03 setembro 2006

PARA LÁ DE NEPTUNO (1)

Representação em escala comparativa com a Terra (em baixo) dos planetas anões da família de Plutão

Entre as razões indirectas que estarão por detrás da recente polémica envolvendo a despromoção de Plutão do estatuto de planeta de primeira categoria conta-se o espantoso desenvolvimento tecnológico dos telescópios nas duas últimas décadas. E contudo, para alguém que acompanhe à distância este assunto é natural que julgue que o grande milagre da técnica continua a ser o Hubble, o telescópio espacial lançado em 1990.

E no entanto, se consultarmos uma lista dos maiores telescópios ópticos, concluídos ou em fase de conclusão, verifica-se que os 16 maiores da lista foram construídos depois daquela data. E os progressos registados verificaram-se não só em termos de hardware como também de software, como sejam programas que atenuam automaticamente o efeito de cintilação atmosférica (uma das vantagens originais do Hubble era não ter esse problema).

Há que reconhecer que o lóbi e a máquina de promoção do Hubble não tem tido rival na forma como procura chamar a atenção dos média, e tem satisfeito as audiências regularmente com os resultados esteticamente mais vistosos da observação do universo, mas os resultados cientificamente mais substantivos têm sido da responsabilidade de equipas a operar com telescópios localizados na terra.

Entre esses resultados conta-se a descoberta dos exoplanetas, planetas que orbitam outras estrelas, que desde o primeiro, confirmado em 1995, totalizam actualmente quase duas centenas de descobertas, a um ritmo de descobertas que já ultrapassa os 20 por ano. Note-se que, numa esmagadora maioria dos casos, dadas as distâncias envolvidas, os exoplanetas não são observados directamente, mas a sua presença é deduzida pelos efeitos provocados.

Em contrapartida, no nosso sistema solar, tem sido por observação directa que se tem procedido à descoberta de novos corpos celestes de dimensão significativa, como são os casos de Quaoar (2002), Sedna (2003), Orcus (2004) e os ainda não baptizados UB313 (2003 - Eris), EL61 (2003) e FY9 (2005). Note-se o ritmo das descobertas num campo onde, anteriormente e por exemplo, havia mediado quase meio século (1930-78) entre a descoberta de Plutão e que ele possuía um satélite, Caronte.

Tal qual como aconteceu no Século XIX, onde o desenvolvimento técnico da altura permitiu a construção de telescópios que permitissem a descoberta de Ceres (1801) na cintura de asteróides, classificado na altura como planeta até às descobertas posteriores esclarecerem que Ceres era apenas o maior de uma grande família de corpos celestes aparentados, parece ter acontecido algo semelhante com Plutão, embora com outro intervalo temporal.

Todos os corpos recentemente descobertos, a partir de agora designados por planetas anões, compartilham com Plutão as características irregulares das suas órbitas, quer quanto à sua excentricidade, quer quanto ao ângulo acentuado em que elas se apresentam em relação ao plano das órbitas dos oito planetas principais (que são quase complanares).

Pensando exclusivamente em termos de classificação científica, pode dizer-se que Plutão foi descoberto muito mais cedo do que devia ter sido. E por isso, só agora nos apercebemos que ele, como aconteceu outrora com Ceres, em vez de ser o último de um conjunto, é o primeiro de um outro conjunto distinto. Assim explicada, para mim, é transparente a razão da reclassificação de Plutão. Danos, como disse alguém com piada, só se for nas previsões astrológicas da Maya…

Há muitas publicações científicas que abordam estas questões seriamente e analisam com crivo o material que lhe enviam para publicação, furtando-se a serem joguetes de lóbis. Infelizmente isso é muito mais raro na imprensa generalista, superficial e ansiosa por explorar, por exemplo, os resíduos que haja ainda sobre a pretensa polémica sobre Plutão. Nessa imprensa, seriam poucos os que ousariam publicar e justificar a obsolescência actual do Hubble, por exemplo…

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