07 junho 2018

A MORTE DO CAPITÃO N'TCHORÉRÉ

7 de Junho de 1940. Como se lê na estela acima existente em Airaines, é a data da morte heroica do capitão Charles N'Tchoréré. Mas, para perceber as circunstâncias da sua morte, é necessário conhecer uma síntese da sua vida. Charles N'Tchoréré nasceu em 1896 em Libreville no Gabão. A ascendência familiar permitiu-lhe que tivesse estudado até aos 16 anos (1912). Depois, foi trabalhar para os Camarões, que eram então uma colónia alemã. Com o início da guerra (1914), regressou ao Gabão. Aos vinte anos, acabou por se alistar em 1916 nas tropas coloniais francesas. No fim do conflito (1918), sendo um dos poucos negros com estudos, fora promovido a sargento. Aí decide prosseguir a carreira militar. A França de entre guerras está envolvida em vários conflitos de baixa intensidade em várias das suas colónias e onde a presença de unidades coloniais é preciosa, devido tanto ao clima como à saturação da opinião pública metropolitana com baixas em combate. Em 1919, o sargento N'Tchoréré ia para Marrocos, um «protectorado» ainda e sempre em processo de «pacificação». O seu potencial é reconhecido e é um dos primeiros africanos a ir frequentar um curso de formação de oficiais do quadro colonial, curso que completa em 1924. Depois disso é colocado na Síria, onde é ferido em combate (1926). Reconhecido o seu valor pessoal, mas acautelando o seu valor simbólico, o futuro capitão N'Tchoréré vai passar os seus próximos 14 anos em colocações mais recatadas nas várias guarnições da África Ocidental e Equatorial francesas, como seja o comando do Prytanée Militaire de Saint-Louis, um estabelecimento militar de ensino situado no Senegal e concebido para a formação das futuras elites africanas. Com a eclosão da Segunda Guerra Mundial o capitão Charles N'Tchoréré regressa ao activo, apesar dos seus 44 anos, recebendo o comando de uma companhia do 53º Regimento de Infantaria Colonial. Os acontecimentos que conduzirão à sua morte enquadram-se já na segunda fase da Batalha de França. Em 5 de Junho de 1940, a sua companhia foi encarregue de deter o avanço inimigo em Airaines, no Norte de França, o que foi conseguido por 72 horas. Quando da rendição, os alemães tiveram a surpresa de descobrir que a unidade que os bloqueara fora comandada por um capitão negro. Mas não reagiram em conformidade com as leis da guerra: quando da segregação dos prisioneiros (oficiais, sargentos e praças), recusaram-se a tratar N'Tchoréré como oficial e este terá protestado, um protesto com tal veemência que um dos captores alemães o executou sumariamente com um tiro na nuca. Note-se que, a justificar tal brutalidade, não se está a falar de nenhuma unidade SS, os autores das execução foram, por assim dizer, alemães normais: o 25º Regimento Blindado fazia parte da 7ª Divisão Panzer, comandada por um general destinado a granjear o respeito e a simpatia mesmo dos seus inimigos: Erwin Rommel.

Charles N'Tchoréré é um daqueles heróis trágicos como eu gosto de quando em vez evocar neste blogue. A sua inquestionável conduta heroica fá-lo(s) vogar num limbo que não aproveita a ninguém nos dias que correm, por isso o seu destino é ser(em) esquecido(s). A causa pela qual o capitão se bateu e morreu, a da França pluricontinental, desapareceu vai para mais de cinquenta anos. Se a causa contra o racismo ainda hoje precisa de heróis, não será destes que morreram por serem descriminados, sim, mas batendo-se por valores que estão hoje condenados. E, por outro lado, as circunstâncias precisas da execução de Charles N'Tchoréré demonstram que, durante a Segunda Guerra Mundial, a violência gratuita e o preconceito racial não foram exclusivo dos alemães mais nazificados das SS.

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