As quintas Bonanza foram uma experiência de produção agrícola que teve
lugar nos Estados Unidos da segunda metade do Século XIX, depois do final da
Guerra Civil (1861-65), quando do período de implantação, através das vias
férreas, dos grandes eixos de colonização interna do Oeste do país que tiveram lugar
naquela época. Localizavam-se na sua grande maioria ao longo das terras férteis
(e virgens) do vale do Rio Vermelho e tributários, onde hoje se situam os
estados norte-americanos dos Dakotas do Norte e Sul e do Minnesota, acompanhando
o trajecto da Northern Pacific Railway, a ser construída naquela altura, que
fora concebida para fazer a ligação da região ocidental dos Grandes Lagos até às
costas do Pacífico.
Quanto ao nome de Bonanza, esse foram-no buscar às impressionantes
rentabilidades que se extraíram das explorações inicialmente. Concedidos pela
Northern Pacific Railway a preços irrisórios (também assim o recebera do
governo federal dos Estados Unidos…), os terrenos mostravam-se ideais para o
desenvolvimento da agricultura extensiva: uma extensa peneplanície fértil sem árvores
nem afloramentos rochosos. Uma exploração típica estendia-se por muitos
milhares de hectares e possuía uma organização que se assemelhava às de tipo
industrial da época. O ou, mais frequentemente, os proprietários haviam-se
associado a milhares de quilómetros dali, em cidades dos estados da costa Leste
dos Estados Unidos e nunca lá haviam ido.
A gestão corrente da quinta era assegurada por um núcleo pequeno mas qualificado
de quadros que em quase nada se distinguiriam dos de uma empresa comercial ou
industrial, com responsáveis pelo transporte, armazenamento, aprovisionamento,
contabilidade ou manutenção. Imperava a monocultura orientada para a produção
do produto mais rentável, a tal ponto que mesmo que as explorações se
dedicassem à cultura de um cereal como o trigo, nem sequer a aveia para a
forragem dos cavalos ali era plantada… Mas, mais do que a especialização, foi a
massificação e a mecanização que se tornaram a marca deste género de
explorações agrícolas onde várias dezenas de cavalos emparelhados se preparam
(nas imagens) para puxar várias dezenas de arados.
Estes efeitos de escala faziam com que, nos bons anos, numa quinta
Bonanza se conseguisse comprimir os custos de produção por bushel de trigo até
aos 52 cêntimos enquanto a cotação desse mesmo bushel na Bolsa de Cereais de Minneapolis rondava um dólar, praticamente o dobro… Ao chegar-se a 1890 as
terras a Oeste do Mississippi eram responsáveis por quase 25% de toda a produção
mundial de trigo... Depois tudo se conjugou para que a prosperidade terminasse da
mesma forma brusca como começara. As quintas Bonanza eram um sucesso económico
mas um desastre para a política de colonização: precisavam de uma vintena de trabalhadores permanentes
mas de uns milhares de trabalhadores sazonais a quem só se dava empregos por
alguns meses.
Num país onde não havia escassez de terra, mas havia carência de
mão-de-obra, tornava-se mais atractivo para qualquer agricultor pobre arranjar
e explorar o seu quinhão do que tornar-se trabalhador assalariado. Desde quase
o início que as quintas Bonanza se viram obrigadas a completar os milhares de
braços necessários para as colheitas recrutando pessoal tão longe quanto o
México. Mas acabou por ser um problema financeiro e não sociológico o causador
do desaparecimento desse projecto de organização industrial da produção
agrícola: vários ciclos especulativos na Bolsa, tão frequentes nesses anos,
acabaram por derrubar a maioria das quintas Bonanza, dependentes de grandes
investimentos de capital e de um só produto.
Quase todas as quintas Bonanza foram-se desagregando em explorações de
dimensão muito menor, de dimensão familiar. A experiência tornou-se hoje num pormenor da
História dos Estados Unidos, que é infelizmente muito menos conhecido do que
deveria. Porque se tratará de um exemplo que é pedagógico para quem queira
discutir algumas ideias feitas que se ouvem difundidas por aí, oriundas, não
por acaso, dos dois extremos do espectro político. Para os adeptos do
liberalismo, que costumam defender cegamente as vantagens da especialização e os
benefícios da dimensão, este episódio parece demonstrativo de que aquilo que
parece evidente em análises a curto e médio prazo, deixa de o ser quando as
análises são feitas a prazos mais dilatados.
Por outro lado, esta mesma experiência da organização industrial da produção
agrícola acabou por se vir a repetir 50 anos depois com algumas diferenças (meios
técnicos mais avançados e outra preocupação com as condições dos trabalhadores
agrícolas), aquando da colectivização das terras na União Soviética, nas quintas
de propriedade estatal que ficaram conhecidas por sovkhozes. Também ali o
projecto fracassou. Mas a pedagogia neste caso é a de alertar para outro género de
obtusidade ideológica, distinto da anterior: enquanto as quintas Bonanza tiveram
o seu ciclo de ascensão e queda em pouco mais de 30 anos, demorou mais de 60 para que se
reconhecesse que o mesmo acontecera com os sovkhozes - e mesmo assim há quem não
esteja convencido!
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