15 março 2006

QOUSQUE TANDEM, MARTIM…*

Eu bem sei ser recorrente e nada bonita esta minha embirração com o Martim, e essa embirração pode ainda ser menos simpática quando se está invocando uma Catilinária de Cícero. Mas os entusiasmos pueris do Martim com esta recente OPA do BCP sobre o BPI mais do justificam as imprecações, velhas de dois mil anos, mais famosas da peça literária: O tempora! O mores!**

Escreveu ontem o Martim no seu jornal: “A palavra de ordem agora é OPA. Ou seja, mercado, negócios, economia aberta. Temos futuro.” É até constrangedor refutar tanto entusiasmo, mas quem saiba um infinitésimo de economia deve suspeitar que uma grande animação na Bolsa é um fenómeno independente do do crescimento económico.

Ainda ontem, escrevia Miguel Beleza, precisamente no mesmo jornal do Martim (Diário Económico) que “… a economia continua estagnada e as políticas, apesar de correctas, não vão surtir efeitos de um dia para o outro.” Ora, como o jornal do Martim até se considera especializado, e não em Artes e Espectáculos, tendo a considerar os entusiasmos do Martim do foro da ideologia e a tratá-los como tal.

Um dos aspectos mais caricaturais das alegrias do Martim é o antropomorfismo com que fala do mercado. O mercado sabe, reagiu, fez, e hoje, pelas notícias que tenho ouvido, está contente com a OPA. E eu fico contente pelo contentamento do mercado, embora tenha com ele uma relação parecida com a daquele senhor do anúncio do Pilhão, que tinha um cunhado que uma vez esteve perto de um e quase o fotografou.

Entendamo-nos, eu ainda me lembro dos conceitos de mercado que aprendi na faculdade, e até julgo que os princípios de funcionamento ainda sejam os mesmos dos daquela altura, mas agora, este outro mercado moderno do Martim só o conheço porque o Martim fala dele e, possivelmente, porque o Martim até fala com ele.

Agora, mais a sério. Uma das características do extinto confronto entre o Ocidente e o Leste, foi o de estes últimos passarem a tentar iludir o debate económico, tirando-o da área científica para a área ideológica. Há muita doutrina científica (e antiga) a suportar o liberalismo económico, mas parece-me que ela se tem estado a tornar cada vez mais vociferante pela militância ideológica, não pela novidade da produção científica. Antigamente, a esquerda mais dura falava de economia usando chavões, agora, pelos vistos, quem o faz é a direita que se considera liberal.

Ainda mais a sério. O problema do Martim não está na pessoa do Martim, coitado dele. O Martim hoje acha que a fusão do BCP com o BPI, com a extinção de 2500 postos de trabalho, é excelente, até amanhã, quando a fusão do jornal que dirige com outro qualquer ocasionar a extinção do cargo dele, o que vai achar horrível. O problema dos Martins são as ausências de referências que permitam ao leitor comum perceber que aquilo sobre o que o Martim escreve, apesar de ser num Diário Económico, muitas vezes não se trata de economia.

* Até quando, Martim...
** Oh tempos!Oh Costumes!

2 comentários:

  1. Gostei mesmo muito. É um post sagaz e mordaz!
    Beijinnhos.

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  2. Enfim...acho que não vou dizer o que penso sinceramente sobre o Martim...não ficaria muito bem no teu blog :P A tua acutilância é o máximo!

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