07 fevereiro 2013

AS QUINTAS «BONANZA»

As quintas Bonanza foram uma experiência de produção agrícola que teve lugar nos Estados Unidos da segunda metade do Século XIX, depois do final da Guerra Civil (1861-65), quando do período de implantação, através das vias férreas, dos grandes eixos de colonização interna do Oeste do país que tiveram lugar naquela época. Localizavam-se na sua grande maioria ao longo das terras férteis (e virgens) do vale do Rio Vermelho e tributários, onde hoje se situam os estados norte-americanos dos Dakotas do Norte e Sul e do Minnesota, acompanhando o trajecto da Northern Pacific Railway, a ser construída naquela altura, que fora concebida para fazer a ligação da região ocidental dos Grandes Lagos até às costas do Pacífico.
Quanto ao nome de Bonanza, esse foram-no buscar às impressionantes rentabilidades que se extraíram das explorações inicialmente. Concedidos pela Northern Pacific Railway a preços irrisórios (também assim o recebera do governo federal dos Estados Unidos…), os terrenos mostravam-se ideais para o desenvolvimento da agricultura extensiva: uma extensa peneplanície fértil sem árvores nem afloramentos rochosos. Uma exploração típica estendia-se por muitos milhares de hectares e possuía uma organização que se assemelhava às de tipo industrial da época. O ou, mais frequentemente, os proprietários haviam-se associado a milhares de quilómetros dali, em cidades dos estados da costa Leste dos Estados Unidos e nunca lá haviam ido.
A gestão corrente da quinta era assegurada por um núcleo pequeno mas qualificado de quadros que em quase nada se distinguiriam dos de uma empresa comercial ou industrial, com responsáveis pelo transporte, armazenamento, aprovisionamento, contabilidade ou manutenção. Imperava a monocultura orientada para a produção do produto mais rentável, a tal ponto que mesmo que as explorações se dedicassem à cultura de um cereal como o trigo, nem sequer a aveia para a forragem dos cavalos ali era plantada… Mas, mais do que a especialização, foi a massificação e a mecanização que se tornaram a marca deste género de explorações agrícolas onde várias dezenas de cavalos emparelhados se preparam (nas imagens) para puxar várias dezenas de arados.
Estes efeitos de escala faziam com que, nos bons anos, numa quinta Bonanza se conseguisse comprimir os custos de produção por bushel de trigo até aos 52 cêntimos enquanto a cotação desse mesmo bushel na Bolsa de Cereais de Minneapolis rondava um dólar, praticamente o dobro… Ao chegar-se a 1890 as terras a Oeste do Mississippi eram responsáveis por quase 25% de toda a produção mundial de trigo... Depois tudo se conjugou para que a prosperidade terminasse da mesma forma brusca como começara. As quintas Bonanza eram um sucesso económico mas um desastre para a política de  colonização: precisavam de uma vintena de trabalhadores permanentes mas de uns milhares de trabalhadores sazonais a quem só se dava empregos por alguns meses.
Num país onde não havia escassez de terra, mas havia carência de mão-de-obra, tornava-se mais atractivo para qualquer agricultor pobre arranjar e explorar o seu quinhão do que tornar-se trabalhador assalariado. Desde quase o início que as quintas Bonanza se viram obrigadas a completar os milhares de braços necessários para as colheitas recrutando pessoal tão longe quanto o México. Mas acabou por ser um problema financeiro e não sociológico o causador do desaparecimento desse projecto de organização industrial da produção agrícola: vários ciclos especulativos na Bolsa, tão frequentes nesses anos, acabaram por derrubar a maioria das quintas Bonanza, dependentes de grandes investimentos de capital e de um só produto.
Quase todas as quintas Bonanza foram-se desagregando em explorações de dimensão muito menor, de dimensão familiar. A experiência tornou-se hoje num pormenor da História dos Estados Unidos, que é infelizmente muito menos conhecido do que deveria. Porque se tratará de um exemplo que é pedagógico para quem queira discutir algumas ideias feitas que se ouvem difundidas por aí, oriundas, não por acaso, dos dois extremos do espectro político. Para os adeptos do liberalismo, que costumam defender cegamente as vantagens da especialização e os benefícios da dimensão, este episódio parece demonstrativo de que aquilo que parece evidente em análises a curto e médio prazo, deixa de o ser quando as análises são feitas a prazos mais dilatados.
Por outro lado, esta mesma experiência da organização industrial da produção agrícola acabou por se vir a repetir 50 anos depois com algumas diferenças (meios técnicos mais avançados e outra preocupação com as condições dos trabalhadores agrícolas), aquando da colectivização das terras na União Soviética, nas quintas de propriedade estatal que ficaram conhecidas por sovkhozes. Também ali o projecto fracassou. Mas a pedagogia neste caso é a de alertar para outro género de obtusidade ideológica, distinto da anterior: enquanto as quintas Bonanza tiveram o seu ciclo de ascensão e queda em pouco mais de 30 anos, demorou mais de 60 para que se reconhecesse que o mesmo acontecera com os sovkhozes - e mesmo assim há quem não esteja convencido!

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