31 março 2006

PALAVRAS PARA QUÊ?!

A Pasta Medicinal Couto tinha um sabor terrível mas ninguém a batia em anúncios de televisão. Num deles, aparecia um negro escuro, mas com uns dentes e uns olhos tremendamente reluzentes, a abocanhar uma cadeira com a qual fazia malabarismos. No final do anúncio, uma voz em off comentava, de acordo com a ideologia daquela época:
- Palavras para quê?! É um artista português e só usa Pasta Medicinal Couto!

Depois de uma notícia do Público de ontem, comentada aqui num post intitulado O Sobrinho, o chefe do gabinete do presidente do supremo tribunal administrativo, Rogério Martins Pereira, endereçou uma carta ao jornal que ele publica na edição de hoje. Vale a pena reproduzi-la:

Com referência ao artigo publicado ontem, intitulado “Vice-presidente do Supremo Administrativo nomeia sobrinho para seu assessor”, encarrega-me sua excelência o presidente do supremo tribunal administrativo de fazer notar a V.Exa. que é de lamentar que a comunicação social se preocupe em publicitar situações como a vertente, quando há muitos outros factos a noticiar, estes sim, de extrema relevância para a jurisdição administrativa e fiscal e cujo conhecimento aproveitaria, seguramente, a todos os cidadãos.

Ou seja, sobre a matéria objecto da notícia (o nepotismo do vice-presidente) responde-se como nos julgamentos as testemunhas costumam responder aos costumes: nada.

Palavras para quê?! É um artista português e só usa Pasta Medicinal Couto!

EXPRESSÕES

In illo tempore, A.E.E. (Antes de Edite Estrela), a pedagogia da língua portuguesa estava entregue a figurões de discurso e escrita soturna, conservadora, reaccionária mesmo, que se alongava por dois ou três extensos parágrafos que nos explicavam que abat-jour era um galicismo a que se devia preferir a expressão quebra luz.

Claro que quem assim pregava não fazia a mínima ideia da classificação social atribuída a alguém que entrasse numa loja de candeeiros e pedisse para ver quebra luzes. Por detrás do sorriso comercial, o empregado classificaria mentalmente a cliente – naquela época normalmente era uma senhora – com adjectivos vários e nenhum deles abonatório.

Depois, muito antes do PS aprovar as quotas e as paridades, chegou Edite Estrela e o seu programa de televisão. E foi salutar ver a pedagogia da nossa língua a ser tratada por alguém que parecia saber os problemas de quem queria comprar abat-jours.

Depois a senhora entusiasmou-se e o êxito televisivo catapultou-a para uma carreira política autárquica. Dessa, ficou o precedente que, a partir daí, qualquer presidente em Sintra tem que ser um rei na pantalha – olhem para mim a evitar usar o galicismo ecrã!

Nesta era D.E.E. (Depois de Edite Estrela) quase que se torna imperativo que o assunto língua portuguesa seja tratado na Televisão e por alguém do sexo feminino com boa apresentação – veja-se o caso mais recente de Bárbara Guimarães.

Sendo homem e barbudo, é pois contra a estética do momento que gostaria de compartilhar convosco algumas reflexões sobre duas expressões modernas do português, caídas em uso e cujo conteúdo me merece alguns comentários.

A primeira expressão é “…a solução passa por…”. Ora, não creio que, normalmente, as soluções não possuam características dinâmicas, tal qual o famoso elefante da anedota que saltitava de nenúfar em nenúfar. Uma solução é para ser, não anda por ali em trânsito.

Claro que se percebe o porquê desta expressão, que permite uma escapatória, no caso de alguém querer contradizer essa solução passante, contrapondo outra. Onde cabe uma, cabem duas, e não é preciso a gente chatear-se por isso…

A outra expressão, usa-se frequentemente quando, ao debater, se procura dar uma imagem de moderação e se emprega o “não se pretendem fazer processos de intenções”. Seria uma atitude extremamente recomendável se não fosse o estímulo que em nós exercido para que façamos isso mesmo.

Ainda ontem, o governo deu grande relevo ao seu plano para proceder à fusão e extinção de dezenas de organismos públicos. Ora eu sempre pressupus que um governo se avalia pelo seu desempenho e pela actividade desenvolvida.

Ao colocar, desta forma tão deliberada, à minha consideração as suas intenções futuras não estará o governo a incentivar-me a que faça um julgamento e “um processo de intenções”?

30 março 2006

O SOBRINHO

Há acontecimentos em que o ridículo maior, ainda pior do que o incómodo que eles próprios geram, são as explicações e justificações que são produzidas posteriormente para o justificar.

O acontecimento, desta vez, foi a nomeação, por parte do vice-presidente do supremo tribunal administrativo, Domingos Brandão de Pinho, de um senhor chamado Tiago Filipe Brandão de Pinho para seu secretário pessoal que, por mero acaso, também é seu sobrinho.

A notícia veio hoje no jornal Público (p.12), mas já é velha aqui pela blogosfera. Enfim, seria mais um incidente pitoresco não tivesse sido a graça adicional da jornalista responsável pela notícia - Tânia Laranjo - ter procurado obter uma reacção da própria instituição.

E ela veio, expressa pelo próprio chefe de gabinete do presidente do supremo tribunal administrativo: “O que determina a lei é que os vice-presidentes podem escolher um secretário pessoal para os assessorar. Neste caso, o vice-presidente indicou um nome, que mais tarde soubemos ser sobrinho, e o presidente aceitou. É assim que está determinado e foi cumprida a lei”.

Ou seja, a acreditar nesta versão, corremos o risco de ter um presidente num supremo tribunal português cujo QI roça a imbecilidade profunda, pois nem da coincidência dos dois apelidos do nomeado se apercebeu.

A princípio, os magistrados ainda se podiam queixar por não estarem habituados ao escrutínio público dos seus actos, mau grado o facto de, sendo órgão de soberania, poderem e deverem estar a isso sujeitos. Agora, sobretudo neste escalão mais elevado da magistratura, era de esperar que já devessem estar avisados.

Continuar com práticas deste tipo parece mostrar que, pelo menos alguns deles, nem são sensíveis ao que o senso comum recomenda a qualquer cidadão que exerça funções públicas. Isso designa-se por autismo. A nomeação do sobrinho designa-se por nepotismo. A resposta do chefe de gabinete do presidente designa-se por... não morar cá na Terra!

JORGE SAMPAIO

No tempo do PREC tivemos uma sociedade em transição para o socialismo, 25 anos depois, tivemos um presidente em transição para a emoção. É vê-lo nesta fotografia, que ele está quase… Ele há registo de estadistas que se emocionavam com muita facilidade - Churchill era um deles - mas os portugueses também devem estar orgulhosos de ter tido um campeão, embora ainda falte fazer a devida avaliação, medida em lenços encharcados por cerimónia. Infelizmente, pouco mais houve de divertido nos dois mandatos de Jorge Sampaio. Fui descobrir uma síntese que se encaixa perfeitamente no que penso de Jorge Sampaio numa avaliação – veja-se lá – das condições da derrota alemã em Stalinegrado, na Segunda Guerra Mundial: Os maiores talentos militares não teriam salvo o exército alemão de uma derrota (em Stalinegrado) em 1942; as insuficiências particulares de Paulus (o comandante alemão) contribuíram para lhe conferir um carácter esmagador. A evolução da sociedade portuguesa nos últimos dez anos não tem nada do carácter catastrófico da derrota alemã, mas é indiscutível que há um certo travo de insatisfação por se terem andado a iludir as questões prementes da nossa sociedade. E a presidir a toda essa encenação esteve Sampaio, presidente eleito e reeleito pelos portugueses – ao contrário de Paulus, que só tinha de responder a Hitler – a quem a história há-de vir a julgar pelo seu desempenho. Como Paulus antes dele, também Sampaio criou uma estrutura argumentativa para (não) ter agido como o fez, apesar da coacção que incidiu sobre eles para que procedessem de outra forma. Desconfio que o tempo fará à de Sampaio o que fez à de Paulus – que se pode constatar na citação acima. Não me surpreenderia que um capítulo, escrito no futuro, sobre a presidência de Jorge Sampaio terminasse com uma adaptação daquele parágrafo. Com a limpidez de ser escrito numa época em que a pessoa de Sampaio já não terá relevância para a luta política da época. Há, contudo, uma virtude em tudo isto – e uma grande diferença entre os dois casos – que convém não ficar esquecida: Sampaio foi eleito e reeleito democraticamente pelos portugueses. Por isso, compartilhamos, enquanto sociedade, uma quota-parte da responsabilidade das suas insuficiências.

O CASINO DE SÃO BENTO

No princípio era o Génesis, o verbo e Cavaco que não prestava atenção nenhuma à Assembleia da República, só lá indo quando tinha mesmo de ser.

Depois veio Guterres, outro estilo, e as visitas regulares do governo à Assembleia. Onde Guterres se saía bem. Onde Guterres se saiu sempre bem. Não foi por se sair mal que, um belo dia, se demitiu, apercebendo-nos nós depois que o seu governo estava já todo carcomido por dentro.

Durão Barroso também se saiu bem, sempre bem, nas interpelações ao governo. Também não foi por se sair mal que nos chegámos a aperceber que ele estava com uma grande vontade de tirar um período sabático enquanto experimentava um empregozito lá fora.

Santana Lopes já era um pino de bowling antes de lá entrar, portanto não interessava nada como ele se sairia. Porque também ele se saiu bem, numa das funções em que, reconhecidamente, tem jeito: pegar num microfone e fazer debate político.

Ontem, foi a vez de Sócrates estar lá, em São Bento, numa interpelação ao governo sobre a Ciência, e saiu-se – adivinhem? – bem, como nos tem acostumado, de resto.

Eu não quero parecer desconfiado, mas também não quero passar por ingénuo. Não preciso de sopesar o par de dados para confirmar que estão viciados, basta que em quatro lançamentos consecutivos eles tenham dado sempre 12 – o primeiro-ministro sai sempre com brilho.

Para isso acontecer, as regras do jogo devem estar viciadas. Já nada me surpreenderia, nem que amanhã – por muito improvável que isso possa parecer – o primeiro-ministro José Luís Arnaut (!) se viesse a sair bem na Assembleia da República.

A argumentação portuguesinha, resignada, há-de dizer que isto é melhor que nada. É uma maneira simplista de pôr o problema: Cavaco não tinha jeito para o faz de conta, nem os seus assessores se aperceberam das vantagens que viriam de fingir que dialogava com a Assembleia da República. Isto continua a não ser nada.

Porque mesmo sendo a Assembleia da República a sede do nosso poder legislativo, não haja dúvidas que, quando ali joga, o nosso poder executivo joga em casa.

29 março 2006

É SÓ FUMAÇA!

Os historiadores não destacam nem, penso, irão destacar Pinheiro de Azevedo para um lugar de grande relevo na história de Portugal do século XX. No entanto, considero haver facetas marginais do PREC(*) em que ele representa, como mais ninguém, o esplendor da época.

Refiro-me, evidentemente, à descontracção de linguagem, nunca vista antes e também nunca mais vista na boca de um primeiro-ministro português.

Não ficou registado para a posterioridade o alegado bardamerda para o fascista, dirigido a alguém que classificava o primeiro-ministro de fascista, no espírito muito revolucionário mas pouco argumentativo daquela época. Mas o comentário, curto e grosso, inserido no espírito da época, soa como a expressão de uma certa saturação com tanto debate ideológico inconsequente.

O famoso bardamerda valeu a pena, nem que fosse para ver a figura ridícula dos comunistas e da malta da extrema-esquerda a mostrarem-se depois ofendidos e indignados, quais tias velhas solteironas, pelos excessos de linguagem – estes sim, verdadeiramente revolucionários – do primeiro-ministro.

Mas, mesmo assim, a televisão salvou monólogos preciosos de Pinheiro de Azevedo, que fluíam aproximadamente assim:
- Então senhor primeiro-ministro o que é que aconteceu?
- Eh pá, o que aconteceu foi que fui sequestrado e eu não gosto… Já é a segunda vez esta semana que sou sequestrado e é uma coisa que me chateia, pá! Não gosto de ser sequestrado!
Pode ver-se aqui.

Contudo, o momento de glória de Pinheiro de Azevedo ocorreu durante a manifestação de apoio ao VI Governo Provisório no Terreiro do Paço, promovida pelas forças moderadas (do PS para a direita…), a 9 de Novembro de 1975.

Só em Portugal é que alguém se iria lembrar de encarregar do policiamento da dita manifestação destacamentos de uma das unidades militares de Lisboa mais conotadas politicamente com a extrema-esquerda: a Polícia Militar, que se tornaria num dos últimos redutos revolucionários a resistir a 25 de Novembro de 1975

A manifestação e o discurso de Pinheiro de Azevedo, televisionados para todo o país, foram interrompidos por tiros seguidos do lançamento de granadas de gás lacrimogéneo por parte das forças de segurança, enquanto aquele tentava acalmar os ânimos:
- O Povo é sereno! É só fumaça!
Ao mesmo tempo, saltava linhas do discurso:
- Não quero deixar de terminar… É só fumaça!
Tentou-se apelar mesmo às palavras de ordem, muito motivadoras na época:
- Ninguém arreda pé! Ninguém arreda pé!
Os que gritavam com mais força eram os que estavam a aproveitar para se ir escapulindo pela Rua Augusta acima…
- É só fumaça!
Pinheiro de Azevedo acabou o discurso à pressa porque a fumaça, só, já invadia o balcão de onde discursava. Mário Soares e Sá Carneiro, a seu lado, já estavam de lenços no nariz…
Pode ver-se aqui.

Este episódio, entre o trágico e o cómico, ocorreu-me quando um sucessor longínquo de Pinheiro de Azevedo, ocupou uma boa parte da tarde a apresentar 333 medidas de simplificação administrativa de uma coisa chamada simplex.

Ora, não sendo sportinguista, a minha credibilidade em números cabalísticos acabou com as 5 garras para o leão, apresentadas já há muitos anos por Jorge Gonçalves…
Para não recorrer à outra expressão que deu notoriedade a Pinheiro de Azevedo: É só fumaça!
(*) Para os mais novos: Processo Revolucionário Em Curso.

28 março 2006

QUEREM VER QUE NO CDS CONTRATARAM AS PRODUÇÕES FICTÍCIAS?

Tenho um prognóstico bastante reservado em relação às hipóteses de sobrevivência de Ribeiro e Castro como dirigente do CDS, mas não haja dúvida que marcou pontos com a sua reacção, em jeito de rábula, à rábula de ontem do primeiro-ministro mais o seu simplex.

- Parece-me um bocado propagandex, à Socratex, mas se for verdadex, é bonzex!

PROFECIAS

Existe uma expressão brasileira de que gosto muito, poderosa e maldosa na sua ironia. Emprega-se quando alguém vem ter consigo contando-lhe uma história que, por muito antiga, muito conhecida ou muito inverosímil só lhe merece o comentário:

- Não! Essa só contaram p´ra você

Lembrei-me da expressão, para a parafrasear, quando alguns colegas de blogosfera resolveram autocongratularem-se pelas suas capacidades divinatórias, com postes que remetem para outros postes seus, mais antigos, onde se prevêem subtilezas como o futuro comportamento desbocado de Manuel Alegre…

- Não! Só você é que se ia lembrar disso…

UMA DECISÃO CLASSE A

Parecem ser manifestações óbvias do nosso provincianismo algumas surpresas, manifestadas por aí, pelo facto do deputado do PS Manuel Alegre, exprimir a opinião de que não concorda com a decisão do encerramento da maternidade de Elvas, transferindo-se (na prática) os serviços para Badajoz.

Mesmo sendo um apoiante do governo, não me consta que um deputado pertencente à maioria governamental tenha assinado algum protocolo de bovinidade que o obrigue a assentir concordantemente com qualquer decisão emanada do governo, por muito imbecil que a considere. Para isso, tem lá estado o deputado Vitalino Canas.

São discordâncias destas que aproximam eleitores de eleitos. E é razoável que manifestem audivelmente a sua discordância se pensarem que a decisão irá constituir um erro grosseiro porque, a par das vantagens tangíveis das poupanças de custos, ir-se-ão sacrificar outros valores intangíveis, como o do patriotismo.

Não era em vão que as casas reais no exílio faziam constar que os seus príncipes nasciam em cima da terra pátria, trazida expressamente para o efeito. Pode estar a sair de moda, mas penso que ainda é aceitável que um cidadão português espere que seja missão do estado português promover a defesa da manifestação dos seus sentimentos patrióticos e que, entre estas, se conte a recusa em aceitar que, ao abrigo do seu Serviço Nacional de Saúde (SNS), este lhe proponha uma solução em que o seu filho ou filha nasça em território espanhol.

Eu bem sei que o SNS não é um verdadeiro atributo de soberania, que estaria a desconversar se propusesse a desactivação do posto de Elvas da GNR e deixasse entregue o policiamento à Guardia Civil, mas está-se a pisar um terreno escorregadio, porque os serviços de saúde e de educação são, para o cidadão, os atributos mais visíveis da existência do estado moderno, aquele a quem pagamos os nossos impostos.

E isto são sentimentos que se vivem muito entre as populações raianas. Muitos comentários desagradáveis ouvi devido ao facto de, há bastantes anos, a TVE se conseguir ver muito melhor do que a RTP.

Sobretudo, isto é uma opinião que cada um terá, independentemente das pessoas com quem ela se compartilha, sejam eles a minha pessoa, Manuel Alegre ou Marques Mendes. Não vejo ali nenhuma coligação obscura entre certas alas do PS e a oposição do PSD.

Se convém resolver os assuntos considerando também a perspectiva económica, também é verdade que nem tudo pode ser resolvido tomando apenas a perspectiva económica em consideração. Porque, se assim fosse, e só para dar um exemplo, toda a frota ministerial podia ser composta por digníssimos Mercedes Classe A, poupando em custos de aquisição, em custos de exploração e em área de estacionamento.

Mas aí, até imagino os argumentos contrários que se ouviriam no Conselho de Ministros, só que, aposto, nenhum deles teria fundamentação económica…

CARTA DA FINLÂNDIA

Às vezes não é por baixo dos títulos grandes e gordos que se encontram as melhores notícias do jornal. Aconteceu ontem, dia 27, no Público, onde uma carta ao director diz, por volumes, aquilo em que é que a actividade política se arrisca estar a transformar.

O autor da dita carta, Ricardo Couto Moreira, é, pela discrição, um estudante que esteve na Finlândia a estudar, ao abrigo do programa Erasmus de intercâmbio de alunos. Agora que regressou, apesar de ter frequentado aquele centro de excelência educativa, segundo a propaganda governamental, está… desempregado.

Mas o que mais impressiona na sua carta é a forma metódica como enumera tudo o que é diferente na sociedade entre um país e outro, o que transforma a publicitada visita de José Sócrates do outro dia à Finlândia – isso não diz ele, digo eu – num monumental exercício de relações públicas inconsequente.

Quando as simplificações são excessivas tornam-se ridículas: implemente-se o sistema de ensino finlandês no Burundi! E vamos a ver se daqui a cinco anos o Burundi não há-de ter a sua multinacional de telemóveis!

Estas soluções pacóvias e superficiais fazem-me lembrar um antigo treinador da selecção brasileira, acho que era Saldanha, a quem os jornalistas se fartavam de chatear por não fazer nem grandes estágios, nem grandes concentrações, antes dos jogos da selecção.

- Se concentração ganhasse jogo, o time da prisão não perdia para ninguém…

27 março 2006

OS MAUS E OS PÉSSIMOS

Há um filme de Ettore Scola de 1976, totalmente deprimente e que começa logo a deprimir o espectador pelo título: Brutti, sporchi e cattivi (traduzido para português como Feios, porcos e maus). Não me surpreenderia de que houvesse quem acabasse de o ver e ficasse com uma vontade subconsciente de tomar banho.

Aqueles três adjectivos alinhados podem ser condensados para dois e aplicados aos nossos dois principais partidos políticos. Ontem e anteontem, a propósito das eleições internas falei dos maus, os que agora estão no governo. Convém relembrar que os maus estão no governo, porque os outros são péssimos.

Regressando ao fenómeno Santana Lopes, não podemos considerar que ele seja como uma espécie de meteorito que aterrou na terra. Embora ele tenha falado de escrituras nas estrelas, é bom saber que essa metáfora se fica por aí – pela astrologia.

Muito se tem criticado – na minha opinião, com toda a razão – as atitudes do Zé Manel Barroso e do presidente que chora, Sampaio. O primeiro por ter dado de frosques, ao arrepio dos seus compromissos eleitorais* e sabendo quem iria cá deixar a tomar conta da loja, o segundo por se ter deixado enrolar na manobra ainda alardeando o prestígio para o país de tal nomeação**.

Só que, no intervalo, a questão foi levada partidariamente ao órgão mais qualificado do PSD entre congressos, o seu conselho nacional que tem cerca de uma centena de membros. Relembre-se que, em teoria, a vantagem da existência de órgãos colectivos é a da multiplicação de opiniões que fomentam o debate.

Pelos vistos no PSD o colectivo é muito compacto, pois as votações dos conselhos nacionais foram sempre de maiorias soviéticas em prol da nomeação e da actuação de Pedro Santana Lopes enquanto ele andou por ali.

Houve tempos em que o PSD teve fama de ser um partido de barões com… uma parte mais solta da anatomia masculina que até rima com barões. Estes notáveis modernos do PSD são mais do tipo eunuco. E os eunucos sempre se deram mal com o poder democrático.

Marques Mendes até se pode esforçar por arranjar palavras de estímulo. Ele até goza do privilégio de, notoriamente, ter os seus no sítio por ter sido um dos raros que não apoiou a “solução” Santana Lopes.

Mas todo o resto da equipa de notáveis à sua retaguarda aparece queimada pela suspeita. Parafraseando Baptista Bastos: onde é que eles estavam quando foi a votação para a nomeação de Pedro Santana Lopes?

*Foi a razão invocada pelo primeiro-ministro belga, convidado antes de Durão Barroso.
** Se o prestígio do país de origem é assim tão significativo, convida-se o leitor a descobrir, de memória, qual a nacionalidade do actual secretário-geral da ONU, Kofi Annam… A caixa de comentários está aberta.

26 março 2006

O REFERENDO

Alberto João Jardim é alguém que despensa adjectivos qualificativos a seguir ao seu nome. Mas convém produzir algumas reflexões à volta da figura, para além do folclore que normalmente acompanha a sua pessoa.

A primeira é que o homem deve ser de uma honestidade a toda a prova. Se o não fosse, com os anticorpos que tem gerado ao longo dos anos, já lhe tinham feito a folha.

Segunda, é que é preciso aceitar com normalidade as suas palhaçadas como parte do seu estilo político, tipo latino-americano, como os discursos de Fidel Castro ou, agora, as fantochadas de Hugo Chavez, tão apreciadas em certos círculos de esquerda.

A terceira nasce do facto de que as piores exibições do carnaval madeirense não são protagonizadas por ele, mas sim pelos seus imitadores do partido, com toda a falta de categoria que os imitadorzitos têm.

Finalmente, a quarta é a constatação que o estilo com que se tenta rebatê-lo, apelando ao seu bom senso, é, comprovadamente, um fracasso. Alberto João não gosta de falar muito a sério a não ser que seja obrigado.

Uma das raras vezes que o vi verdadeiramente atrapalhado foi quando, a meio de uma arenga sua contra o colonialismo do contenente, Vicente Jorge Silva, outro madeirense, lhe propôs que se fizesse um referendo sobre a independência da ilha.

É que o bom do Alberto João ficou mesmo engasgado, porque sendo ele um brincalhão, é dos brincalhões não sabe entrar nas brincadeiras dos outros. E quando alguém manda uma bojarda maior do que as dele fica à rasca.

Tudo isto vem a propósito duma decisão da assembleia regional da Madeira de deixar de fazer uma sessão solene no dia 25 de Abril. Ocorreu-me ventilar a ideia de realizar um referendo sobre a Madeira, mas atenção, a pergunta não é para se pôr aos madeirenses mas sim aos continentais: Pretende continuar a subvencionar a autonomia madeirense ou considera que o arquipélago se deve tornar independente de Portugal?

Alguém faça uma sondagem porque os resultados podem ser surpreendentes. Aqui há uns 30 anos corria um comentário muito racista e hiperreaccionário sobre o assunto: pintem os madeirenses de castanho e dêem-lhes a independência…

SAL

Embora também haja um conto de Andersen envolvendo as virtudes do sal, esta história que irei contar não terá o final feliz que costuma caracterizar os contos do grande escritor dinamarquês.

Passa-se numa mercearia, onde, a propósito de um assunto que não é relevante para a história, alguém precisa de acompanhar o merceeiro às traseiras, passando pelos armazéns da retaguarda. Atravessando um primeiro, repleto de sal até acima, chega-se a um segundo, também atestado de sal, até um terceiro, e os sacos de sal sempre presentes, ocorre sondar o merceeiro:

- O senhor aqui deve fartar-se de vender sal…
- Eu? Nem por isso… Agora o vendedor que me vende o sal a mim, nem imagina…

Segundo toda a doutrina económica, incluindo a dos tontinhos liberais do fundamentalismo antropomórfico do mercado, este merceeiro, porque não segue as suas regras, vai falir comercialmente. O problema, como uma grande quantidade de problemas por aí, é o que vai acontecer até lá. E o que farão, vendedor e comprador, no dia seguinte.

A frase mais caustica a respeito desses analistas do longo prazo pertence ao economista John Maynard Keynes, que afirmou que, no longo prazo, estaremos todos mortos. Sem menção de qualquer prazo, também posso assegurar que a minha chave fixa há-de sair no euromilhões e que Portugal há-de ser um projecto falhado…

Regressando à história do vendedor de sal de sucesso, ela costuma ser evocada como um alerta de que o sucesso comercial não pode ser um fim em si mesmo. A falta de um mecanismo de controlo pode levar a um período de prosperidade artificial que depois termina bruscamente.

Parece ter sido a nossa história dos últimos anos. Esperemos que não se repita.

25 março 2006

A INÉRCIA

As pesquisas na Internet têm destas coisas. Andava eu à procura de algo que ilustrasse a inércia quando me aparece este dispositivo de bolas que é um exemplo perfeito… mas da conservação da energia. Enfim, seria quase um paradoxo que, na física, se demonstrasse a inércia dinamicamente; pelo menos a inércia de que quero tratar.

Essa, tem um nome que ultimamente se tem tornado extremamente popular no arsenal judicial português: providência cautelar. Em que é consiste? Como a justiça portuguesa em geral não funciona, potencia-se essa sua capacidade inerte, apelando ao lado mais engonhado do espírito português e não permitindo que se possa fazer nada.

Qualquer advogado habilidoso por esta altura já aprendeu a manobrar com a inércia. Exemplo: o ministério dos negócios estrangeiros quer extinguir uma porção de cargos em embaixadas; a reacção dos ocupantes dos cargos, aconselhados pelos advogados foi a de pedir uma providência cautelar, impedindo o seu afastamento; obtêm-se ao menos uns seis anos até à resolução judicial do caso. Nessa altura já lá está outro ministro, de certeza.

Outro episódio muito conhecido foi o da providência cautelar para impedir a conclusão das obras do túnel do Marquês de Pombal, em Lisboa. Agora lá está, buraco feito, uma confusão (ainda maior) no trânsito, mas o Sá Fernandes já saiu nos jornais e até foi eleito vereador. Se se contam os dias que faltam para a Expo 98, o Euro 2004, o Rock in Rio, porque não se afixa um placard electrónico a contar os dias, horas, minutos, que a obra está parada? Essa informação até podia alternar com as fotografias de Sá Fernandes, Carmona Rodrigues e, evidentemente, do juiz que despachou a tal providência cautelar...

A ideia da providência cautelar não é propriamente nova; a versão popular do conceito sintetiza-se até num ditado que é muito antigo, como se nota pela sua ruralidade e pela sua falta de higiene: não caga nem desocupa a moita. O que é moderno é a ideia de aproveitar a justiça portuguesa para alguma coisa, dado que o resto dos cidadãos têm andado um pouco perplexos do que é que ainda se pode fazer com ela.

No entanto, se me for possível mais uma sugestão, também seria interessante que um dos colegas de Baptista Coelho, o juíz sindicalista, emitisse uma das ditas providências cautelares para não o deixar aproximar-se muito das câmaras de televisão. Sempre seria um serviço que prestava à sua classe…

ARITMÉTICA SIMPLES


Se os 10 votos custaram 334 euros ao tal camarada dos cheques do PS, então o valor médio por voto andará pelos 33,4 euros. Por esse valor médio, poder-se-á atribuir ao resultado eleitoral de José Sócrates de há um ano uma valorização de 90 milhões de euros (33,4 x 2,7 milhões de votos), ou seja, 18 milhões de contos, pelas contas antigas.

Ora valores desses nem impressionam, quando comparados com as OPAS de Belmiro de Azevedo ou até mesmo com os valores que chegam a ser atingidos pelo jackpot do euromilhões. Uma vitória eleitoral em Portugal terá, de certeza, um valor bastante superior aos 90 milhões mencionados.

Restam as hipóteses de me ter enganado nas contas, ou de as ter feito com números errados. Os dos resultados eleitorais do PS estão certos, o valor médio de cada voto é que pode estar grosseiramente subestimado. Quer-me parecer que, dentro do PS, existe uma fracção dos seus militantes que são mesmo de baixo valor... O que contraria a política governamental de qualificação da mão de obra...

E isso é deprimente, não há pose, nem slogan, nem polegar arrebitado que valha a Sócrates.

AS BASES

Confesso não saber se a prática do que foi descrito no post anterior no episódio não ficcional é autorizada ou proibida pelos estatutos do PS e mesmo se, sendo sancionada, isso acontece na prática ou se se fica apenas pela teoria. Também não sei até que ponto esta ou outras práticas estarão difundidas. Suspeito bem que as duas coisas acabem até por estar associadas.

Usando o senso comum, não há três nem mesmo duas maneiras alternativas de as classificar: são eticamente reprováveis. Não ficam, aliás, muito distantes das práticas dos voluntários da pide e da legião portuguesa quando andavam de mesa em mesa a arranjar votos para eleger o Almirante Tomás contra o General Delgado.

Ainda anteontem, um ex-vereador de Felgueiras, Horácio Costa, declarou que tinha informado oportunamente a sede nacional do PS dos problemas que depois descambaram no designado processo do saco azul. Como a notícia mencionava expressamente José Sócrates, Jorge Coelho e António Guterres, considerei-a uma tentativa canhestra de atirar merda à ventoinha. Hoje, tenho as minhas dúvidas se não haverá alguns resíduos de verdade na história.

Fico para saber se o tal camarada dos cheques que, pelos vistos até ganhou as tais eleições concelhias, sobreviverá incólume à sua iniciativa benemérita pela militância dos seus camaradas mais necessitados… Apesar da sua trajectória política lhe estar a correr muito bem, apesar do prometido choque tecnológico, suspeito que o Engenheiro Sócrates tem, no que diz respeito ao partido que dirige, os pés a chafurdar na merda.

CLEMENZA

Uma história: Em 1945, em Nova Iorque, Estados Unidos, Peter Clemenza (o actor Richard Castellano) era um dos capo regimes de confiança da famiglia Corleone, dirigida por Don Vito. Era ele um dos que conferiam toda a seriedade à famosa expressão sinistra de Don Vito: - Vou-lhe fazer uma oferta que ele não vai poder recusar…

Outra história: Em 2006, em Setúbal, Portugal, em dia de acto eleitoral interno de um partido político, há um responsável de uma organização concelhia que, pretendendo manter o cargo, rapa de uma carteira de cheques e paga as quotas em atraso desde há quatro anos de um punhado de apoiantes seus, para lhes conferir direito de voto. Montante pago: 334 euros, só naquela secção. A par da hipótese da benemerência, fica a especulação de quanto poderia render o cargo para compensar investimentos desses.

Pergunta-se: O que é que estas duas histórias têm em comum? Nada. Uma delas é de uma obra de ficção…

24 março 2006

AMÉRICA INCOMPREENSÍVEL


A propósito de um amigo que me enviou um excelente trabalho sobre a composição do Congresso (o Senado e a Câmara de Representantes) norte-americano, e sobre as resultados que se poderão esperar nas próximas eleições intercalares de 2006 nos Estados Unidos, apeteceu-me pôr um poste sobre aqueles americanos que, existindo, só têm direito a aparecer-nos no cinema e na televisão como caricaturas.

À esquerda aparece Slim Pickens, que mencionei outro dia a propósito de um poste sobre o filme Dr. Strangelove. Os papéis de Slim Pickens são normalmente os de um rústico rural conservador (podem apreciá-lo assim, por exemplo, em 1941 de Steven Spielberg). E Slim Pickens era um rústico rural: quando foi filmar Dr. Strangelove a Londres teve que pedir o seu primeiro passaporte – quase com 45 anos!

O actor da direita chama-se Carroll O´Connor mas é o seu personagem da série de televisão, All in the Family (1971), Archie Bunker, que aqui está retratado. Bunker, que acabou por tomar uma existência autónoma, quase que abafando o actor, é o rústico urbano conservador. Um e outro são os americanos médios que são frequentemente obesos, fizeram de John Wayne um ícone, uivam de alegria nas festas e… elegeram George W. Bush.

E deixemo-nos de complexos, porque são de uma sofisticação idêntica à da assistência entusiasmada que bate palmas ritmadas nos espectáculos do Quim Barreiros aqui em Portugal. A causa dos problemas de desenvolvimento em Portugal não deve passar por aí...

SONIA GANDHI



As histórias, como a vida, raramente são a preto e branco, mas há cinzentos-claros a que vale a pena dar destaque. A senhora da fotografia chama-se Sónia Gandhi, tem 60 anos e é a viúva do antigo primeiro-ministro indiano Rajiv Gandhi e, portanto, nora de outra antiga primeira-ministra indiana, Indira Gandhi.

Actualmente é a líder do maior partido da coligação que está no poder em Nova Deli: o partido do congresso. Mas vale a pena conhecer um pouco da história desta senhora de origem italiana, que casou com o filho da primeira-ministra em 1968, mas que manteve a sua confissão religiosa (católica romana), só adquiriu a nacionalidade indiana 15 anos depois de se ter casado e porque o marido se começou a dedicar à política e que resistiu às pressões para lhe “suceder” politicamente, quando ele foi assassinado em 1991.

Acabou por entrar na actividade política em 1998, como líder do partido do congresso, deputada e a chefiar a oposição parlamentar em1999. Tendo o seu partido ganho as eleições de 2004, a sua nomeação para o cargo de primeira-ministra viu-se contestada pela oposição nacionalista predominantemente hindu pelo facto de ser de origem estrangeira e cristã (uma minoria de 2% na Índia).

Num golpe de mestre, retira a sua candidatura e propõe a de Manmohan Singh (na foto, com Sónia Gandhi) que, apesar de ser um indiano da mais pura estirpe, professa uma religião também minoritária (sikh, uns 2% da população), mas que, por outro lado, era praticamente inatacável pela competência demonstrada anteriormente na pasta de finanças. Singh tornou-se e é hoje o primeiro-ministro da Índia.

Recentemente, na sequência de acusações da oposição de que violava os regulamentos parlamentares ao conservar um emprego público remunerado, demitiu-se do cargo de deputada. Os seus defensores argumentam que nestas ocasiões se demonstrou o seu desapego ao poder, os seus opositores preferem considerá-la uma hábil manobradora política.

Mesmo estando a Índia praticamente do outro lado do mundo, mesmo estando a Índia normalmente afastada dos holofotes mediáticos, consegue-se identificar uma mulher de categoria quando se encontra uma...

A COLHER DA AVÓZINHA

Embora eu gostasse muito da minha avó venho aqui confessar que ela tinha um hábito que me irritava soberanamente. Consistia em, quando me servia, só parava uma colher depois da minha instrução de: chega!

A desculpa tradicional era que aquela última colherada correspondia apenas ao esvaziar do que já estava no fundo da colher, o que era mentira, pois eu bem a via voltar ao tacho e regressar lá de dentro com a colher atestada até mais não.

Houve uma fase em que eu, compreensivo, me questionei se a senhora não teria problemas de audição que retardassem a sua reacção ao meu pedido cada vez mais desesperado: chega!

Qual quê! A hipótese só se manteria se fosse a desgraçada da colher a provocar interferências na sua audição, porque no dia a dia ela ouvia impecavelmente. Aliás, até morrer aos 89 anos, sempre ouviu impecavelmente.

Claro que ela queria ver o seu neto crescer forte e saudável mas eu não estava para me empanturrar com a colherada suplementar que não desejava. Resolvi a situação anunciando o chega! precisamente uma colher antes daquilo que desejava…

Lembrei-me deste pormenor, destes pequenos truques das relações domésticas, depois de saber que o governo anda a montar o que parece ser um estratagema que, a coberto da uma reforma administrativa necessária, extinguindo distritos e governadores civis, embrulha aquilo tudo com uma espécie de regionalização, precedendo (mais) um referendo sobre a mesma.

Eu bem sei que temos um governo que domina excelentemente as técnicas comunicacionais, mas, mesmo à distância, tudo aquilo parece, cuspido, o método da colher suplementar da minha avó!

23 março 2006

OS IATES DE PAULO PORTAS

Muito se tem falado acerca do Audi que Pedro Santana Lopes mandou adquirir para seu uso pessoal enquanto presidente da Câmara Municipal de Lisboa. Também são conhecidos os desenvolvimentos posteriores com Santana Lopes a afirmar que ficava com o carro, pagando-o, depois já não ficava, enfim, o homem é um brincalhão e eu ainda tenho contas a ajustar com mais de 100 conselheiros nacionais do PSD que deviam saber isso e, mesmo assim, confirmaram a sua indigitação para o cargo de 1º ministro.

Menos conhecida é a notícia de página mais recuada do jornal (p.14 do Público de 23 de Março), que consiste no facto de Paulo Portas ter deixado uma verdadeira embrulhada (um verdadeiro trinta-e-um, atendendo ao ministério em causa, o da defesa) na programação da aquisição de equipamentos militares, depois de, na sua passagem pela pasta, ter executado irreversivelmente a decisão de adquirir o tal par de submarinos de que andávamos muito precisados há já muitos anos.

Talvez o mais penoso seja a constatação de que todos estes embrulhos não são resultado de uma daquelas teorias conspiratórias, tão apreciadas entre nós, mas da pura e simples inépcia: não se equacionou em profundidade o impacto que as regras de contabilização das aquisições de equipamento militar poderiam vir a ter no défice orçamental.

No mesmo dia, no mesmo jornal, umas páginas adiante (p. 41), fica-se a saber que dois empresários portugueses, Henrique Neto e João Menezes Ferreira, foram depor à comissão parlamentar de Assuntos Económicos onde expuseram o que consideram o inacreditável amadorismo dos representantes do governo português na negociação das contrapartidas devidas ao estado português por parte das empresas fornecedoras de equipamento militar.

Eu bem sei que existe um ditado, do mais português que há, que diz quem vier atrás de mim que feche a porta, mas será que Paulo Portas, que era o ministro da defesa à época destas decisões, com o sentido de responsabilidade que costuma mostrar, mesmo com ajuda dos pais visto ser solteiro, não quererá seguir o exemplo de Pedro Santana Lopes, e dispor-se a comprar nem que seja só um submarino?

É que ele, quando era ministro da defesa, disse que eles serviam para tanta coisa…

O PRINCÍPIO DA FUNCIONALIDADE DAS COISAS

A moçita que aparece à direita nesta fotografia chama-se Kornelia Ender, era da defunta Alemanha Democrática e tornou-se conhecida como nadadora nos Jogos Olímpicos de 1976, em Montreal, quando se tornou tetracampeã olímpica.

Outra característica que é capaz de lhe ter conferido notoriedade é que possuía uma carinha engraçadita em cima e em contraste com aquele corpinho. Era um corpinho que não desdenharia, em cabedal e caparro, a qualquer trolha experimentado da construção civil ou a um qualquer body builder de ginásio, mesmo um Arnold Schwarzenegger em início de carreira.

Para ver quanto uma fisionomia benigna pode atenuar o aspecto geral, compare-se Kornelia com a sua parceira de fotografia, que é um verdadeiro charme… Aquilo não era a Kate Moss, mas a equipa feminina de natação da RDA*, que se fartou de ganhar medalhas em Montreal. Um tipo físico marcado, memorável mesmo, infelizmente nos últimos tempos tem andado ausente das passerelles

Corre uma história, que o responsável norte-americano da equipa de natação (que habituado a papar as medalhas todas, estava a levar uma abada no sector feminino naquele ano) se meteu com o seu homólogo alemão oriental, aludindo à voz bastante grossa das nadadoras da sua equipa.

A resposta veio, imediata, teutónica na sua lógica implacável:
- Viemos cá para nadar, não para cantar.

É esta lógica funcional alemã que me faz suspeitar que expressões como “eixo franco-alemão” não passem de peças de retórica inconsequente. Estamos a assistir a uma mise en scéne rebuscada da parte do governo francês e do seu chefe, Dominique de Villepin, no seguimento das reacções à recente legislação laboral para jovens.

Ou bem que no governo estão convencidos da justeza da legislação, a justificam junto da opinião pública e a implementam ou têm medo das consequências e, então, retiram-na. Ou, parafraseando o treinador da RDA, a que se junta um travo bem lusitano, pois claro:

- Eles foram para lá para governar, não para guterrices

* República Democrática Alemã

MATEMÁTICAS

Foi por um punhado de vezes que ouvi a pessoas de formação jurídica a citação de um comentário atribuído a Marcelo Caetano, sobre a irrelevância das estatísticas, citando o exemplo do rico que comia o frango, o pobre não, o que daria meio frango a cada um.

Não sendo um exemplo inteligente – a inteligência de Marcelo Caetano residiria noutros domínios, com certeza – é um exemplo simbólico da forma como se hierarquizaram, durante décadas, os saberes e a Cultura em Portugal.

A Cultura, sem dúvida por causa dos seus protagonistas, tendeu em assentar numa predominância desmesurada da componente humanística do saber. Santana Lopes foi exposto ao ridículo por ter inventado uns concertos de Chopin, mas arrisco dizer que não haveria a mesma troça se tivesse inventado mais um par de planetas imaginários ao Sistema Solar.

Ora, por muito petulantes e habilidosos que possam ser, os ignorantes são-no sempre, independentemente do campo do saber em que ela se manifeste. É tão escandalosamente embaraçoso haver licenciados em engenharia ou medicina que escrevem com erros de português como licenciados em história ou direito que não sabem fazer regras de três simples.

Felizmente, parece que os currículos mais recentes do secundário têm vindo a corrigir esta distorção. Aos alunos que pretendem seguir cursos nas áreas de humanidades é-lhes ministrada uma disciplina que dá pelo nome de Matemática Aplicada às Ciências Sociais (MACS). É fácil adivinhar que a disciplina deva ser um terror, pois são os velhos hábitos os que mais demoram a passar.

Mas é desejável que, a par dos engenheiros das gerações futuras que saibam distinguir o sujeito do predicado, os nossos juristas não fiquem confusos ao calcular quanto é metade de 1/6. Qualquer dos exemplos é indispensável a quem se considere como alguém com formação superior.

Ou, usando um exemplo concreto recente, evitar que se repitam episódios como o da ligeireza com que o Procurador-Geral da República afirmou em público que não fazia a mínima ideia do que era uma folha de cálculo de Excel, até ao aparecimento do caso do famigerado envelope 9.

Louvando-lhe a sinceridade, é um episódio lamentável pela ignorância, mas também pelo que pode demonstrar da (sua pouca) curiosidade intelectual e também pela falta de propensão para a evolução. Enfim, não foi lá muito brilhante.

22 março 2006

CORRESPONDENTES

As intervenções dos correspondentes nos programas de informação sempre foi importante, tanto mais que, quando ele é bom, o espectador tende a associar a imagem e o discurso do correspondente ao país onde está destacado.

É sempre um desafio para o próprio perder a imagem de marca do país de origem quando muda de colocação e é um desafio para o seu sucessor ficar com ela para si. Às vezes, essa imagem nascia até de pontos fracos do correspondente: Vasco Lourinho, que foi correspondente em Madrid, falava o português nas suas crónicas com toda a musicalidade e a entoação do castelhano madrileno.

É de dar todo o crédito a Carlos Fino, correspondente em Moscovo anos a fio, que se tenha conseguido desgrudar da imagem do chapéu de peles e do bafo gelado de uma substancial parte das suas crónicas enviadas da União Soviética.

É um paradoxo que a sua imagem de marca actual não seja culpa sua: é de um José Rodrigues dos Santos interrompendo desastradamente o convidado em estúdio para lançar avisos em tom angustiante: “Carlos Fino! Carlos Fino! Sirenes em Bagdad! Sirenes em Bagdad!” – e o bom do Carlos Fino sem nada para dizer, a não ser o óbvio: que se ouviam sirenes em Bagdad…

É também um dos aspectos em que a concorrência entre estações de TV poderia ter estimulado a competição mas onde os resultados são confusamente mistos. Assim, por exemplo, nos Estados Unidos a vantagem vai inteirinha para Luís Costa Ribas da SIC, havia uma vantagem RTP nítida em Espanha (Cesário Borga) que se perdeu, empates de alta qualidade na Rússia (José Milhazes e Evgueni Mouravitch) e de menos alta em Bruxelas (António Esteves Martins e Fernando de Sousa) e nem sei se António Mateus chega a ter concorrência ao seu (bom) trabalho na África do Sul.

Mas é sobre José Milhazes (na imagem) que pretendo falar, porque conseguiu apagar a imagem da Rússia de Carlos Fino, envergando aquela barba e aquele aspecto de monge de mosteiro ortodoxo russo e mais a capacidade de pronunciar Yeltsin como só ele o sabe fazer – Mouravitch evidentemente fá-lo, mas é um local.

Ontem, Milhazes esteve em estúdio, na SIC Notícias, para analisar as eleições na Bielorússia com Mário Crespo. Tirando a galgada deste último, que confundiu a Rússia Branca (Bielorússia) com os russos brancos (monárquicos) da guerra civil de 1917-21, o programa mostrou um correspondente profundamente conhecedor da realidade política, económica e social do que reporta, mais do que um correspondente, um verdadeiro analista.

Só não sei para onde poderá ser destacado depois da Rússia. Talvez Luanda – José Milhazes faz lembrar, vagamente, Pepetela.

A CONQUISTA DA FORTALEZA

A propósito do programa televisivo semanal de Paulo Portas, transmitido ontem, mais uma vez, na SIC Notícias, deixem-me levar à vossa consideração uma comparação: a de que a confiança da opinião pública pode ser vista por um político ambicioso (como Portas) como a conquista de uma fortaleza.

Mas, atenção, a sê-lo, será uma daquelas fortalezas de estilo Vauban como a aqui representada, composta por muralhas múltiplas, redutos fechados, baluartes permitindo o cruzamento de fogos. A conquista de um desses redutos não representa a conquista definitiva de toda a fortaleza.

O primeiro factor a decidir é o terreno. Ninguém conquista nada se não dominar e tiver acesso ao terreno adjacente à fortaleza. E o terreno neste caso chama-se comunicação social. Sem ela, Portas passa ao esquecimento, por isso tornou a pôr-se em campanha.

Mas, se a comunicação social define o terreno, os seus agentes (jornalistas) também dispõem de um reduto dentro da fortaleza, um reduto que Portas bem conhece do tempo do Independente. Embora Portas aí tenha amigos, também tem muitos inimigos e encarniçados, não existindo nada da benevolência geral que normalmente reservam ao seu grande rival futuro, Louçã.

No centro é capaz de estar o reduto da torre de menagem dos que se acham líderes de opinião. Aí é território de José Pacheco Pereira, dos 4.000 visitantes diários do seu blog, mais os leitores dos seus artigos do Público, da Sábado, etc. Embora muito selecto – não se perdoa a Portas os acessos de populismo do passado – os habitantes do reduto também não são muito numerosos: a SIC experimentou usar Pacheco Pereira para concorrer com Marcelo na TVI e levou uma tareia.

Próximo, está um outro reduto, o daqueles que se achando bastante diferenciados – palavras de uma amigo meu – não possuem espírito crítico – palavras de outro amigo meu. Exemplos: ainda compram o Expresso ao Sábado, sobretudo para o passear, e ainda levam a sério as análises de Marcelo Rebelo de Sousa na RTP 1, ao Domingo, feitas em alíneas para mostrar método, mas de uma consistência leve, como água gaseificada. É o reduto que não será de todo antipático a Portas: na intimidade há aspectos em que concordam com ele, não o ousando afirmar em público devido à má reputação notória de Portas.

Finalmente há o reduto que rodeia os bairros mais populares que, ouvindo Marcelo na TVI, preferiram o canal ao comentador. Engana-se quem pensa que a maioria das pessoas deste reduto são imunes a uma boa persuasão televisiva. O que lhes é contado tem é que ter enredo, veja-se o sucesso que os programas de José Hermano Saraiva têm, e onde a História não passa de um pretexto para um enredo de fazer inveja a Dan Brown. Só que Portas, nestes redutos, anda com a reputação muito em baixo depois das promessas das pensões para os ex-combatentes.

Portanto, pelo discurso, pelo fatinho, pela postura, iria apostar que Paulo Portas quer disputar a Marcelo a popularidade do reduto do Expresso. Seria o alvo que eu escolheria se estivesse no seu lugar, embora seja uma luta desigual, porque a SIC Notícias não se compara à RTP 1. Contudo, usando este meio, este terreno discreto, baixa as expectativas dos resultados expectáveis e evita, por exemplo, que se possam fazer comparações, para não levar tareias como a de Pacheco Pereira.
Tenho cá um palpite que a este Paulo Portas não o vamos ver na feira...

P.S. – Há um outro comunicador com programa regular, mas não tem reduto. Ou melhor, se tiver, são só muralhas à volta dele (e eventualmente da Judite Sousa). Chama-se António Vitorino e passa à Segunda-Feira, na RTP 1, numa espécie de tempo de antena do PS.

P.P.S. – Falando em comunicadores: alguém sabe de Francisco Louçã?

21 março 2006

SALAAM ALEIKUM*

Esta saudação em árabe destina-se a um verdadeiro tiro no pé em termos de relações internacionais dado recentemente pelos norte-americanos. E – surpresa! – deste tiro o presidente George W. Bush até nem tem culpa nenhuma.

Já está encerrado o episódio da aquisição de uma empresa britânica de tráfego portuário por parte de uma empresa dos Emirados Árabes Unidos. Alguns dos portos sobre os quais a empresa britânica tinha a concessão ficavam nos Estados Unidos. As chatices levantadas pelos americanos foram tantas que os árabes acabaram por vender essa divisão da empresa.

Os defensores do liberalismo e da globalização nos Estados Unidos (que são muitos) têm pela frente mais um episódio de contorcionismo argumentativo para explicarem porque é que as vantagens da liberdade de comprar e vender nem sempre se aplicam, sobretudo quando os bens adquiridos são norte-americanos.

Mas este episódio transborda das argumentações sobre ideologia económica para as das diferenças religiosas, culturais e civilizacionais. Se, pela definição americana da Guerra ao Terrorismo, estes árabes que compraram a empresa são dos bons, e mesmo assim não há confiança neles para que fiquem com a gestão dos portos, qual é a diferença, na prática, entre um árabe bom e um árabe mau?

* Saudação árabe: a paz esteja contigo.

MANOBRAS NA CASA BRANCA


Há muito de verdadeiro na afirmação que a maioria dos filmes norte-americanos atravessam o Atlântico para a Europa com a apreciação já feita lá do outro lado. A tarefa na Europa fica-se pela justificação mais ou menos elaborada do que já veio classificado da América.

Existem excepções (Woody Allen é uma das óbvias), mas descobre-se a evidência de que há uma passividade entre a crítica cinematográfica europeia quando apreciamos o que aconteceu ao filme Crash, o recente vencedor do Óscar para melhor filme de 2005, que passou por aqui praticamente desapercebido – como aconteceu nos Estados Unidos, de resto. Até ao prémio, evidentemente.

Provavelmente, aconteceu algo de muito semelhante a este Wag the Dog (1997), de Barry Levinson, com a diferença substancial de não ter ganho nenhum Óscar – embora, valha a verdade, tenha sido premiado em Berlim. Mas, na essência, a sociedade americana detestou o filme – tinha razão para isso, gozava com ela como poucas vezes vi acontecer – e ele chegou à distribuição na Europa envolvido num muro de silêncio.

Em português, o filme ficou com o título de Manobras na Casa Branca, um passo arriscado mas acertado, dado que o título original contém um trocadilho de tradução que se torna quase impossível definir em poucas palavras: o cão (dog) abana (wag) a cauda (tail), mas tail wags dog (cauda abana cão) também significa pôr o carro à frente dos bois e preceder os acontecimentos, algo que é essencial no decorrer da acção do filme.

O filme teria tudo para ser um sucesso de bilheteira: realizador, actores principais (dois colossos como Dustin Hoffman e Robert de Niro) e a coincidência do argumento e do lançamento comercial do filme. A história do filme começa por um potencial escândalo na Casa Branca, com o presidente envolvido com uma menor; ao mesmo tempo, na vida real, começava o caso de Bill Clinton com Mónica Lewinsky…

Só para descobrir mais um pouco do véu da história, torna-se necessário abafar o caso do presidente por mais umas semanas até à sua reeleição e um assessor da presidência, de aspecto sinistro (de Niro), vai contratar um produtor (hoje diríamos um promotor de eventos) de Hollywood (Hoffman), que, para distrair as atenções, vai desencadear uma guerra com a Albânia, além de muitas outra peripécias que mantiveram o circo mediático distraído e longe da bronca que poderia custar a reeleição ao presidente.

O que mais me impressiona no filme é a pontaria e o à vontade dos argumentistas nos exemplos empregues, o que me leva a suspeitar que tenham tido a assessoria de antigos profissionais. E é com esses profissionais, discretos, que quero regressar ao presente e ao penoso exercício da presidência que tem ultimamente vindo a ser feito por George W. Bush.

Suspeitou-se que a doença de Karl Rove, o seu crucial assessor de imprensa, tinha sido a responsável principal por aquele tremendo desastre de relações públicas na sequência do outro desastre, o furacão que causou a inundação de Nova Orleães. A oposição democrática, entretanto, tem Rove neutralizado, flagelando-o com audições a que ele precisa de responder, o que lhe requer tempo e preparação.

O congressista Tom Delay, republicano do Texas, e que tinha sido fundamental para as manobras presidenciais junto dos órgãos legislativos também foi neutralizado por causa de problemas associados ao financiamento de campanhas eleitorais.

Em termos internacionais, a recente visita de Bush à Índia, saldou-se pela assinatura de um tratado nuclear que o 1º ministro indiano negociou até ao tutano, consciente que Bush não podia regressar de mãos a abanar. Para coroar toda a cena, estão-se a pôr nuvens muito negras lá para as bandas do Congresso, sobre as possibilidades de aprovação do referido tratado.

É claro que o incidente não contribuirá, dentro e fora das fronteiras, para o prestígio da Casa Branca. Imagine-se, até o Zé Manel Barroso já se atreveu a dizer publicamente, a propósito da comemoração dos três anos de invasão do Iraque, que na Cimeira dos Açores, o George lhe tinha dado uma banhada. Com o cauteloso Zé Manel com estas ousadias, imagine-se o que se possa andar dizer do homem, em privado, por esse mundo fora...

Se nos baseássemos no modelo original para o qual a presidência americana foi concebida, tudo isto não teria um significado por aí além – o presidente era o homem forte que escolhia pessoalmente o staff que o poderia ajudar. Veja-se o exemplo de qualquer dos presidentes Roosevelt.

Só que os presidentes mais modernos (como parece ser o caso de Reagan ou do Bush em exercício) parecem resultar de uma equipa que tem ambições de poder e que escolhe aquele que lhes parece cenograficamente mais talhado para o exercício do cargo.

E os resultados parecem estar à vista: talvez me engane, mas arriscamo-nos a perspectivar três anos de interregno até que alguém possa vir ressuscitar o braço executivo da maior potência do planeta…
Entretanto, vale a pena alugar Manobras na Casa Branca no videoclube.

20 março 2006

QUANDO O MAR BATE NA ROCHA…

Este poste é pretensioso porque pretende ter conteúdo pedagógico. O senhor da imagem do lado é russo, chama-se Mikhail Khodorkovsky e já foi colossalmente rico. Agora é um preso, que foi julgado em tribunal, com grande publicidade, e aquelas grades a rodeá-lo. Qualquer coisa parecida com Belmiro de Azevedo em Custóias.

O destino da sua, outrora colossal, empresa petrolífera, Yukos, será decidido no próximo dia 28 de Março. Nas palavras de Tim Osborne, director da GML (a sociedade holding que detém 53% do capital da Yukos): “pelas evidências, o governo russo quer a morte da Yukos. Os administradores (da massa falida) agiram segundo instruções vindas de cima. Mas nós não estamos dispostos a aceitar isso.

Khodorkovsky chegou a ser considerado o homem mais rico da Rússia, mas deve ter entrado em rota de colisão com o presidente Vladimir Putin. E o governo russo arranjou à Yukos um processo por evasão fiscal que a mandou directamente para a falência. Entretanto não houve sinais de mais preocupações com as situações fiscais das suas concorrentes.

A queda de Khodorkovsky pode servir de demonstração aos que andam mais distraídos, e que acham que a democracia e a liberdade são valores adquiridos nas sociedades modernas, ao que é que um poder político autocrático pode fazer quando confrontado com o poder económico, mesmo que se trate do homem mais rico do país.

Há modelos económicos, liberais, onde as virtudes do mercado se impõem, mas eles só funcionam bem em democracias. E as democracias costumam reagir muito mal ao aumento das assimetrias sociais com os pobres cada vez mais pobres e os ricos cada vez mais ricos.

Se os ricos não se preocuparem com os pobres, as democracias fragilizam-se e tendem a acabar. Em autocracia, os pobres podem continuar pobres, mas, como se vê por este caso, até pode acontecer que os ricos fiquem pobres… Em autocracia, quando o mar bate na rocha, pobre ou rico é mexilhão...

O QUE LHES FAZ FALTA…

Há uma música de Zeca Afonso com um refrão parecido, mas é de uma outra história, provavelmente apócrifa, que quero escrever. Trata-se de uma conversa travada entre dois oficiais nobres do século XVIII (aqueles dois termos são até redundantes para o período em causa), um deles francês e o outro prussiano.

Dizia o francês: - Vocês batem-se apenas pelo dinheiro enquanto o exército francês bate-se sempre pela honra!
E a resposta veio, pragmática: - Cada exército bate-se sempre por aquilo que lhe falta…

Deve também ser o que lhes faz falta, a razão que deve estar por detrás da escolha das palavras fortes que servem de decoração de palco aos Congressos dos partidos. Não me lembro de quais eram as dos Congressos precedentes do PSD, mas neste, depois do episódio do menino guerreiro, CREDIBILIDADE é um produto de que o PSD anda muito carenciado…

OUSAR LUTAR, OUSAR VENCER… USAR O PC

É notório que o período do PREC (processo revolucionário em curso, para os mais novos) foi época de experimentações ousadas, de militâncias empenhadas, em que suspeito que até o absurdo foi mobilizado para as barricadas da revolução.

Assim, os tradicionais dilemas dos jovens a quem os pais proibiam a presença na rua para além de determinadas horas, eram considerados em organizações de vanguarda da classe operária como o MRPP*, como faltas de empenho revolucionário para além de serem rapidamente descartadas com o comentário: “se os teus pais não te deixam ir, promoves a luta de classes lá em casa…

Este último slogan sobre a promoção da luta de classes doméstica – um terreno onde, suponho, Mao não deva ter doutrina publicada - veio-me à memória quando um amigo meu se lamentou que as suas duas filhas lhe bloqueiam o acesso ao PC, impedindo-o de publicar os seus posts, ou de responder à sua correspondência.

Ora este meu amigo, dirigente estudantil daquelas épocas, embora de uma organização menos castiça, também não foi pessoa para se deixar ficar por situações intermédias: lembro-me de me ter contado que, a certa altura, se chegou a levantar a hipótese da sua passagem à clandestinidade…

Ora, pergunto eu, de que está ele à espera para recuperar o fervor revolucionário de outras épocas e promover uma luta de classes seguida de uma ditadura do parentado? E daí, não sei, como é que se compatibilizará o pensamento de Mao Zedong com o de Santa Teresa de Ávila?

Com um grande abraço ao Ricardo e votos de muitas felicidades ao Nada te turbe.

* MRPP acabou por se tornar num substantivo. Acessoriamente pode funcionar por acrónimo de Movimento Reorganizativo do Partido do Proletariado ou Meninos Rabinos que Pintam Paredes. Entre os rabinos que pintavam as paredes contam-se uma profusão de colunáveis da actualidade, incluindo aquele senhor que esteve aqui em trânsito, a fazer o tirocínio para a sua carreira europeia e, quiçá, internacional.

19 março 2006

A REVOLTA DE NIKA

Em Janeiro de 532, reinando o imperador Justiniano em Constantinopla, ocorreu ali uma das revoltas populares mais sérias que chegou a pôr em causa a continuação de Justiniano no trono.

Segundo os relatos que chegaram até nós, foi dos grupos de apoiantes das equipas do hipódromo*, organizados de uma forma muito semelhante à das actuais claques dos clubes de futebol, que partiu a iniciativa e as tropas que tentaram assaltar o palácio e que puseram a ferro e fogo a cidade durante cinco dias.

Mau grado o detalhe da narrativa do que aconteceu, ainda hoje é quase um total enigma a compreensão sociológica das condições que levaram á revolta da população urbana da cidade mais próspera daquele período da Antiguidade.

Esse período, precedia a fase em que metade oriental do Império Romano, de que Constantinopla era a capital, ainda mostraria a vitalidade que lhe permitiria reconquistar aos germânicos os territórios africanos, a península italiana, as grandes ilhas mediterrânicas (Sicília, Sardenha e Córsega) e uma extensa faixa da península ibérica.

Nesta conjuntura histórica, a Revolta de Nika (assim ficou conhecida para a história), aparece como um epifenómeno produzido por populações saciadas e bem instaladas, dissonante num mundo de forças envolvidas em grandes transformações.

Será algo de muito parecido com isto que o futuro irá pensar das consecutivas revoltas em França?

* As corridas de quadrigas organizavam-se em 4 equipas de cor diferente: verde, azul, vermelho e branco. No tempo de Justiniano as equipas com maior número de sócios eram os verdes e os azuis. Quem quiser saber mais alguma coisa veja aqui, em inglês.

O LIVRO DA SELVA


Confesso que nunca li o livro de Rudyard Kipling. Para mim, a história de Mogli, o menino perdido na selva da Índia é em filme animado, a cores e com os personagens falando português com sotaque brasileiro: a versão dobrada dos desenhos animados da Walt Disney de 1967.

De entre a notável galeria de personagens quero recuperar a da cobra, Kaa, no original e Casca, na versão portuguesa, que, desde aquela altura, me fez sempre impressão porque hipnotizava as presas antes de as engolir.

Claro que, para benefício da história, tentou fazê-lo com Mogli mas acabou por falhar. Mas, para as crianças pequenas, como eu era na época, se o poder e a perigosidade do tigre (Shere Khan) eram compreensíveis e de temer, as manobras insidiosas da Casca, porque eram quase incompreensíveis, eram coisas de fugir.

Deve ter sido alguma associação livre que me levou da globalização ao livro da selva. Afinal, a globalização parece estar a mostrar-se, à sua maneira, uma espécie de selva, embora haja muitos arautos a anunciar que esta selva até é boa. Para a Índia, pelo menos, parece estar a ser.

Mas o mais incomodativo é o incontável número de Cascas, espalhadas pelos galhos das árvores da floresta, tentando convencer-nos (hipnotizar-nos?) de como a tal de globalização há-de ser boa e é tão inexorável que ela venha a acontecer…

18 março 2006

CHAMEM O (UM) TINO!

Faz já uns bons anos – ainda o Eng. Guterres tinha de fingir que decidia, imaginem lá! – quando o PS teve um Congresso que estava a decorrer soporífero, igualzinho ao do do PSD deste fim de semana.

Subitamente, a malta das notícias lá se entusiasmou porque um moço, labrego de aldeia de um tipo quase extinto, aparece a fazer um discurso a meio caminho entre o sério e o burlesco, culminado com um abraço entusiasmado ao camarada António Guterres, em que este ficou com os dois pés no ar!

Estava salvo o Congresso mediaticamente, porque em termos programáticos, de estatutos e de liderança a imagem do PS para o exterior foi a da paz podre, até ao meio minuto final que antecedeu o anúncio da sua demissão por Guterres.

Quando ouço os jornalistas televisivos encarregues da cobertura das trivialidades a queixarem-se que este Congresso do PSD está mortiço porque, para eles, a ausência de Pedro Santana Lopes – e a sua canção menino guerreiro... – faz-se sentir, ocorre-me a hipótese de se poder arranjar uma boa notícia recorrendo a um outro epifenómeno do mesmo género do Tino. O XXVIII Congresso do PSD ficaria salvo!

Só espero é que este hipotético Tino do PSD não seja levado tão a sério quanto o original. Constou que houve pessoas de responsabilidade e de maturidade dentro do PS – por exemplo, Almeida Santos, seu actual presidente – que chegaram a promover a ideia da inclusão do Tino em lugar elegível para deputado à Assembleia…

O 82º MOTIVO…

Ainda no rescaldo de um dos meus postes de ontem, do meu amigo Quim, que não tinha jeito para contar anedotas, e dos Monty Pyton, que tinham e ainda devem ter, apareceu-me, na televisão, alguém que considero que possui uma das caras mais cómicas em Portugal, enquanto desempenha uma das funções institucionais que requer uma das maiores (senão a maior) expressões sisudas.

Enquanto se lamentava da falta de cooperação entre a polícia judiciária e o ministério público, eu pus-me a imaginar a capacidade que o Dr. Souto Moura teria de arrasar a concorrência de um Fernando Rocha, um Nilton ou mesmo um Hermann José, se o conteúdo da sua conferência fosse bastante mais ligeiro.

Aliás, se não houvesse toda esta crispação a rodear os assuntos da justiça, já a expressão de bonomia e os óculos escorregando pelo nariz abaixo do Procurador-Geral da República teriam sido objecto da pena bondosa dos nossos caricaturistas. Assim como estamos, aconteceu ao sentido de humor o mesmo que à celeridade do inquérito do famoso envelope 9: evaporou-se…

Eu bem sei que já ter lido publicadas um ror de razões muito mais ponderosas para que o PGR , estando numa posição muito delicada, se resolva a apresentar a sua demissão ao Presidente da República, ou, não o fazendo, venha por este a ser demitido, mas, por muito superficial e irrelevante que esta aparente ser, deixem-me enunciá-lo apenas como o 82º motivo…

EUROSONDAGENS II

Ao ler, hoje, no Expresso, mais um trabalho da Eurosondagem, agora a propósito do que os portugueses pensam sobre o nuclear surgiu-me o corolário do que é a minha opinião sobre a referida empresa.

É igualzinha à que tenho sobre o Conselho de Arbitragem ou a estrutura dirigente da APAF*: lá por continuarem em funcionamento, não me parece razão suficiente para acreditar na sua seriedade…

* Associação Portuguesa dos Árbitros de Futebol

17 março 2006

(SEM PALAVRAS)


Este poste era para se ficar por aqui, com a associaçãozinha entre o Vasco (a preto e branco) e o slogan (de um colorido foleiro), porque têm tudo a ver um com o outro. A leitura de uma qualquer crónica do Vasco make us allways look on the bright side of life*. Contudo, veio-me à memória a história antiga de um amigo que pretendia explicar um daqueles gags sem palavras e não resisti. Foi assim:

São capazes de fazerem quase uns 30 anos, certo dia, o meu amigo Quim, que tinha pedido emprestado um daqueles vulgares livros de anedotas – uma leitura indispensável para aqueles momentos do dia em que precisamos estar mais reflexivos… - deu depois em contar, enquanto lavava as mãos, como sua, uma das anedotas que tinha acabado de sacar do livrinho a uma audiência que calhava estar por perto.

O sucesso foi tão grande – o Quim, bom moço, não tinha mesmo jeito nenhum para contar anedotas – que a audiência só deu em desatar a rir da infelicidade do rapaz o que, para além de atrair mais gente, entusiasmou sobremaneira o Quim, rapaz ingénuo, e que, perante aquele êxito, não hesitou em continuar a sua actuação, indo buscar o seu reportório ao mesmo sítio da anedota original – o tal livrinho com as piadas infelizes.

O Quim estava feliz com as gargalhadas da audiência, esta talvez ainda mais com a inocência do Quim, mas tudo o que é bom tem de acabar e o stock de piadas do livrinho de anedotas esgotou-se. Fim da história? Não. Em desespero Quim folheia o livro à procura de uma daquelas páginas com uma gravura inteira rematada com o subtítulo SEM PALAVRAS e propõe à audiência que já se estava a desmobilizar:

- Esta é sem palavras, mas eu vou explicar…

Foi a coroa de glória da sua actuação e nem chegou a explicar…

* faz-nos sempre olhar para o lado melhor da vida. A expressão é também o refrão de uma música de um filme dos Monty Phyton, A Vida de Brian.

EUROSONDAGENS

Já lá se vão, ao longe, a campanha e as eleições presidenciais e já parecem esquecidos alguns incidentes ocorridos durante a dita, não fora ter outro dia aparecido uma sondagem a respeito de já não sei de quê, efectuada pela empresa Eurosondagem.

É sabido o destaque da referida empresa durante aquela campanha eleitoral, pela oportunidade e conteúdo dos resultados que ia produzindo que depois, não se vieram a verificar no dia das eleições – Soares, o pretenso challenger, ficou num humilhante terceiro lugar a quase sete pontos percentuais de Manuel Alegre.

É incontável o que já se escreveu sobre sondagens e arrisco-me mesmo a afirmar que haverá sempre mais qualquer coisa a dizer a esse respeito. Mas nunca será inútil realçar, uma vez mais, algumas evidências.

A primeira é que os clientes da maioria das sondagens que conhecemos – os que as pagam – são os órgãos de comunicação social. Se as empresas de sondagens quiserem facilitar – para agradar ao cliente – será àqueles, não ao público.

A segunda, decorrente da anterior, é que reside na empresa de sondagens o maior interesse em preservar a sua credibilidade. Ao cliente, poderá interessar dar realce ao lado mais inédito ou espectacular da informação obtida. Se, no processo, a empresa em questão se queimar, sempre poderá haver outro fornecedor na próxima oportunidade.

A terceira, prende-se com a fragilidade da informação obtida, como Pedro Magalhães está farto de frisar no seu blog. Nunca há garantia de existir uma resposta para a pergunta que se colocou.

Em complemento, o mesmo Pedro Magalhães tem alertado, quem o lê, para a ocorrência de diversos fenómenos de distorção não deliberados, mas também para técnicas de os controlar, identificar e corrigir.

De tudo isto acho que se consegue extrair a conclusão segura, mesmo para qualquer leigo, que ainda há muito de subjectivo na forma como se apresentam os resultados finais.

Já se ultrapassou há muito a subjectividade óbvia e a bronca das eleições legislativas de 1985 quando o analista em estúdio na (única) RTP se enganou redondamente nas previsões dos resultados finais de quase todos os partidos porque se recusou a acreditar nos resultados das freguesias tipo que estava a receber.

Mas, mesmo assim, nas últimas eleições presidenciais só os resultados das sondagens do centro da U. Católica (que, aliás, Pedro Magalhães dirige) conseguiram transmitir o calafrio – ao não dar a certeza da vitória – que se deve sentido na candidatura de Cavaco Silva, ao constatarem que os resultados do escrutínio estavam a levá-los para as zonas da indecisão. Nos outros casos, Cavaco ganhava de caras.

Regressando à Eurosondagem, a verdade é que não tenho memória de nenhuma análise contrita sobre o que terá falhado para que nos resultados das sondagens a candidatura de Mário Soares superasse regularmente a do seu mais directo rival, Manuel Alegre, até uma altura em que se viu na situação de ser a única empresa a apresentar tais resultados.

Pode ser que me tenha distraído e a tal análise me tenha escapado. Pode ser que se tenha decidido não se dar publicidade ao gesto da tal reflexão interna, o que também acho natural se assim tiver sido feito. Afinal, se os seus clientes ficarem satisfeitos, tudo está bem.

Mas também acho natural que as pessoas que dirigem a Eurosondagem, nomeadamente Rui Oliveira Costa, que mais tem dado a cara mediaticamente por ela, não se surpreendam que eu e possivelmente muitos como eu consideremos, depois de tudo o que aconteceu, que há sondagens… e eurosondagens…

16 março 2006

FAHRENHEIT 451?

Fahrenheit 451 é uma novela de ficção científica (1953) de Ray Bradbury, também transformada num filme com o mesmo título, de François Truffaut (1966). Num futuro, os livros foram banidos e os que existem, clandestinos, estão sujeitos à incineração à temperatura de 451º Fahrenheit (233º Celsius), daí o título da novela.

Vivesse Bradbury actualmente em Portugal e ter-se-ia perdido, talvez, a sua fonte de inspiração para a sua novela ou, pelo menos, a narrativa teria sido bastante diferente, a fazer fé nesta notícia do Público: “O fecho da livraria Bertrand, previsto para Outubro, vai deixar os 175 mil habitantes do concelho da Amadora sem uma única livraria, mas a autarquia garantiu ontem que está à procura de livreiros que se interessem por aquele mercado.” (Local - p.57)

Aquele mercado é que parece não estar interessado na leitura... – diria o Martim.

SABER ESTAR NO SEU LUGAR


Esta é uma expressão portuguesa que se emprega normalmente, de forma elogiosa, para os responsáveis intermédios, conformados e defensores do status quo. Como exemplo, um bom sargento, no exército, sabe sempre estar no seu lugar – mesmo que o seu oficial seja uma nulidade…

O que se esquece, frequentemente, é que a expressão pode ter aplicabilidade para toda a escala social, mesmo nos escalões mais ricos. Já aqui sugeri, num post anterior, a propósito de Bill Gates, que há os ricos, os muito ricos, os riquíssimos e os obscenamente ricos, como é o caso do Grã-Cruz da Ordem do Infante.

A propósito deste recente frenesim de OPAS, torna-se até cómico ver aqueles que são da categoria dos muito ricos, como João Pereira Coutinho (à esquerda) ou Miguel Paes do Amaral (à direita) a porem-se em bicos de pés e anunciarem-se também, para despertarem as atenções, como opadores em negócios que, pelo seu calibre, estarão reservados (e mesmo assim…) a riquíssimos como Belmiro de Azevedo.

Tendo ambos nascido em berços de ouro, e recebido provavelmente uma excelente educação, convém que mostrem mais fair-play e saibam reconhecer que a expressão saber estar no seu lugar não se aplica apenas aos seus caseiros, mordomos, ou a outros trabalhadores na sua dependência…

O Caso da Tradução do Título do Filme Chamado DR. STRANGELOVE

O filme Dr. Strangelove (1964), de Stanley Kubrick, sofreu em Portugal a tradução dispensável do título para Dr. Estranhoamor. É um caso em que o tradutor bem podia ter ficado quieto, porque o título nada acrescenta nem esclarece em relação ao título original, uma tradução literal para o inglês do nome alemão original de um dos personagens, um cientista louco da época nazi – Peter Sellers, quem haveria de ser?

Este filme tem um segundo título (How I learned to stop worrying and love the bomb (*)), cínico, comprido e sarcástico como só o humor britânico de origem intelectual o sabe ser. E alguém o descreveu como uma das melhores comédias de sempre, sem ser um filme cómico.

Peter Sellers é o homem do filme. Ele está para a representação, como a pessoa de John Nash – popularizado pelo filme Uma mente brilhante – estará para a matemática: alguém que voga nas fronteiras entre a genialidade e o desequilíbrio mental. Sellers desempenha aqui três papéis centrais sob a direcção de um Kubrick que sempre gozou da reputação de também não ser também lá muito certo…

Resultará do seu mérito como actores que dois deles saiam do filme perfeitamente equiparados aos desempenhos de Sellers: Slim Pickens e George C. Scott. Tenho as minhas dúvidas se Pickens estará a representar ou deixar-se-á ser ele mesmo. Mas é precioso para se perceber porque é que os americanos uivam de regozijo ou podem eleger presidentes da densidade intelectual de Ronald Reagan ou George W. Bush.

George C. Scott também não será uma pessoa lá muito bem acabada – recorde-se que foi um dos raros actores a recusar um Óscar – o que confere ainda mais credibilidade ao general que representa no filme. Mas a frase do filme está guardada para o presidente dos Estados Unidos (Sellers) dirigindo-se ao general e ao embaixador soviético: - Gentlemen, you can't fight in here! This is the War Room.(**)

Em suma um filme maluco, feito por um realizador com pancada, com actores marados. Que melhor fim se poderá esperar do que o apocalipse representado por uma sucessão de explosões nucleares ao som adocicado e nostálgico de Vera Lynn, cantando uma canção da 2ª Guerra, We´ll meet again (***)?


(*) Como aprendi a deixar de me preocupar e a gostar da bomba (atómica)
(**) Cavalheiros, não podem andar aqui à luta! Isto é o Salão de Guerra.
(***) Encontrar-nos-emos de novo.

15 março 2006

ABAIXO DE ZERO... brrr!

Nem me atrevo a competir com o Margens de Erro, mas não resisto a incluir aqui até onde podem levar as consequências de uma sondagem feita pela NBC/Wall Street Journal aos negros norte americanos (ou afro-americanos, segundo a denominação politicamente correcta em vigor).

De acordo com a sondagem o índice de aprovação do presidente George W. Bush junto da comunidade é de 2%. Porém, como a margem de erro da amostra é de 4%, bem pode acontecer que a popularidade do desgraçado ainda atinja os seis pontos… ou fique abaixo de zero, a menos 2!

QOUSQUE TANDEM, MARTIM…*

Eu bem sei ser recorrente e nada bonita esta minha embirração com o Martim, e essa embirração pode ainda ser menos simpática quando se está invocando uma Catilinária de Cícero. Mas os entusiasmos pueris do Martim com esta recente OPA do BCP sobre o BPI mais do justificam as imprecações, velhas de dois mil anos, mais famosas da peça literária: O tempora! O mores!**

Escreveu ontem o Martim no seu jornal: “A palavra de ordem agora é OPA. Ou seja, mercado, negócios, economia aberta. Temos futuro.” É até constrangedor refutar tanto entusiasmo, mas quem saiba um infinitésimo de economia deve suspeitar que uma grande animação na Bolsa é um fenómeno independente do do crescimento económico.

Ainda ontem, escrevia Miguel Beleza, precisamente no mesmo jornal do Martim (Diário Económico) que “… a economia continua estagnada e as políticas, apesar de correctas, não vão surtir efeitos de um dia para o outro.” Ora, como o jornal do Martim até se considera especializado, e não em Artes e Espectáculos, tendo a considerar os entusiasmos do Martim do foro da ideologia e a tratá-los como tal.

Um dos aspectos mais caricaturais das alegrias do Martim é o antropomorfismo com que fala do mercado. O mercado sabe, reagiu, fez, e hoje, pelas notícias que tenho ouvido, está contente com a OPA. E eu fico contente pelo contentamento do mercado, embora tenha com ele uma relação parecida com a daquele senhor do anúncio do Pilhão, que tinha um cunhado que uma vez esteve perto de um e quase o fotografou.

Entendamo-nos, eu ainda me lembro dos conceitos de mercado que aprendi na faculdade, e até julgo que os princípios de funcionamento ainda sejam os mesmos dos daquela altura, mas agora, este outro mercado moderno do Martim só o conheço porque o Martim fala dele e, possivelmente, porque o Martim até fala com ele.

Agora, mais a sério. Uma das características do extinto confronto entre o Ocidente e o Leste, foi o de estes últimos passarem a tentar iludir o debate económico, tirando-o da área científica para a área ideológica. Há muita doutrina científica (e antiga) a suportar o liberalismo económico, mas parece-me que ela se tem estado a tornar cada vez mais vociferante pela militância ideológica, não pela novidade da produção científica. Antigamente, a esquerda mais dura falava de economia usando chavões, agora, pelos vistos, quem o faz é a direita que se considera liberal.

Ainda mais a sério. O problema do Martim não está na pessoa do Martim, coitado dele. O Martim hoje acha que a fusão do BCP com o BPI, com a extinção de 2500 postos de trabalho, é excelente, até amanhã, quando a fusão do jornal que dirige com outro qualquer ocasionar a extinção do cargo dele, o que vai achar horrível. O problema dos Martins são as ausências de referências que permitam ao leitor comum perceber que aquilo sobre o que o Martim escreve, apesar de ser num Diário Económico, muitas vezes não se trata de economia.

* Até quando, Martim...
** Oh tempos!Oh Costumes!