08 outubro 2007

AS RAZÕES ESTÉTICAS PORQUE TORCIA PELOS "ALL BLACKS" E AGORA VOU TORCER PELOS PUMAS

Num poste anterior, havia prometido explicar as razões estéticas pelas quais iria torcer neste Campeonato do Mundo de râguebi pela Nova Zelândia – em complemento às razões históricas que me tornavam apoiante do País de Gales, conforme já havia explicado. Já irá atrasada, porque as duas equipas já foram eliminadas do Campeonato, mas a explicação impõe-se. Serve de preâmbulo, e é importante explicar que em râguebi pode-se torcer de uma maneira muito mais desprendida e muito diferente do que acontece com o futebol: chego a surpreender-me a aplaudir uma jogada bonita da equipa adversária que acaba por marcar… apenas porque foi espectacular.

Voltando ao passado, à segunda metade da década de 80 e aos princípios da de 90, a selecção que eu considerava que tinha o jogo mais bonito (e mais espectacular) era a selecção francesa, por causa da imprevisibilidade do jogo à mão das suas linhas atrasadas. Era um gosto apreciar as jogadas à mão quando a bola chegava à linha de três quartos da França (com Philippe Sella) onde se intercalava depois o defesa Serge Blanco (em baixo, à direita, com Sella) a desequilibrar as marcações. Mas não era só a França. Era uma época onde o râguebi podia ser espectacular pela criatividade dos protagonistas (!!!) de que o exemplo maior terá sido, talvez, o australiano David Campese, a estrela do Mundial de 91.
A grande alteração que me apercebi que os neozelandeses haviam trazido para o Mundial seguinte, em 1995, disputado na África do Sul, nada tinha de táctica e era sobretudo morfológica. Depois da criatividade que os franceses haviam trazido para o jogo à mão, era a vez dos neozelandeses tentarem mudar a morfologia dos que o jogavam. Enquanto tradicionalmente as linhas de três quartos serem compostos por jogadores rápidos e equilibrados (Sella, por exemplo, tinha 1,80 mts. de altura e 84 Kg. de peso), aparecia agora nos All Blacks um três-quartos-ponta chamado Jonah Lomu (em baixo), que também era rápido, mas era um pouco menos equilibrado… 1,96 mts. e 120 Kg.

Conseguir placar alguém com o arcaboiço de um avançado mas com a destreza e rapidez de um jogador tradicional das linhas atrasadas revelou-se algo de insuperável para os defensores das equipas adversárias, mesmo quando o campeonato passou para a fase a sério em que a Nova Zelândia defrontou as equipas com pretensões como a Escócia (nos quartos de final) ou a Inglaterra (nas meias finais). É que Jonah Lomu, com aquele corpanzil, nem tinha jeito para fazer fintas de corpo para evitar as placagens de quem o quisesse deter, conforme era tradicional: ele corria directamente na direcção do opositor para o cilindrar com o poder de choque dos seus 120 Kg
Ficou-me na memória a meia-final em que a Nova Zelândia jogou contra a Inglaterra, quando Jonah Lomu marcou 4 ensaios, removeu e cilindrou quem lhe aparecesse à frente e a Inglaterra foi perfeitamente ridicularizada, embora isso não se perceba pelo resultado final (45-29), porque a Nova Zelândia passou a segunda parte do jogo a descansar… O clímax do desconsolo inglês deve ter sido atingido quando, com a Nova Zelândia a vencer já em vantagem por um bom punhado de pontos, a bola sobra para um jogador neozelandês da terceira linha (Zinzan Brooke) que, recebendo-a quase junto à linha lateral, decide tentar dali um pontapé de ressalto a 45 metros dos postes…

A bola entrou e foram mais 3 pontos para a Nova Zelândia. Convém esclarecer que as boas regras mandam marcar em cima os bons pontapeadores que haja na equipa adversária, normalmente o médio de abertura (nº 10), às vezes também o defesa (nº 15) ou o médio de formação (nº 9)… Agora, realmente, só nos All Blacks é que, num dia assim, pode haver jogadores da avançada (o nº 8) que decidem tentar converter pontapés de ressalto àquela distância dos postes… e convertem-nos! Foi um jogo espectacular que terminou com 9 ensaios (6 neozelandeses e 3 ingleses), em contraste com o jogo fechado e táctico (só 1 ensaio) com que a África do Sul bateu a França na outra meia-final. A Final desse Campeonato do Mundo de 1995, além de uma vertente desportiva, teve uma outra vertente política: a África do Sul era finalista e organizadora do evento, saíra do ostracismo a que fora votada pela política do apartheid, Nelson Mandela era o novo presidente do país, a ocasião era excelente para forjar uma nova identidade nacional englobando brancos e negros à volta de um grande feito desportivo, Mandela apareceu a presidir à cerimónia vestido com a camisola da selecção anfitriã com o mesmo número (nº 6) da do capitão da selecção dos Springboks, Francois Pienaar. A conquista do título pela selecção anfitriã seria o happy end à filme de Hollywood para todo esse enredo…

Desportivamente, o jogo não prestou para nada. Como aconteceu com os gregos na final Portugal – Grécia do Euro 2004 em futebol, também os sul-africanos adoptaram um dispositivo defensivo que estragou totalmente a espectacularidade do jogo, concebido para que a supremacia neozelandesa não pudesse sobressair. Jonah Lomu passou o jogo acompanhado de perto por três amigos sul-africanos que se precipitavam para ele ao mesmo tempo que ele recebia a bola… No fim, após prolongamento, a África do Sul ganhou o jogo, decidido a pontapés aos postes (5 a 4, nenhum ensaio...), a cerimónia final foi muito emocionante quando Mandela entregou a Taça a Pienaar (acima), mas ainda hoje penso que o título ficou mal entregue…
É por essa injustiça de há 12 anos, quando a equipa que produzia o jogo com a melhor estética não vingou, que ainda hoje torço pelos All Blacks, como que recuperando aquele título mundial que devia ter sido seu… Outra consequência, esta geral, para o aparecimento de um fenómeno como Lomu foi o reforço da compleição física dos jogadores das linhas atrasadas de três quartos: um (excelente) jogador típico desse sector, como o neozelandês Tana Umaga (acima), mede 1,88 mts. e tem 102 Kg. de peso. Finalmente, nunca ganhei nenhuma especial simpatia pela selecção nacional sul-africana, os Springboks, e ainda ontem me surpreendi a torcer descaradamente por Fiji, contra eles…

Notas Finais: Os Pumas são os jogadores da Selecção argentina, os All Blacks da neozelandesa e os Springboks da sul-africana. E continuo a contar-me entre os menos entendidos no râguebi que mantiveram a opinião que a prestação da selecção portuguesa neste Mundial nunca excedeu o que seria normal esperar dela, quer quanto aos resultados, com 4 derrotas, quer quanto às dimensões que elas assumiram (10-56, 13-108, 5-31 e 10-14). O resto é folclore.

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