31 outubro 2007

QUERER SER CALIFA NO LUGAR DO CALIFA – 3 (afinal, não…)


Veio-se a descobrir que o Iznogoud, se queria ser califa no lugar do califa, afinal não quer ser conselheiro no lugar do Capucho… Supõe-se que quem aconselha Iznogoud seja o Schtroumpf de óculos (abaixo), a que todos reconhecem a reputação de intelectual, que lhe recomendou que ignorasse a tentação e fizesse como a raposa da fábula: Era uma vez uma raposa que tinha muita fome. Como era época de caça, os animais não estavam nas suas tocas. Ela estava faminta, até que passou por baixo e uma latada com uvas maduras. A raposa bem tentou chegar às uvas, mas como não conseguia pensou para si:
- Ah! Estão verdes, não prestam! Só os cães as podem comer.
Só que a fábula continua: A raposa continuou o seu caminho mas ao ouvir um barulho pensou:
- Uma uva para eu comer!
Vira depressa o focinho. Mas que desilusão! Era apenas uma folha que caíra. A raposa foi-se embora triste e esfomeada
.
Mas isto é política à portuguesa a sério, não uma fábula qualquer, e não precisa de ter um fundo moral. Se se conseguem mandar publicar artigos consecutivos no mesmo jornal (Diário de Notícias) intitulados:

Menezes vai entrar no Conselho de Estado
Lei pode ser alterada para Menezes entrar
Menezes à espera de entrar no Conselho de Estado
Menezes abdica do Conselho de Estado

É garantido que se alguma parra fizer Luís Filipe Menezes virar o focinho, o próximo boneco da BD que ele vai imitar é o Calimero
Nota: Os bonecos podem ser comprados aqui.

A BANDA DE UHF E O MÍTICO SEGUNDO CANAL - 1

Sem querer descrever aqui a história da televisão, as primeiras estações de televisão que apareceram (também a RTP), emitiam na banda de VHF. Os primeiros televisores que se vendiam possuíam apenas um selector (em forma de roda) para seleccionar o canal da emissão (numerados de 2 a 13, salvo erro): o do emissor da RTP para a região de Lisboa (que estava – e se mantém – em Monsanto) era o 7. E era naquele número que ficava o selector, quieto para sempre a partir daí, que o grande problema de recepção daqueles tempos era a instalação da antena para a captação de uma boa imagem…

Entretanto, nos finais da década de 60 (1968), também Portugal seguiu a moda da criação de um 2º canal aproveitando a banda de UHF (canais do 14 ao 69). A ideia, suponho eu, seria a de promover a criação de um canal mais dirigido às elites, à semelhança do que acontecia com a rádio, onde a designada Emissora 2 só transmitia música clássica. Por isso as emissões desse segundo canal (em condições iguais, o alcance das emissões em UHF é menor dos que as de VHF) restringiram-se inicialmente à Grande Lisboa, e foram mais tarde (1970) alargadas ao Grande Porto.
Lembro-me que me ficava uma certa sensação de frustração, por ter ao alcance da mão um outro programa de televisão que não podia ver por limitações técnicas: a televisão lá de casa só podia captar emissões em VHF. Mas, na realidade, no que diz respeito aos conteúdos (como actualmente se diz), a televisão daquela época não tinha capacidade para preencher os tempos de emissão de um canal, quanto mais de dois… A realidade (que eu não reconhecia) é que o elitismo desse 2º canal se resumia a uma mera repetição do fora transmitido no 1º canal nos dias anteriores.

Aliás, para reforçar uma imagem do que era panorama televisivo da época, o livro de que me socorro para algumas precisões adicionais, como o facto das emissões o 2º canal usarem o canal 25 de UHF (Vamos Falar de Televisão de Lopes da Silva e Vasco Hogan Teves) e terem sido inauguradas em 25 de Dezembro de 1968, serve-me para recordar como, em 1970, eram grandes feitos a abertura de um período de emissão à hora de almoço (das 12H45 às 14H30!) ou o aumento do período de emissão do 2º canal por antecipação de uma hora a hora da sua abertura - das 21H30 para as 20H30…
Mas não há racionalidade que substitua a cobiça por algo que parece estar ao alcance do dedo do interruptor (muito antes dessa invenção civilizacional chamada telecomando…) mas que afinal é inalcançável... Até que, passados uns anos, por ocasião de um aniversário, tive direito a receber uma prenda verdadeiramente memorável: uma televisão pequena, portátil (a pega, como a da televisão da fotografia acima, ajudava a criar essa ilusão, que o peso do aparelho destruía imediatamente, quando lhe pegávamos…), de antena interior, e que, sobretudo, também tinha capacidade para captar emissões em UHF...

Ia finalmente poder ver o 2º canal! Imaginem a minha desilusão quando me apercebi que as explicações que recebera na loja para o sintonizar estavam erradas… O vendedor explicara (ou eu entendera) mal e vicissitudes várias fizeram com que durante uma semana não me fosse possível voltar a loja. Durante essa comprida semana, fiquei servido de 1º canal, mas de 2º, não houve horas de tentativas que resolvessem o problema… Finalmente, tudo se resolveu e no momento histórico em que sintonizei o 2º canal descobri que afinal a emissão era igualzinha à do 1º - estava a dar o telejornal, que era transmitido em simultâneo pelos dois…

30 outubro 2007

ALGUNS APONTAMENTOS SOBRE OS MODERNOS CONFLITOS AFRICANOS

Na história dos conflitos dos últimos 50 anos do continente africano, que actualmente conta com 53 países independentes, torna-se surpreendente constatar como foram muito minoritários os casos em que essas independências foram alcançadas através da luta armada, na esmagadora maioria das vezes através da guerra subversiva – houve 9 casos, estando um deles, o do Sahara Ocidental, ainda hoje por resolver. Ainda mais raros (apenas 4), foram os casos em que os nacionalistas que travaram essas lutas armadas se desdobravam por mais de um movimento político-militar.
Como seria de esperar, depois da obtenção das independências, também já houve guerras civis em vários países (10), mesmo contando exclusivamente aquelas que foram mais prolongadas e significativas e descontando as escaramuças que não passaram de golpes ou tentativas de golpe de estado que demoraram um pouco mais tempo a resolver… Contudo, não se devem confundir essas guerras civis com os casos das guerras separatistas em que os promotores pretendem alcançar a independência de uma parcela do território nacional (5), normalmente rica numa das matérias primas.
Procurando traçar uma sequência geral, às guerras de libertação contra as potências coloniais das décadas de 50 e 60, terminando nos anos 70, seguiram-se as guerras civis que começaram nessa mesma década e se prolongaram pelas de 80 e 90. À disciplina militar e ao rigor da formação ideológica dos movimentos mais antigos seguiram-se a constituição de organizações com muito menos coesão interna e, por isso, potencialmente muito mais lesivas para os não beligerantes. Também os locais dos conflitos deixaram os campos para se tornaram predominantemente urbanos.
As fotografias insertas neste poste procuram dar expressão a essa evolução. Referem-se a militares do PAIGC (Guiné-Bissau) e da ZAPU (Zimbabué), em fases de guerras de libertação das décadas de 60 e 70, a um outro do MPLA (Angola), numa fotografia já por mim gabada num poste anterior, datada de 1975, tirada numa fase de transição da guerra de libertação para a guerra civil, e finalmente fotografias de duas fases das guerra civis do Congo e da Libéria, já da década de 90, depois do fim da Guerra-Fria, onde suponho que o nome das organizações a que os combatentes possam pertencer já não tem qualquer relevância…
Não será propriamente uma distinção, mas vale a pena relevar a coincidência de que Angola é o único país africano que aparece em todas as listas das categorias de conflitos acima mencionadas... Foi um dos países que acedeu à independência depois de uma guerra de libertação porque pertencia ao império colonial português. O conflito foi desencadeado por um movimento com apoio ocidental, o que subvertia a lógica da guerra-fria e levou o bloco soviético a patrocinar o seu próprio movimento, o que levou à multiplicidade de movimentos político-militares nacionalistas.
Chegados à independência (1975), o conflito entre os vários movimentos nacionalistas transferiu-se para uma guerra civil entre eles que perdurou, de forma descontínua, durante os 27 anos seguintes. Entretanto, durante esse período, a situação do enclave de Cabinda, que faz parte de Angola, mas que está geograficamente separado do resto do território e cuja plataforma continental é rica em petróleo, tornou-se politicamente disputada, com algumas das facções locais mais extremistas (FLEC) a defenderem de armas na mão a sua independência de Angola.

E é credível que muitos destes acontecimentos apenas se verificaram porque é defensável que Angola seja o país mais rico de África em recursos naturais… Às vezes é preciso ter azar…

29 outubro 2007

QUERER SER CALIFA NO LUGAR DO CALIFA – 2 (ainda com mais vontade!)

Foi Allah, em toda a sua infinita sabedoria, que inspirou Goscinny a imaginar um adjunto a Iznogoud, o grão-vizir de ambição desmesurada que quer a todo o custo ser califa no lugar do califa. Chama-se Dilat Larath (abaixo). Mais de mil anos depois, o nosso novo Iznogoud, que quer ser conselheiro de estado haja a legislação que houver, também recebeu o auxílio do seu Dilat, na pessoa (improvável) de José Pedro Aguiar Branco. E a argumentação do ajudante* é tão desastrada quanto as peripécias por que Dilat passa nas aventuras imaginadas por Goscinny e desenhadas por Tabary…
A questão de fundo, que também Aguiar Branco tenta iludir na sua argumentação (é actividade que parece não ser o seu forte…), é que são os próprios problemas orgânicos do PSD (a eleição de uma nova direcção) que impedem a criação de uma solução que seja do agrado do novo presidente do partido… A maioria das eleições para os cargos do estado são feitas nominalmente e, neste caso, mesmo havendo a eventual desistência de António Capucho, nada garantiria que a sua substituição pudesse ser feita por aquele que aqueles que dirigem actualmente o PSD desejam…
Suponho que se aceita que o funcionamento das instituições do estado não deve ser concebido tendo em conta as prioridades dos partidos – pelo menos os partidos afirmam-no, a começar pelo PSD, quando proclama que a sua prioridade é o país… Mas o mais preocupante nesta história não estará em Menezes, está em quem aparece a acompanhá-lo nessa tese, alguém que se pretendeu preservar para outros combates como reserva moral desta deriva populista: Aguiar Branco. Se este for o exemplo da reserva moral actual do partido, qual será o significado interno das palavras amoral e imoral?

* Ouvia-a também no RCP.

28 outubro 2007

O SOLUÇO TELEVISIVO DE CARLOS ARIAS

Carlos Arias Navarro (1908-89) foi o último presidente de conselho do franquismo, e um bom exemplo da progressiva decadência do regime espanhol naquela sua fase terminal. Carlos Arias foi nomeado para o cargo na sequência de um atentado da ETA em 20 de Dezembro de 1973, que vitimou o seu antecessor no cargo e que fora o homem de confiança de sempre do Generalíssimo Francisco Franco, o Almirante Carrero Blanco.
O atentado foi espectacular (no sentido estrito da palavra), com uma enorme carga explosiva colocada nos subterrâneos de uma rua por onde estava a passar o carro blindado que transportava o Almirante e que, detonada, o projectou a uma altura de seis andares, rolando por cima do telhado do prédio fronteiriço, vindo a cair nas traseiras desse mesmo prédio (como se pode ver pelo esquema acima).

Foi nesse ambiente de desânimo que um dos ministros do executivo, Arias Navarro (abaixo), foi indigitado, com as opiniões em surdina a atribuírem a sua nomeação às opiniões de D. Cármen, a esposa de Franco, porque o funcionamento dos mais altos circuitos de poder em Espanha tendia cada vez mais a funcionar de uma forma parecida com a das antigas cortes monárquicas quando o monarca em funções se tornava cada vez mais senil...
A governação de Arias (Fevereiro de 1974 – Junho de 1976), que começou com um discurso prometedor de uma certa abertura política (que ficou sendo conhecida como o Espírito do 12 de Fevereiro) foi tão titubeante que, comparada com ela, a de Marcelo Caetano, seu homólogo português, quase contemporâneo no cargo e que se defrontava com um problema de abertura política semelhante (A Primavera Marcelista), pode passar por ter sido um modelo de decisão e coragem...

Em menos de seis meses, os ultras do regime espanhol (coloquial e colectivamente designados por el búnker) tinham forçado o afastamento dos dois ministros de perfil mais liberal do executivo de Arias e o presidente do conselho havia tirado o tapete ao Chefe de Estado-Maior espanhol, General Diez Alegria, quando este encetou uns tímidos contactos de abertura, com o seu conhecimento e concordância prévia, por ocasião de uma visita à Roménia. Tendo tido a vantagem de poder observar o que acontecera a Marcelo, nem isso o motivou a agir...
Por isso, para a História considero que Carlos Arias Navarro é um exemplo acabado do que se costuma designar ironicamente por um enorme erro de casting, pontapeado para um lugar acima das suas capacidades. Mas não deixo de nutrir uma certa simpatia pessoal pelo homem a quem coube a missão de anunciar perante as câmaras de televisão (acima) a morte de Franco (a 20 de Novembro de 1975) e que não conseguiu terminar a alocução sem emitir um sincero soluço abafado de comoção*.

Revendo essas cenas do passado, enquadrando-as com o artigo sobre a mentira como virtude política, publicado ontem no Público e assinado por António Barreto (um excelente artigo!), há que reconhecer que, sendo as mentiras uma prática política de sempre, parece que episódios como aquele de Arias Navarro são raros e cada vez nos tornamos mais cínicos porque se torna cada vez mais difícil ajuizarmos quando os protagonistas da actividade estão a ser sinceros, tal a sua sofisticação interpretativa.
Ainda a propósito de interpretações, será que alguém se lembra quando alguém nos falou da alocação de 6% do PIB para o sector da Saúde? Será que alguém se lembra como todos os presentes aceitaram a declaração como boa e que foi uma pergunta casual imprevista que nos fez perceber que o autor da promessa não tinha a mínima ideia de quanto dinheiro estava a falar? Será que alguém se lembra do esforço feito para abafar as imagens do incidente, e que foi a SIC boicotou o acordo tácito para não transmitir as imagens?

Lembrei-me do soluço genuíno de Carlos Arias e das outras coisas que são trabalhadas para parecer genuínas porque, no tal artigo do Público, tendo-se lembrado das mentiras virtuosas do actual e de outros ex-primeiros-ministros, António Barreto parece ter-se esquecido deste. E estes erros de casting, só por serem erros de casting, não merecem tal esquecimento...

* O discurso tornou-se um clássico espanhol, aqui parodiado.

SER INTERESSANTE É O CONTRÁRIO DE SER IBERISTA!!!…

Segundo creio, quem tiver nascido num avião tem direito a passagens aéreas gratuitas para o resto da sua vida. Num meio pequeno cultural e científico como é o nosso, quem receber um prémio Nobel também passa a ter direito a entrevistas gratuitas para o resto da sua vida… É o que acontece com José Saramago e, diga-se de antemão, o seu estatuto de figura pública é muito mais merecido do que os de Lili Caneças ou Dom Duarte Pio. Agora, quanto a entrevistas, em que Lili se celebrizou com o seu Estar vivo é o contrário de estar morto!!!…, as diferenças parecem estar a reduzir-se a ritmo galopante.
Há que não esquecer que o prémio premiou o escritor. A pessoa que escreve não é afável, nem simpática, nem parece ter melhorado desde os tempos do PREC no Diário de Notícias, onde a maioria dos testemunhos de época estão bem longe de lhe ser muito abonatórios quanto à personalidade. Além disso, a maioria das suas opiniões, sejam políticas (comunista) ou geopolíticas (iberista), de tão repetidas, são por demais conhecidas. Parece haver muito de falta de imaginação quando o seu antigo jornal decidiu fazer-lhe uma enésima entrevista, que publicou na edição de hoje, com chamada de primeira página
Os assuntos da entrevista são os tediosos do costume: comunismo, iberismo, os livros dos outros autores que não leu, as suas queixas dos desagravos praticados pelo estado português e o próximo livro que escreverá… Um bocejo. Uma vez, uma caricatura pôs uma Teresa Guilherme eléctrica a dirigir-se ao boneco de Dom Duarte incitando-o a tornar-se interessante numa paródia do Big Brother: - Oh Dom Duarte, mexa-se, faça um strip, estrele um ovo!!!… Nem de propósito: para lhe dar interesse, não será possível pôr José Saramago a falar da culinária das Canárias da próxima vez?... Nisso, sou capaz de lhe respeitar a opinião.

QUERER SER CALIFA NO LUGAR DO CALIFA

Em política, pode haver intenções proclamadas que, quando bem analisadas, valem por centenas de promessas de campanha e outras dezenas de acções de promoções de imagem de um protagonista ambicioso. A forma como Luís Filipe Menezes e os que o rodeiam parecem estar a lidar com o problema da substituição do lugar de conselheiro de estado que foi recentemente deixado vago por Luís Marques Mendes parece ir muito para além da inconveniência política de quem se vê bloqueado por uma contrariedade legal.

Em síntese, o que se passa é que, como seria natural, estão previstas regras para a substituição dos cargos a que Luís Marques Mendes entretanto renunciou. Foi o caso do cargo de deputado na Assembleia da República. Será também o caso do lugar de conselheiro no Conselho de Estado que rodeia o Presidente da República. As regras em vigor asseguraram a entrada de um novo deputado para a bancada do PSD, outras regras também em vigor assegurariam a entrada de António Capucho como novo conselheiro.

Só que Luís Filipe Menezes está interessado em ocupar este último cargo… Como se soluciona o problema? Aparentemente, mandam-se as regras às urtigas…e vale a pena acompanhar, através de um jornal, a ofensiva montada pela sua equipa para se apoderar do lugar. Anteontem, uma notícia não assinada do Diário de Notícias afirmava em título, assertiva, que Menezes vai entrar no Conselho de Estado. No miolo da notícia percebia-se que terão que ser ultrapassados alguns obstáculos jurídico-políticos.
Mas parecia estar tudo previsto: ou passaria pela alteração do próprio estatuto, que já data de 1984 (os estatutos podem ser sólidos e estar bem redigidos, mas parecem ter datas de validade, como as latas de sardinhas…), ou Menezes entraria na "quota" dos membros que são escolhidos pelo PR, o que é um verdadeiro cenário de ficção (há muito que Cavaco Silva já anunciou publicamente quem são os cinco conselheiros que escolheu pessoalmente…), num detalhe pouco abonatório da cultura política do jornalista que se dispôs a transmitir este recado…

A resposta de António Capucho apareceu ontem no semanário Sol (não disponível) e sintetiza-se na frase Nem se coloca a questão de ceder o lugar ao presidente do partido. Menezes e a sua rapaziada entraram em órbita… Mas, se calhar, já devem ter percebido que devem inflectir no discurso, que não são favas contadas, e o artigo de hoje do mesmo Diário de Notícias (agora assinado: Francisco Almeida Leite) já é muito menos assertivo do que o anterior: Lei pode ser alterada para Menezes entrar. O busílis é mesmo a entrada de Menezes.

O enfoque desta nova notícia transferiu-se agora para a vontade presidencial: segundo a vontade expressa deste de ver ali representado o líder do maior partido da oposição… Então não se está mesmo a ver Cavaco a querer ver Menezes?... Mais a sério, o que está aqui em causa é pouco ou coisa nenhuma: substancialmente, trata-se da possibilidade de Luís Filipe Menezes mandar os seus palpites numa reunião magna no Palácio de Belém, palpites a que Cavaco Silva (possivelmente) não vai (nem tem que) passar cartão nenhum…

Mas a sanha aqui demonstrada por Menezes e a respectiva sua maralha, dispondo-se a cilindrar as regras existentes pela aquisição de cargos que têm apenas visibilidade e quase nenhuma substância política, perturba-me quanto aos limites que estarão dispostos a atingir quando estiverem em jogo interesses que lhes sejam relevantes… Ou então, eles não sabem fazer a distinção entre uns cargos e outros, o que é motivo de outras preocupações… Mas, pelos vistos, também não posso contar com este estilo de jornalismo para me tirar as dúvidas…

27 outubro 2007

ABAIXO O MANHINGONHINGO!? ABAIXO!!!

Após dois episódios da série A Guerra, a ser transmitida pela RTP, fica-me o receio que, com os episódios iniciais a serem dedicados exclusivamente à situação angolana e apenas ao ano de 1961, o conjunto da série, com 18 episódios, não venha a conseguir adquirir o equilíbrio em termos temporais e espaciais que a narrativa mereceria. Por um lado mediaram mais de 14 anos entre esses episódios iniciais e as independências (a última, precisamente a angolana, em Novembro de 1975), e por outro, os três Teatros de Operações revestiram-se de características completamente distintas, cuja explicação irá ter de ser feita de forma necessariamente condensada, e esperemos que bem sucedida.

É que algumas dessas distinções e especificidades de cada colónia virão a ser muito importantes para os processos de transição e independência que se vieram a suceder e, por isso mesmo, os episódios daquela série podem ser parcelas interessantíssimas não só da historiografia portuguesa recente, como também das de Angola, Guiné e Moçambique. Mais concretamente, a respeito de um livro recentemente publicado que dá pelo nome de Nuvem Negra, respeitante às consequências dos acontecimentos de 27 de Maio de 1977 em Angola (já depois, portanto, da independência) dentro do partido do poder (MPLA), vale a pena comentá-lo, mas enquadrando-o dentro das heranças da guerra.

É sabido que, ao contrário da Guiné (PAIGC) e de Moçambique (FRELIMO), a guerrilha em Angola foi travada entre o Exército Português e 3 movimentos de libertação distintos: FNLA, MPLA e UNITA (embaixo, os seus 3 dirigentes, Holden Roberto, Agostinho Neto e Jonas Savimbi). Essa circunstância permitiu à parte portuguesa nesse Teatro de Operações explorar as rivalidades entre eles em seu proveito: a aliança dos portugueses com a UNITA, contra os outros dois movimentos, por exemplo, é hoje considerada uma das facetas mais importantes na obtenção do seu sucesso mais marcante de toda a guerra colonial, no Leste de Angola, no início da década de 70. Mas havia ainda outros aspectos que tornavam a guerra em Angola distinta (ao contrário dos outros Teatros) do formato clássico das guerras coloniais sob a Guerra-Fria
Embora alinhados ideologicamente em posições muito aproximadas, o PAIGC e a FRELIMO não sofriam da competição a que estava sujeito o MPLA. Além de não ter o prestígio de pioneiro, por não ter sido o primeiro movimento a dar expressão à revolta nacionalista no seu país (fora a UPA, que depois dera origem à FNLA), o MPLA aparecera já submetido à subordinação, em termos de imagem internacional, à FNLA (que criara um governo no exílio, o GRAE, que contava com o reconhecimento dos estados africanos que entretanto se haviam tornado independentes), para além de no próprio terreno da luta, o resultado das suas operações ser considerado em lugar secundário em relação à sua grande rival pelo próprio inimigo comum – o Exército Português.

Sobretudo, a história da própria organização MPLA, durante todo o período da guerra de libertação (antes de 74) é extremamente confusa, com várias versões contraditórias, mas onde é constante e indiscutível uma permanente crise de autoridade, o que é tanto mais de salientar quando, em comparação, o MPLA não passou pelas convulsões associadas às mortes dos seus dirigentes máximos, como aconteceu com Eduardo Mondlane na FRELIMO em 1969 e com Amílcar Cabral no PAIGC em 1973 (1). Já aqui mencionei, em poste anterior, as tentativas frustradas de fotografar Agostinho Neto de AK-47 na mão, para lhe dar reputação de guerrilheiro… A verdade é que, em Abril de 1974, algumas das principais unidades militares do MPLA (2), obediente a Daniel Chipenda, estava em dissidência com a direcção política…

A assinatura de tréguas entre os guerrilheiros e o Exército português na sequência do 25 de Abril tornou-se ocasião para que as populações urbanas contactem pela primeira vez com eles e as decepções são fundas: não tanto na Guiné, mas em Angola e, sobretudo em Moçambique, descobriu-se um notório fosso cultural entre a sofisticação das populações das cidades e a rusticidade campestre dos guerrilheiros… E foi nessa altura que, através de novos recrutamentos, necessários devidos à debilidade com que se chegara a 1974, as forças combatentes do MPLA vão sofrer uma transformação substancial na sua composição, facto reconhecido do lado português tanto por simpatizantes confessos do movimento (Almirante Rosa Coutinho), como por quem, assumidamente, não o era (General Gonçalves Ribeiro).
A fotografia de um militante do MPLA, da autoria de Sebastião Salgado, tirada por ocasião de um funeral de um seu camarada em Luanda em 1975 e saída esta semana no jornal Público (3) é eloquente quanto ao carácter distinto da composição do braço armado do MPLA em relação aos outros movimentos de libertação seus companheiros ideológicos daquela época: de penteado em black e óculos escuros, envergando um macacão com vários bolsos fechados a fecho éclair, tudo diferenciava aquele militante da rusticidade inerente (acima) à experiência de vida típica dos comandados de Nino Vieira, Sebastião Mabote ou… Daniel Chipenda (4). Se associássemos o elemento dessa fotografia a alguma organização, não seria militar, nem sequer um exército não convencional, mas antes a um gang urbano, daqueles que viriam a aparecer em séries policiais de TV como Hill Street Blues

A disciplina (e não só a dos membros do MPLA, porque os outros movimentos angolanos também estavam a reforçar os seus quadros combatentes) deveria ser correspondente à que grassava nesses bandos: nenhuma. Por isso, a pomposidade que, ao princípio, presidiu à assinatura dos acordos multilaterais entre as várias facções armadas, onde elas se auto-intitulavam como exércitos, ou mesmo como forças armadas (ELNA, FALA e FAPLA), depressa desapareceu para dar lugar a uma verdadeira guerrilha urbana entre gangs muito bem equipados, mas sem a bondade e a bonomia de um Capitão Furillo (5) para pôr termo às disputas. Só que isso não criou nem a disciplina, nem as articulações necessárias para fazerem um exército que derrote outros exércitos convencionais. A atribuição de patentes nas FAPLA data de Agosto de 1976: até lá, eram todos Comandantes, sem qualquer senioridade estabelecida entre si…
Para o autor do mencionado livro Nuvem Negra (que em 1977 era militar, pertencente a uma brigada mecanizada das FAPLA, a 9ª, a insatisfação com os critérios para a atribuição dessas patentes terá sido, aliás, uma das causas próximas para a insurreição de 27 de Maio de 1977. Mas não nos antecipemos, porque no Verão de 1975, com a data da independência a aproximar-se (11 de Novembro), havia uma Angola retalhada em áreas de influência dos movimentos correspondentes às divisões étnicas do país (conforme se vê no mapa acima) e a possibilidade séria que a guerra de gangs pela posse das cidades (especialmente a capital, Luanda) passasse a uma nova fase de conflito, perante a passividade das forças armadas da potência colonizadora – apenas interessadas em evitar sofrer baixas colaterais na Guerra Civil angolana.

Essa nova fase do conflito, seria previsivelmente mais convencional e clássico, com o protagonismo a ser assumido por colunas militares tradicionais, responsáveis pela imposição da autoridade. No caso da FNLA e da UNITA o conflito foi travado com o apoio descarado de dois dos países vizinhos de Angola (Zaire e África do Sul), no caso do MPLA com o apoio que não pôde inicialmente ser tão descarado (Angola era ainda um território sob soberania portuguesa....) de Cuba. Essa indispensável (e parcialmente bem sucedida) discrição cubana foi (e tem sido) aproveitada para a montagem de uma das mais inverosímeis fábulas sobre conflitos no âmbito da Guerra-Fria: a de que os cubanos só chegaram no último momento, como o 7º de Cavalaria contra os índios - leiam-se alguns comentários a este poste

A versão de Miguel Francisco Michel no seu Nuvem Negra, é ainda mais fabulosa: o herói que detém a coluna zairense (e da FNLA) em Kifangondo, nas vésperas da data da independência é um camarada seu, de nome Mariano que, num acto quase suicida, no blindado BRDM, chocou contra o blindado inimigo, tendo este capotado, o que fez com que a coluna inimiga (…), se pusesse em fuga desordenada. Como consequência desta acção heróica do Mariano, foram presos os integrantes do blindado: três mercenários portugueses e um zairense (…), indivíduos que pessoalmente Michel controlara na Cadeia de São Paulo (p.49). É prodigioso imaginar a rapidez com que o BRDM ali chegara (6) e a forma como o Mariano tivera tempo para receber instrução como o conduzir…
É que, como se pode verificar pela fotografia acima, um BRDM não parece ser viatura que se conduza assim facilmente, com carta de ligeiros, não profissional… Ficando por ver se haverá algum fundo para a lenda contada por Michel, note-se o curioso detalhe de nela, o blindado inimigo não conter nenhum angolano da FNLA, apenas estrangeiros e, curiosamente, muitos portugueses, numa época em que todos os relatos daqueles que ainda se consideravam como tal são praticamente unânimes no seu interesse em saírem de Angola de todas as maneiras que lhes fossem possíveis… Mas entenda-se, por outro lado, que estes episódios lendários terão servido, muito provavelmente, para a criação das matrizes de uma organização (FAPLA) que, por força das circunstâncias, terá perdido as poucas que tinha do período da guerrilha contra os portugueses…

É neste particular aspecto que estou convencido que aquela componente militar do MPLA terá tido uma génese de cultura da organização substancialmente diferente da dos outros movimentos de libertação das colónias portuguesas (PAIGC ou FRELIMO), ou de outros países que também alcançaram a independência depois de guerras de libertação (Argélia, Zimbabué). As FAPLA perderam o pouco do historial de subversão que existia em si e tornaram-se muito rapidamente, e também pela forte influência cubana, numa organização institucional (abaixo), encarregada de lidar com a contra-subversão dos antigos rivais e do estabelecimento da autoridade central do estado angolano. E Michel, ao escrever o seu livro, dá mostras de ser um filho dilecto dessa organização (7) que, infelizmente para ele, parece ter tido um momento de deslumbramento ideológico...
O título deste poste Abaixo o Manhingonhingo!? Abaixo!!! refere-se a uma palavra de ordem gritada durante um comício (p.101) a que os prisioneiros, desterrados para o extremo Leste de Angola, tiveram que assistir, conjuntamente com a população local a que Michel faz referência. Depois dos Vivas!!! da praxe, a Agostinho Neto, ao MPLA, etc., a que os prisioneiros, suspeitos de envolvimento nos acontecimentos de 27 de Maio de 1977, se associaram de muito bom agrado, vieram os Abaixo!!!, a Nito Alves, em primeiro lugar, considerado o mentor do golpe e que seria, possivelmente, um dos comandantes mais prestigiados destas novas FAPLA de recrutamento urbano e formação convencional, e depois a este Manhingonhingo, que deixou os prisioneiros a entreolharem-se quanto ao seu significado…

Afinal, o manhingonhingo era o murmúrio, as conversas clandestinas, uma acusação directa aos prisioneiros que, mesmo assim, se associaram (por ignorância!) nos seus veementes Abaixo!!! à condenação da prática… Mas Michel e os seus camaradas da 9ª Brigada Mecanizada, uma das unidades de elite das novas FAPLA, sentir-se-iam, muito possivelmente, ali nas terras remotas do Moxico quase tão deslocados quanto os beirões ou alentejanos tugas que, nas suas companhias de caçadores do exército colonial português, ali os haviam precedido um punhado de anos antes… Isso talvez explique muito sobre as razões do tremendo fracasso militar da actividade contra-subversiva cubana e angolana contra a guerrilha da UNITA que, recorde-se, porque o facto é raramente salientado, durou mais tempo do que a própria guerra colonial contra os portugueses…

(1) Nos dois casos, os portugueses são os suspeitos óbvios de terem estado por detrás dos assassinatos dos dois líderes.
(2) As unidades do Leste de Angola, designadas pelo próprio MPLA como as suas 3ª e 4ª Regiões Militares. A dissidência auto-intitulava-se Revolta de Leste. Nessa mesma altura, havia ainda outra dissidência no MPLA, mais intelectual, apesar da designação: Revolta Activa...
(3) (Adenda) A fotografia está disponível no poste
ALGUNS APONTAMENTOS SOBRE OS MODERNOS CONFLITOS AFRICANOS
(4) Reputados comandantes militares da guerrilha, respectivamente do PAIGC, da FRELIMO e do… MPLA, mas este último já em 1974 estava em dissidência e aliado à FNLA.
(5) O Capitão Furillo era o comandante da esquadra de Hill Street, na série de TV já mencionada acima…
(6) Desde a decisão de o expedir para Angola (tomada em Cuba ou na União Soviética), até ao próprio embarque e transporte em navio, mais o posterior desembarque (clandestino) em Angola e a chegada à frente de combate, o período nunca teria sido (na hipótese ideal) inferior a um mês…
(7) Ao longo do livro, Michel dá a entender que frequentara vários cursos de formação ministrados por oficiais cubanos.


Acrónimos:

ELNA Exército de Libertação Nacional de Angola (FNLA)
FALA Forças Armadas de Libertação de Angola (UNITA)
FAPLA Forças Armadas Populares de Libertação de Angola (MPLA)
FNLA Frente Nacional para a Libertação de Angola
FRELIMO Frente de Libertação de Moçambique
GRAE Governo Revolucionário de Angola no Exílio
MPLA Movimento Popular para a Libertação de Angola
PAIGC Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde
UPA União dos Povos de Angola
UNITA União Nacional para a Independência Total de Angola

26 outubro 2007

UM RIVAL PARA VITAL MOREIRA?


Surpreende-nos quando interceptamos pessoas a quem atribuímos um certo estatuto intelectual, a caírem em exercícios argumentativos excessivos e descabidos como é o caso de Luís Campos e Cunha quando, num seu artigo de hoje no Público, exprime a sua opinião sobre o referendo: … não gosto de referendos nos moldes em que estão previstos no caso português. Os referendos devem ser claros quanto à alternativa. Ou seja, se quiséssemos referendar este tratado e ele fosse recusado, qual era a alternativa: saíamos da UE? Ficaria apenas o tratado chumbado? E porquê? Nada disto seria claro e nada pior que fazer uma pergunta em referendo cujas consequências não são claras no caso de vencer o “não”.

Não seria preciso um referendo, mas se auscultassem qual seria o sentido do meu voto sobre a opinião acima expressa por Luís Campos e Cunha, ela seria discordante. Suponho que sem necessidade de grandes clarezas quanto às causas dessa minha opinião. Ou pelo menos sem que as minhas alternativas às causas porque Luís Campos e Cunha terá adoptado aquela opinião não sejam tão radicais como as que ele levanta no seu texto: porque ele está a ser mentecapto? Porque está a ser intelectualmente desonesto? Ou porque esteja apenas a fundamentar disparatadamente a sua opinião? E para quê? Para clamar por clareza num hipotético processo eleitoral em que, pela opinião de Luís Campos e Cunha, parece não haver qualquer outra opção aceitável…

Tanto apelo à clareza das alternativas nas escolhas políticas que possamos fazer num artigo em que a frase forte de Luís Campos e Cunha é - devidamente destacada pelo próprio jornal… - ...(com Santana Lopes), Sócrates vai ter um interlocutor no Parlamento do seu nível político e intelectual torna-se num grande bolo de despeito de que a frase apenas é a cereja que o coroa pela coerência… Pelos vistos, na opinião de Luís Campos e Cunha, nas últimas eleições legislativas não houve grande clareza quanto as distinções do nível político e intelectual dos dois candidatos alternativos ao cargo de primeiro-ministro… Terá descoberto isso antes ou depois do vencedor das eleições lhe ter oferecido (e ele ter aceite…) a pasta das finanças?

22 outubro 2007

OS BRINCALHÕES

Estou de férias, umas mini-férias, mas o disparate, pelos vistos, nunca parte para descanso, pelo menos da parte de um incansável Vital Moreira que, mesmo reclamando-se no PS, parece não ter perdido os tiques do leninismo de outrora: as vanguardas esclarecidas sempre dirigiram as massas populares, independentemente da sua designação.

Só isso explica postes como este: Os que defendem o referendo sobre o Tratado de Lisboa já experimentaram lê-lo? E acham que algum cidadão comum consegue passar da segunda página? Não será tempo de deixar de brincar aos referendos? É caso para lhe recordar que a origem da brincadeira começou com a redacção de uma Constituição por uma comissão que não fora especificamente mandatada para tal... E agora não querem deixar que mais ninguém entre na roda?...

21 outubro 2007

O CAMPEONATO MUNDIAL GANHO POR 5-2 EM PENALIDADES

Alguma premonição me terá levado a fazer com não tivesse visto a final do Campeonato Mundial de Râguebi de 2007. Aqui, como acontece em outras modalidades (no futebol, por exemplo), parece que os campeonatos não são concebidos para serem ganhos por quem joga mais espectacularmente mas por aqueles que são mais eficientes e cometem menos erros. Creio que terá sido por isso que, adicionadas mais algumas circunstâncias, foram aterrar na final as duas equipas com o estilo de jogo mais certinho e mais bisonho de entre as favoritas. E já aqui dei a entender que não me entusiasmava por aí além em puxar por qualquer daquelas duas camisolas: África do Sul e Inglaterra.

E os relatos do jogo nem sequer desmentiram o meu desapontamento premonitório: acabou 15-6 em pontos, 5-2 para a África do Sul, em pontapés aos postes. De ensaios, parece que não houve nem um cheirinho… Lembro-me de outras finais assim, igualmente bisonhas, como a do Mundial de 1994, onde o Brasil e a Itália cheias de rigor táctico se arrastaram penosamente pelo campo até irem decidir a coisa em penalidades. E não houve engano ao fazer esta analogia com uma final de campeonato de futebol. Sem o sal dos ensaios, com jogos discutidos a pontapés aos postes como o desta final de 2007, o râguebi fica reduzido a um sucedâneo de futebol, com o qual não se pode medir em espectacularidade…

Visto com distanciamento e em comparação directa com o espectáculo futebolístico, o jogo de râguebi que ontem terá sido disputado pelo campeão e vice-campeão do mundo, a atender aos estilos de jogo que os dois que vi os dois demonstrarem previamente neste mundial terá ficado reduzido – na perspectiva da cativação de um leigo – a um futebol com uma bola esquisita, faltas que muitas vezes não se conseguem perceber as causas e a uma baliza alta onde nem sequer há a emoção de um guarda-redes que possa fazer ao remate… Não seria altura de pensar em reforçar a pontuação dos ensaios?…

20 outubro 2007

O TE DEUM

Eu tenho imensas dúvidas quanto à pertinência e oportunidade para a assinatura de um Tratado nestes termos entre os países da União Europeia, procuro e não tenho encontrado entre a pretensa pluralidade da comunicação social quem levante a questão nestes termos ou noutros e, depois do dia de ontem, quase me considerava fazendo parte de uma extremidade remota do espectro opinativo sobre os assuntos europeus, qual espécie de Jaime Nogueira Pinto do passado, ou de Mário Machado do futuro…
Deve ter sido tudo isso que me reforçou a simpatia com que acolhi o artigo de hoje de José Pacheco Pereira no Público*, como peça quase única, desfasada do ambiente de auto-congratulação unânime da comunicação social portuguesa. Eu julgava que aquelas missas solenes de acção de graças (os Te Deum) eram coisas barrocas da época do nosso rei João V… Participavam todos os membros da corte, do corpo diplomático tal como aqueles que tivessem importância social na Lisboa da época, a ponto das ausências serem notadas e passíveis de sanção régia.

E daí, talvez a analogia seja ainda mais pertinente que isso: ontem como hoje, foram épocas onde houve dinheiro, não houve foi engenho para saber o que fazer com ele…

* Estão ambos de parabéns, obviamente mais o primeiro do que o segundo.

19 outubro 2007

SEIS EXÉRCITOS NA NORMANDIA

Six Armies in Normandy é um livro do historiador militar britânico John Keegan, datado de 1982, que trata de alguns aspectos da campanha que começou com o desembarque das forças aliadas na Normandia a 6 de Junho de 1944, no que foi um dos episódios mais marcantes da Segunda Guerra Mundial.
Suponho que o título foi deliberadamente escolhido pelo autor para provocar a atenção dos curiosos pela historiografia militar e pela Segunda Guerra Mundial. De que seis exércitos estará o autor a falar? O desembarque foi uma tarefa anglo-americana (sobretudo norte-americana) e a oposição era alemã. Quais serão os outros três?
Mas eles estavam lá! Equipados com material de origem britânica ou norte-americana, houve importantes unidades canadianas, polacas e francesas que fizeram parte da ordem de batalha dos aliados e o livro engloba diversas histórias de algumas dessas unidades até se reunirem para combater sob o estandarte aliado em França em 1944.
Numa outra perspectiva, vale a pena aproveitar este livro para lembrar, num dia em que se nota uma certa embriaguez (excessiva) com o papel dos nossos protagonistas nacionais, como as sínteses históricas acabam por fazer minimizar, até desaparecer, o papel dos pequenos participantes… Como se poderá dizer no futuro: Aquele tratado que os alemães tentaram impor… – onde é que ele foi assinado?...

De cima para baixo as fotografias com os três comandantes dos exércitos secundários: os generais H. Crerar (canadiano), S. Maczek (polaco, à esquerda em companhia de D. Eisenhower) e P. Leclerc (francês). Suponho que futuramente também haverá que adicionar a legenda identificativa das fotografias de Sócrates e Barroso...

PORQUE É QUE O SNOOPY DANÇA…

Acordei bombardeado por notícias repletas de júbilo pelo êxito das negociações de um tratado cuja documentação que foi tornada acessível para consulta pública é descaradamente intragável… Por todo o lado, parece-me ver mais descrições sobre o que deveria ser a alegria do nosso estado de alma do que explicações sobre as razões para estar com esse estado de alma… Já aqui dei a minha opinião sobre as razões que me levam a suspeitar porque tudo isto vai acabar mal – a inércia integracionista foi já levada tão longe que sofrerá naturalmente um refluxo centrífugo no futuro. E o facto de José Sócrates estar envolvido no processo deixa-me tão entusiasmado como se ele fosse um grande campeão português de boxe: não aprovo a modalidade…

18 outubro 2007

A EX-MINISTRA E OS MILAGRES DA UBIQUIDADE


Guardei de Manuela Arcanjo uma imagem globalmente simpática. Foi uma secretária de estado do orçamento que se indispôs com o ministro da tutela (Sousa Franco) que também era reputado pelo seu mau feitio, possivelmente embriagou-se com essa imagem de mau feitio eficaz que lhe colaram quando aceitou a pasta da saúde oferecida por Guterres, porque a missão de disciplinar financeiramente o sector a que se propusera terminou num lamentável fiasco, como foi reconhecido pela própria. A ingenuidade política e pessoal de Manuela Arcanjo voltou a revelar-se quando submeteu os seus interesses pessoais, quando à oportunidade de renunciar à pasta, aos interesses do primeiro-ministro (Guterres) que, descaradamente, não lhe retribuiu na mesma moeda, quando a substituiu por Correia de Campos sem lhe dar conhecimento.

Poderá ser por vingança, mas prefiro pensar que será por causa daquela mesma ingenuidade que tantos dissabores já lhe causou que Manuela Arcanjo se prestou a servir agora de arma de arremesso da Ordem dos Médicos ao emprestar o seu nome às críticas daquele organismo à instalação dos famosos sistemas de controlo biométrico de presenças. O teor das suas afirmações parece-me verdadeiro e motivo de reflexão: Há no despacho (do secretário de estado da saúde) uma ideia singela, simplista e básica de que há um aumento automático de produção devido ao aumento do número de horas, com o mesmo número de profissionais. Omite-se todo o outro conjunto de factores que influencia a produtividade médica. E rematou, com uma expressão erudita daquelas só para economista perceber: rendimentos marginais decrescentes

Só que o que me parece estar em causa, e a incomodar sobremaneira Pedro Nunes e a sua organização sindical com outro nome, não tem nada a ver com a produtividade das horas de presença dos seus associados, mas sim com a existência de um sistema que parece obrigar (ou, pelo menos, torna mais difícil aldrabar) o cumprimento efectivo das horas que hoje estão acordadas nos contratos entre os médicos e as suas entidades empregadoras: 35. Para quem não tenha reparado isso representa o equivalente à carga diária de 7 horas de trabalho* - que é o padrão normal de um trabalhador de escritório. Hipoteticamente, perguntemos ao conjunto de trabalhadores de escritório quantos deles se disporiam a acumular outro emprego (e por quanto…) e comparemos essas respostas com o que se passa com os profissionais de saúde…

Tantos milagres dos trabalhadores com múltiplos empregos e horários acumulados de 70 e mais horas semanais costumam ter explicações mais prosaicas para a sua realização do que o milagre, e essas costumam ser tradicionalmente lesivas para uma das entidades empregadoras… E, nessas circunstâncias, sistemas de controlo de assiduidade como este, que obriguem ao cumprimento do contrato numa das entidades, obrigará ao incumprimento na outra… Se for tudo a sério, as acumulações são só para aqueles que têm mesmo grande capacidade de trabalho, porque ou se está num lado ou noutro, ou se trabalha na medicina pública ou na privada. Esse é o problema essencial. O que me surpreende nisto, descabido qual viola num enterro, são as considerações técnicas de uma ex-ministra fazendo uma tangente obtusa ao cerne do problema. Ocupou mesmo a pasta da saúde, Manuela Arcanjo?

* Embora, por efeitos do cumprimento dos bancos, a distribuição horária seja diferente.

PRIMEIRAS-DAMAS QUE SÃO DAMAS... e OUTRAS

A propósito das notícias recentes, anunciando o previsível divórcio do presidente francês, Nicolas Sarkozy, e da mulher, Cecília (abaixo), lembrei-me de outra antiga esposa de presidente francês que atravessou dois septenatos gozando do estatuto, mas sem mostrar a dignidade que, aparentemente, Cecília Sarkozy parece estar a demonstrar nestas circunstâncias, ao divorciar-se do marido, por muito que ele seja o presidente de França.
Refiro-me a Danielle Mitterrand (abaixo), esposa de François, o presidente de 1981 a 95, que veio a revelar no final do seu segundo mandato que possuía uma segunda família clandestina, além de uma filha ilegítima (e favorita), numa vivência semi-pública que contava desde há muito com a conivência ampla da comunicação social francesa para cobrir da opinião pública esse facto, mesmo antes da sua permanência no Palácio do Eliseu.
Essa conivência inqualificável, que deixava a família oficial (a começar pela esposa legal...) em muito maus lençóis em termos de imagem, parece ter-se prolongado até hoje, na protecção ainda dada pela mesma comunicação social à imagem pública de Danielle Mitterrand. Parece-se querer esquecer como ela usufruiu de uma imagem de primeira-dama numa perspectiva descaradamente utilitária, numa verticalidade de atitude que me suscita muitas dúvidas, pelo interesseirismo descarado que demonstrou, até me deixar dúvidas se por dama ela mereceria ser tratada…
Bem fizeram os norte-americanos quando, numa visita oficial a Washington (acima), onde Danielle criou o embrião de um incidente diplomático ao recusar-se a aceitar as regras de segurança numa das visitas sociais do programa*, deixaram o protocolo francês com a criança nos braços, recusando-se a apresentar qualquer desculpa. Nesse mundo da segurança dos poderosos, habituado a conhecê-los de perto, quem quiser exigir respeito, também tem que se dar ao respeito…

* Se bem recordo, o edifício a visitar tinha um dispositivo de segurança com um detector de metais, a que Danielle se recusou submeter por ter um aparelho cardíaco, recusando-se depois também a ser revistada por uma agente feminina – previsivelmente por se considerar pessoa conhecida. Não houve visita, não houve desculpas norte-americanas e... não houve melindres franceses – a vida pessoal do presidente francês num artigo do Washington Post teria sido cá um furo noticioso!...

17 outubro 2007

A T-SHIRT

A brincadeira é assumidamente superficial, já aqui publiquei postes de uma ironia muito mais fina, mas não resisto à ideia de imaginar qual seria o sucesso comercial de uma linha de t-shirts cor-de-laranja que alguém se lembrasse de pôr à venda ali para as bandas da Assembleia da República com uns grandes dizeres em branco: EU NÃO SOU VICE-PRESIDENTE DA BANCADA DO PSD (MAS FUI CONVIDADO…)
Alguém ampliou práticas anteriores já ridículas e perdeu a vergonha na cara ao oferecer (e muitos terão perdido a vergonha na cara ao aceitar…) simultaneamente a vice-presidência a oito parlamentares numa bancada composta por 75 elementos (num rácio de um alto dirigente por cada 8 deputados…), numa distribuição de títulos que faz lembrar outras eras: Foge cão, que te fazem barão! Para onde, se me fazem visconde?

Como os títulos nobiliárquicos de outrora, depois da profusão de vice-presidentes eleitos no último Congresso do PSD, com esta outra profusão de vice-presidentes a eleger para a sua bancada parlamentar, quanto é que se instala a moda na política portuguesa que é preferível NÃO se ser vice-presidente de coisa nenhuma?

16 outubro 2007

OS GRANDES PORTUGUESES em A GUERRA

Se é preciso uma explicação para o facto de assumir a pasta da Defesa Nacional mesmo antes da remodelação do Governo que se verificará a seguir, a explicação pode concretizar-se numa palavra e essa é ANGOLA.
Pareceu que a concentração de poderes da Presidência do Conselho e da Defesa Nacional, bem como a alteração de alguns altos postos noutros sectores das Forças Armadas, facilitaria e abreviaria as providências necessárias para a defesa eficaz da Província e a garantia da vida, do trabalho e do sossego das populações.
Andar rapidamente e em força é o objectivo que vai pôr à prova a nossa capacidade de decisão.
Como um só dia pode poupar sacrifícios e vidas, é necessário não desperdiçar desse dia uma só hora para que Portugal faça todo o esforço que lhe é exigido a fim de defender Angola e com ela a integridade da Nação.


António de Oliveira Salazar, 14 de Abril de 1961
Retirei este discurso de Angola, os dias do desespero, 14º Edição, de Horácio Caio, o jornalista da RTP que esteve presente em Angola em 1961 e que fez parte da equipa que recolheu a grande maioria do material filmado que foi apresentado no primeiro episódio de A GUERRA, de Joaquim Furtado, hoje transmitido pela RTP1. O próprio Horácio Caio foi um dos entrevistados e, dadas as coincidências, muito possivelmente o próprio Joaquim Furtado ter-se-á orientado por alguns dos aspectos focados no livro para a realização do seu trabalho.
Embora não directamente mencionado naquele programa, mas óbvio pelo decorrer da própria narrativa, o que se torna absolutamente inexplicável é a inépcia política que permitiu que, num ambiente previsivelmente tenso como era o africano dos inícios da década de 60, o poder político não se tivesse preparado e tivesse mesmo sido colhido com aquele grau de surpresa perante a subversão e que o dispositivo militar português na província agrícola mais rica do território ultramarino mais rico fosse…praticamente nulo. Mesmo à distância de 46 anos ainda é possível identificar uma asneira política colossal...
Mas não. Passado um mês, é com este discurso escorreito e muito bem redigido (como era seu timbre) que reaparece Salazar, fresquinho, aparentemente impoluto e desresponsabilizado, como se a responsabilidade pelos acontecimentos terem corrido daquela forma desastrada não lhe pertencesse: poucos planos de contingência havia e quase tudo teve que ser improvisado. É, de facto, mais fácil fugir-se às responsabilidades em ditadura e, valha o desabafo, que contraste o deste programa de Joaquim Furtado com os relatos hagiográficos (e outros) de Salazar de programas anteriores da mesma RTP.