11 março 2006

PASTA DE DENTES

Há um par de histórias de conteúdo profundo e filosófico a respeito de pastas de dentes. Uma delas tem a ver com um empregado de uma empresa que as produzia que propôs à administração uma forma garantida de aumentar as vendas em 15% mediante um chorudo bónus. Depois de prometido o bónus lá veio a solução: aumentar a largura do bocal da embalagem em 15%. Quase ninguém presta atenção à grossura da pasta quanto a põe na escova, normalmente orienta-se pelo seu comprimento…

É evidente que as vendas subiram mas rapidamente a concorrência também se deve ter apercebido do truque porque actualmente os bocais das embalagens são idênticos. Mas esta história, a ser verdadeira – o que não asseguro – é mais uma das que desmonta as teorias dos apóstolos do mercado. Canonicamente, a empresa que descobriu o truque do bocal maior sofreria uma baixa de vendas porque os consumidores – esses marotos que, segundo as leis do mercado, tudo sabem! - se aperceberiam que as suas embalagens acabariam mais depressa…

Quanto à outra história guardo-a para mais para diante, porque entretanto gostaria de escrever só um pouquinho sobre as quotas, embora tenha apreciado muito do que tem sido produzido, aqui na blogosfera e também nos jornais, especialmente por mulheres que se têm manifestado contra. Sobre estas medidas, muito assertivas e também muito bem intencionadas, refira-se que é comum degenerarem de duas maneiras.

A primeira é a da transformação dos 360º. Tudo parece mudar para que tudo fique na mesma. Uma das medidas já aplicadas em Portugal, para contornar a discriminação na oferta de emprego, obriga à omissão do género na função que se busca, o que deu origem ao divulgadíssimo complemento (m/f), absurdamente anexo a anúncios como:


Secretárias (m/f)

Estivadores (m/f)


em que as reduzidas candidaturas de secretários só devem ser superadas em escassez pelas das estivadoras. Mas está-se a respeitar a lei embora o respeito seja apenas formal.

Qualquer conselho de administração de uma empresa norte-americana actual tem a sua quota-parte de minorias entre os seus vice-presidentes. Não por competências próprias dos integrantes mas para não terem problemas com as autoridades. São muito valorizadas as executivas negras porque, para as quotas, funcionam como o famoso champô Vidal Sassonchampô e amaciador, os dois num só – como negras e como mulheres. Um hispânico hemiplégico também deverá ser bastante valorizado, ao conjugar as características de hispânico e de deficiente. É cínico, mas é um dos desagradáveis efeitos secundários desta políticas.

A segunda degenerescência é a da irreversibilidade das reformas promulgadas que tendem a perpetuar-se, por inércia, esquecendo o objectivo inicial para que foram criadas. A reforma da implementação de quotas para os negros norte-americanos já existe há uns bons 40 anos e o efeito inicial pretendido de há muito já se deve ter esgotado. Mas ela perdura, pela falta de coragem política de a reverter à normalidade (todos os cidadãos são iguais) e de avaliar seriamente os resultados da sua aplicação. Neste caso, terá sido um sucesso moderado e o que havia para ter, já teve.

Tudo isto para relembrar que, voltando às nossas pastas de dentes, é preciso ter presente que, em muitas reformas, como esta, existe sempre um efeito de pasta dentífrica: é fácil apertar a bisnaga e pô-la cá fora; é uma chatice tornar a pôr outra vez lá para dentro a que tirámos em excesso…

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