21 março 2006

MANOBRAS NA CASA BRANCA


Há muito de verdadeiro na afirmação que a maioria dos filmes norte-americanos atravessam o Atlântico para a Europa com a apreciação já feita lá do outro lado. A tarefa na Europa fica-se pela justificação mais ou menos elaborada do que já veio classificado da América.

Existem excepções (Woody Allen é uma das óbvias), mas descobre-se a evidência de que há uma passividade entre a crítica cinematográfica europeia quando apreciamos o que aconteceu ao filme Crash, o recente vencedor do Óscar para melhor filme de 2005, que passou por aqui praticamente desapercebido – como aconteceu nos Estados Unidos, de resto. Até ao prémio, evidentemente.

Provavelmente, aconteceu algo de muito semelhante a este Wag the Dog (1997), de Barry Levinson, com a diferença substancial de não ter ganho nenhum Óscar – embora, valha a verdade, tenha sido premiado em Berlim. Mas, na essência, a sociedade americana detestou o filme – tinha razão para isso, gozava com ela como poucas vezes vi acontecer – e ele chegou à distribuição na Europa envolvido num muro de silêncio.

Em português, o filme ficou com o título de Manobras na Casa Branca, um passo arriscado mas acertado, dado que o título original contém um trocadilho de tradução que se torna quase impossível definir em poucas palavras: o cão (dog) abana (wag) a cauda (tail), mas tail wags dog (cauda abana cão) também significa pôr o carro à frente dos bois e preceder os acontecimentos, algo que é essencial no decorrer da acção do filme.

O filme teria tudo para ser um sucesso de bilheteira: realizador, actores principais (dois colossos como Dustin Hoffman e Robert de Niro) e a coincidência do argumento e do lançamento comercial do filme. A história do filme começa por um potencial escândalo na Casa Branca, com o presidente envolvido com uma menor; ao mesmo tempo, na vida real, começava o caso de Bill Clinton com Mónica Lewinsky…

Só para descobrir mais um pouco do véu da história, torna-se necessário abafar o caso do presidente por mais umas semanas até à sua reeleição e um assessor da presidência, de aspecto sinistro (de Niro), vai contratar um produtor (hoje diríamos um promotor de eventos) de Hollywood (Hoffman), que, para distrair as atenções, vai desencadear uma guerra com a Albânia, além de muitas outra peripécias que mantiveram o circo mediático distraído e longe da bronca que poderia custar a reeleição ao presidente.

O que mais me impressiona no filme é a pontaria e o à vontade dos argumentistas nos exemplos empregues, o que me leva a suspeitar que tenham tido a assessoria de antigos profissionais. E é com esses profissionais, discretos, que quero regressar ao presente e ao penoso exercício da presidência que tem ultimamente vindo a ser feito por George W. Bush.

Suspeitou-se que a doença de Karl Rove, o seu crucial assessor de imprensa, tinha sido a responsável principal por aquele tremendo desastre de relações públicas na sequência do outro desastre, o furacão que causou a inundação de Nova Orleães. A oposição democrática, entretanto, tem Rove neutralizado, flagelando-o com audições a que ele precisa de responder, o que lhe requer tempo e preparação.

O congressista Tom Delay, republicano do Texas, e que tinha sido fundamental para as manobras presidenciais junto dos órgãos legislativos também foi neutralizado por causa de problemas associados ao financiamento de campanhas eleitorais.

Em termos internacionais, a recente visita de Bush à Índia, saldou-se pela assinatura de um tratado nuclear que o 1º ministro indiano negociou até ao tutano, consciente que Bush não podia regressar de mãos a abanar. Para coroar toda a cena, estão-se a pôr nuvens muito negras lá para as bandas do Congresso, sobre as possibilidades de aprovação do referido tratado.

É claro que o incidente não contribuirá, dentro e fora das fronteiras, para o prestígio da Casa Branca. Imagine-se, até o Zé Manel Barroso já se atreveu a dizer publicamente, a propósito da comemoração dos três anos de invasão do Iraque, que na Cimeira dos Açores, o George lhe tinha dado uma banhada. Com o cauteloso Zé Manel com estas ousadias, imagine-se o que se possa andar dizer do homem, em privado, por esse mundo fora...

Se nos baseássemos no modelo original para o qual a presidência americana foi concebida, tudo isto não teria um significado por aí além – o presidente era o homem forte que escolhia pessoalmente o staff que o poderia ajudar. Veja-se o exemplo de qualquer dos presidentes Roosevelt.

Só que os presidentes mais modernos (como parece ser o caso de Reagan ou do Bush em exercício) parecem resultar de uma equipa que tem ambições de poder e que escolhe aquele que lhes parece cenograficamente mais talhado para o exercício do cargo.

E os resultados parecem estar à vista: talvez me engane, mas arriscamo-nos a perspectivar três anos de interregno até que alguém possa vir ressuscitar o braço executivo da maior potência do planeta…
Entretanto, vale a pena alugar Manobras na Casa Branca no videoclube.

1 comentário:

  1. é, de facto, um filme obrigatorio, especialmente para quem se encontra dentro dos media, para qualquer jornalista ou pessoa que exerça algum cargo dentro do circuito mediatico. Contra as manobras propagandisticas de alguns governos, há que ter imensa cautela...Porque nunca se sabe mt bem o que +e a verdad hoje em dia...

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