. A classificação dos eurodeputados portugueses – e esperemos que não fechem o site novamente… – alterou-se ligeiramente, o que quer dizer que os dados de avaliação são actualizados regularmente. Em relação à classificação anterior, a eurodeputada portuguesa mais bem classificada passou agora a ser a comunista Ilda Figueiredo, além de ter desaparecido dela o eurodeputado Fausto Correia, já falecido.
Contudo, apesar de mudanças de pormenor continuam a poder extrair-se quase todas as conclusões que aqui havia tirado no poste anterior: a excepção é a classificação relativa dos dois eurodeputados do CDS, José Ribeiro e Castro e Luís Queiró. Desconfio é que os critérios de classificação, que agora estão perfeitamente acessíveis, continuarão a não ser do agrado de quem se classificava no fim daquela lista e que por lá continua

SOBRE AS PREOCUPAÇÕES COM A LEGALIDADE

Nos finais da Segunda Guerra Mundial a fotografia que encima este poste foi encontrada na posse de um soldado das SS que havia sido aprisionado. A respeito dela, os nossos sentimentos poderão ser dos mais variados mas é improvável que algum deles esteja associado às condições ilegais em que a fotografia foi obtida... De facto, a Convenção de Genebra sobre o tratamento dos prisioneiros de guerra estipula que, depois da rendição, eles têm direito a manter consigo os seus bens pessoais (*). Mas o Mundo é feito da junção das realidades com as legalidades possíveis…

Os jornalistas sabê-lo-ão melhor que ninguém. Quantas vezes as informações que transformam depois em notícia terão sido obtidas ilegalmente? É contar, por exemplo, as inúmeras notícias nascidas da ilegalidade das violações do segredo de justiça e apreciar o comportamento em bloco da corporação quando a prática é ameaçada de sanção penal. É por isso salutar e refrescante a orientação dada por algumas notícias entretanto saídas no Diário de Notícias a respeito deste caso recente do vídeo da professora de História que apareceu na televisão:


Porque frequentemente esquecida, as preocupações com a legalidade ali manifestadas são, pelo menos, diferentes das do costume, embora eu pessoalmente tivesse preferido que a investigação jornalística se orientasse para as respostas a algumas das perguntas que foram colocadas pela Sofia: Há quantos anos trabalha esta professora? Em que escalão está? Que tipo de avaliações foram feitas ao seu trabalho e qual foi o seu resultado? Seriam respostas a perguntas mais naturais depois de ouvirmos aquilo que nos foi dado ouvir…

(*) Na versão oficial a fotografia foi recuperada de um cadáver. Se isso foi uma pequena mentira ou se, hipótese mais desagradável, algum soldado aliado tornou a versão verdadeira, é algo que fica à consideração da especulação do leitor…

20 maio 2009

UMA CORAJOSA ANÁLISE DAS CAUSAS DO FRACASSO DO «MODELO»...

Vítor Dias 3/05/2009
Assim, de passagem, ao correr da tecla e a propósito de um outro assunto diferente(*), é que se percebe que haverá comunistas históricos que, embora discursando, terão passado ao lado do XIII Congresso (Extraordinário) do seu partido em 1990 e não terão assim participado de uma forma empenhada nos trabalhos onde se registou uma corajosa e desenvolvida análise de causas determinantes do fracasso de um «modelo» (sic)…
É que uma das práticas mais caricatas e criticadas do «modelo» era a de remover das fotografias oficiais aqueles que haviam posteriormente caído em desgraça dentro da organização. E, completamente ao contrário do que Vítor Dias pretendeu dar a entender acima, não se tratou apenas de uma questão de fama, mas sobretudo de proveito, como se pode observar pelos dois pares de fotografias de exemplos neste poste.
As maiores críticas ao «modelo» centravam-se no aspecto dele tentar, através daquela prática, reconstruir retroactivamente a história à conveniência do poder vigente. É assim que, numa das rasuras mais famosas, Nikolai Yezov (1895-1940), o maior dirigente da repressão (Yezhovshchina) e do NKVD entre 1936 e 1938, desaparece fotograficamente da intimidade dos maiores dirigentes soviéticos da época (**).
Mas, para quem julgue que essas foram práticas excessivas do «modelo» mas apenas dos tempos de Estaline de há 70 anos ou mais, cerca de 25 anos depois, e já em plena década de 1960, ainda as podemos ver a continuar a ser aplicadas nas duas fotografias dos seis cosmonautas iniciais do programa espacial soviético, de onde desaparece Grigori Nelyubov (1934-1966), que foi expulso do programa em 1963…
E na eventualidade de Vítor Dias vir a realçar que Nelyubov já desapareceu há 46 anos, isso é apenas um exemplo de como, nas mãos de um bom marxista-leninista, até o tempo pode ser dialéctico… É que aquele desaparecimento é até um pouco mais recente (1963) que outros episódios épicos que no PCP se evocam continuamente, como a fuga de Peniche (1960) ou o assassinato de José Dias Coelho (1961)…
(*) – Os acontecimentos de 1 de Maio envolvendo Vital Moreira.
(**) – Da esquerda para a direita: Voroshilov, Molotov, Estaline e... Yezov - mas só na versão original.

19 maio 2009

O SÉTIMO PRESIDENTE DOS ESTADOS UNIDOS

Quando escrevi previamente um poste sobre John Quincy Adams, quase terá ficado prometido um sobre o seu sucessor e rival Andrew Jackson. Batido nas eleições de 1824, Andrew Jackson partiu para as de 1828 com um espírito de desforra que vingou ao vencê-las tanto na contagem de votos populares (642.000 versus 501.000) como nos membros do Colégio Eleitoral (178 contra 83). Mas a campanha eleitoral foi tão sórdida que John Quincy Adams nem esteve presente na cerimónia da posse do seu sucessor…

Ao contrário do aristocrático Adams, que a custo se dignava explicar os seus méritos ao eleitorado, existia até uma espécie de lenda associada à carreira ascendente do popular Andrew Jackson (1767-1845). Nascera pobre, órfão de pai, perdera a mãe e irmãos muito cedo, e havia uma história sua de adolescente, associada ao período da Guerra de Independência, quando fora espancado à espadeirada por um oficial britânico por se ter recusado a engraxar as suas botas, deixando-o com cicatrizes nas mãos e na cabeça.
Mais tarde, por ocasião da Guerra de 1812, voltava a encontrar-se Andrew Jackson em combate com os britânicos, ao vencer a Batalha de Nova Orleães, um dos raros triunfos norte-americanos naquele conflito, mas que o tornou imensamente popular. E, passado um par de anos, vemo-lo de novo como general a perseguir tribos índias vindas da Florida (então espanhola) que haviam atacado o Sul dos Estados Unidos. Jackson invadiu a Florida e depôs o governador local, criando um enorme conflito diplomático (*).

Mas, mesmo estes desastres, reforçavam a sua popularidade, comprovada nos resultados da campanha presidencial de 1824, que perdeu por uma unha negra. Andrew Jackson aparecia, como um verdadeiro filho não só do povo como do Oeste e da Fronteira, a região dos Estados Unidos onde a sociedade ainda não se encontrava estratificada. Era preciso conhecer essa sociedade para se compreender a forma como Jackson e a mulher abriram o baile em que se celebrou a reconquista de Nova Orleães em Janeiro de 1815 (**).

A sua tomada de posse, a 4 de Março de 1829, especialmente a festa marcada para a Casa Branca acabou por ser um acontecimento de arromba!! Muitos daqueles delicados adereços que haviam sido cuidadosamente reunidos por Louisa Adams e por algumas das suas antecessoras, como cristais, porcelanas, mobiliário, foram nesse dia partidos por uma turba de convidados que comeu e bebeu tudo o que havia à vista e ainda mais. O envergonhado Jackson acabou por ter de ir dormir a uma estalagem próxima…

Considerado como o fundador do actual Partido Democrata, o desempenho presidencial de Andrew Jackson tende a ser avaliado com alguma condescendência. Se, do ponto de vista ideológico, durante a presidência de Jackson se assiste à consolidação de um verdadeiro espírito democrático na América que seria então impensável do outro lado do Atlântico, do ponto de vista prático, essa mesma ideologia conduziu a erros graves como a oposição à existência de um banco central, que esteve por detrás do Pânico de 1837.
Apesar da ideologia democrática, Andrew Jackson, que começou simples, oriundo do povo, acabou dono de plantações e, paradoxalmente, de cerca de 150 escravos. Como acontece com John Quincy Adams, também existem fotografias de Andrew Jackson ainda que tiradas depois da sua presidência. Como se pode observar, uma das características mais identificativas de Jackson, para além da sua estatura de cerca de 1,85, era a sua cabeleira revolta, que costuma ser comparada à de Woody Woodpecker, o boneco dos desenhos animados.

(*) Cerca de 130 anos depois, um outro popular e prestigiado general norte-americano pretendeu também tomar o assunto entre mãos e, copiando Andrew Jackson, ignorar as fronteiras, mas acabou sumariamente exonerado: Douglas MacArthur, durante a Guerra da Coreia (1950-53).
(**) “… o general era duma estatura desmedida, magro como um esqueleto; sua mulher era gorda como uma pipa; ambos saltavam como dois índios meio embriagados ao som duma melodia selvagem; esta dança era mais divertida de ver do que qualquer baile europeu!”