24 setembro 2006

LA GUERRE DE TAIWAN N´AURA PAS LIEU*

Segundo sei, mandam as regras da etiqueta que o famoso arroz chau-chau seja recusado quando vem para a mesa, quando é servido numa verdadeira refeição chinesa. O arroz chau-chau é o último prato a ser apresentado na refeição, uma simples mistura de arroz com alguns ingredientes destinado à satisfação dos convivas que ainda estejam com fome. Por delicadeza, o convidado deve recusá-lo mostrando a sua satisfação com os pratos mais substanciais que lhe forma servidos anteriormente no banquete.

É um raciocínio igualmente rebuscado que vamos encontrar no livro a Arte da Guerra, de Sun Tzu (Século V A.C.), a respeito da forma como se descreve a utilização da componente militar quando inserida da estratégia global dos estados: o supra sumo da sabedoria e da perícia é alcançado quando, mesmo que o exército parta em campanha, o inimigo é derrotado sem necessidade da sua utilização. É um princípio que parece ter permanecido válido na China de há 2500 anos para cá.

Desde a proclamação da República Popular da China, em 1949, só por três vezes a China se manifestou de forma agressiva contra o exterior e, mesmo assim, fê-lo sempre em regiões muito próximas das suas fronteiras, em regiões interiores: em 1950, na Coreia, em 1962, na Índia e em 1979, no Vietname. Durante todo este mesmo período a China manteve três outros problemas de soberania, em regiões costeiras, aos quais não deu mostras de querer solucionar da mesma forma: em Taiwan, em Hong-Kong e em Macau.

O grau de empenhamento da China nos três conflitos, assim como o resultado que ela retirou dos mesmos é díspar: com 780.000 efectivos conseguiu a manutenção da divisão da Coreia e um estado tampão (Coreia do Norte) na península coreana em 1953, com apenas 20.000 e numa ofensiva relâmpago conseguiu uma vitória em toda a linha nas demarcações contestadas das fronteiras sino-indianas em 1962, método que não conseguiu repetir com 180.000 em 1979 contra o Vietname, onde apanhou uma tareia.

Este episódio de Fevereiro e Março de 1979, pode muito bem ter servido de lição às correntes mais entusiastas de soluções militares entre os dirigentes chineses, sobre qual poderia ser o tremendo custo político de um fiasco militar numa operação militar fracassada contra um inimigo que estivesse bem apetrechado para os rechaçar, como tinha sido o caso dos vietnamitas, acabados de sair da sua vitória contra os Estados Unidos, e como poderia vir a acontecer no caso de Taiwan.

As Forças Armadas de Taiwan estão muito bem equipadas, dispõem de um apoio generalizado na sociedade e têm uma missão evidente: defender a ilha contra uma invasão vinda da China continental num cenário que deverá ter sido e continuará a ser estudado até à exaustão. Como muitos outros invasores que precisaram de atravessar o mar no passado, a constituição de uma frota anfíbia (que a China ainda não parece dispor) servirá de aviso aos defensores da eminência dessa invasão.

Soube-se entretanto que Taiwan, prevendo a eventualidade dos Estados Unidos não estarem disposto a apoiá-los politica e militarmente, concebeu um plano de contingência prevendo a possibilidade de serem deliberadamente injectados vírus informáticos na net que pudessem vir a afectar substancialmente os Estados Unidos, no que se tratou de um dos primeiros casos de potencial aparecimento da guerra no ciberespaço, num tipo de ameaça que só tem eficácia se for tornada pública.

Entretanto a diplomacia e a paciência já fizeram Hong-Kong (1997) e Macau (1999) regressar à soberania chinesa, o que constituiu um reforço para aquelas correntes entre os dirigentes chineses que preconizam a acção indirecta. Politicamente, montou-se uma manobra paciente que está à espera que, em Taiwan, observando as experiências graduais de Hong-Kong e Macau, se convertam paulatinamente à inevitabilidade da junção política da ilha ao continente. A grande ameaça a isso são as correntes separatistas de Taiwan.

Aquele separatismo, que tem estado a ser tratado com muita atenção e rigor por Pequim, chegando a provocar a intervenção descarada do governo chinês na política interna de Taiwan, tem, ainda por cima, o problema de poder ter um efeito multiplicador por toda a China, um país demasiado extenso e complexo para não se poderem descobrir particularismos passíveis de ser explorados para fenómenos secessionistas. E esses mesmos fenómenos andam a ser acirrados por ritmos de desenvolvimento económico desiguais.

Em suma, verifica-se a possibilidade de, dentro de Taiwan e por razões meramente defensivas, haja quem possa desencadear processos – o separatismo - que possam ser apreciados como ameaçadores para a coesão nacional dentro da própria China. Este será o único cenário em que, remotamente, se pode conceber a invasão militar de Taiwan. Empreguei a expressão remotamente, porque, sendo bons discípulos de Sun Tzu (e de Mao Zedong), os dirigentes irão empregar evidentemente todos os outros instrumentos para evitar os riscos do conflito militar directo…

* A guerra de Taiwan não terá lugar. Também é um trocadilho com o título de uma peça de Jean Giraudoux, La Guerre de Troie n´aura pas lieu, de 1935.

2 comentários:

  1. Cá está o teu prometido post. Folgo em saber que, não sei se por influência do meu cepticismo, utilizaste o termo "remotamente" para caracterizar a possibilidade de uma invasão. Concordo em quase tudo na análise geoestratégica que fazes, excepto num ponto: invadir Taiwan para impedir secessionismos na China "continental"? Parece-me demasiado rebuscado e, sobretudo, de resultado demasiado incerto - existiria um risco muito elevado de apenas agravar ainda mais, e para lá do ponto de ruptura, as tensões separatistas já hoje existentes na China - os uigures, por exemplo; outras zonas de maioria muçulmana...

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  2. No slogan "Um país, dois sistemas" a chave está na expressão "um país": só pode haver um país, o que aliás é uma mesma tese que une desde 1949 comunistas e nacionalistas.

    Para a China não é aceitável que Taiwan deixe de se reivindicar como uma região da China onde, por acaso, vigora um outro regime, para pretender passar a ser um país distinto, embora de cultura chinesa o que poderia ser o embrião para o aparecimento de mais países independentes de cultura chinesa.

    E só nessas circunstâncias remotas, onde diplomacia, pressões económicas, políticas, ameaças militares não surtissem efeito é que a China, em desespero, poderia recorrer a algum tipo de acção militar. O que seria muito arriscado.

    Agora aquilo que considero os problemas das rivalidades internas sérias dentro da China pouco têm a ver como os uigures, têm a ver com rivalidades entre Pequim e Xangai como se pode ler aqui, em notícia de hoje
    http://dn.sapo.pt/2006/09/26/internacional/demissao_xangai_e_aviso_a_zemin.html)

    ou entre aqueles dois pólos e o de Cantão (Hong-Kong). Ou nas discrepâncias económicas entre estes três pólos desenvolvidos do litoral e as regiões do interior...

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