02 outubro 2007

CHATEIA-ME SER SEQUESTRADO, PÁ!

Em Janeiro de 1984, Margaret Thatcher, então primeira-ministra britânica e que se confessava uma grande fã da série de TV Yes, Minister, escreveu um pequeno sketch teatral para a série em que interveio (no papel daquilo que ela verdadeiramente era - Primeira-ministra) conjuntamente com os dois protagonistas da série, Paul Eddington (no centro da fotografia abaixo, que fazia de James Hacker, o Ministro dos Assuntos Administrativos) e Nigel Hawthorne (Sir Humphrey Appleby, o Secretário Permanente desse Ministério).
O conteúdo do sketch (pode ser lido aqui) andava à volta da decisão de Thatcher de libertar a administração da praga dos economistas (no fim descobria-se que Sir Humphrey, como não podia deixar de ser, até tinha formação económica…), mas não tem grande graça e o que nele há de melhor é a curiosidade da sua autora e actora. Sem qualquer modéstia, há que reconhecer que mais de oito anos antes, em Novembro de 1975, já um primeiro-ministro português (abaixo), encenara e protagonizara um sketch daqueles de teatro livre onde, com a ajuda espontânea dos jornalistas, tinha tido muito mais piada:
PM: Primeiro-ministro português, Almirante Pinheiro de Azevedo (acima); J1,J2,J3,J4, …, Jn: Vários jornalistas presentes no local

PM (enquanto caminha) – … farto de brincadeiras, OK?! Brincadeiras, hã?!
J1 – …
PM (detendo-se) – Estou. Fui sequestrado. Já duas vezes… Já chega, não gosto de ser sequestrado! É uma coisa que me chateia, pá!...
J2 (de voz solene e arrastada) – Está convocada uma manifestação de trabalhadores agora para as quinze horas, aqui em frente ao palácio de Belém…
PM (interrompendo-o) – Pelo que o senhor presidente da república me falou nisso, dizendo que estava feita… ou convocada uma manifestação… Eu julgo que é de apoio ao senhor presidente da república para… contra o sexto governo que é o costume deles! (recomeça a caminhar)
J3 – Senhor almirante, podia-me dizer alguma coisa sobre a situação militar no país neste momento? Tem algumas informações?
PM (detendo-se novamente) – Está… Está… Tanto quanto eu sei, continua… na mesma: primeiro fazem-se plenários e depois é que se cumprem as ordens… (pausa) É a situação militar! Primeiro plenários, depois é que se cumprem as ordens.
J4 – O conselho de ministros não voltará a reunir-se portanto enquanto não houver uma decisão do presidente da república?
PM – Pois não… Pois não…
J5 – E o senhor primeiro-ministro está solidário inteiramente com o plenário do conselho de ministros?
PM – Eu? Estou.
J6 – Isto passa pela manutenção do senhor general Otelo de Carvalho
PM tem nada que ver com o general Otelo de Carvalho! O general Otelo de Carvalho não me interessa coisa nenhuma!... O senhor general Otelo de Carvalho, pessoalmente, não me interessa nada…
J7 – Então como comandante do COPCON, senhor almirante?
PM – Também não! Não me interessa nada…
J8 – Mas a resolução…
PM (tentando emendar o desabafo) – Acho que é uma pessoa que tem o seu lugar na revolução, uma pessoa a quem eu devo muito, sou amigo dele, mas não me resolve coisa nenhuma… O general Saraiva de Carvalho não me resolve coisa nenhuma…
J9 – Quem poderá resolver, senhor primeiro-ministro?
PM – O senhor presidente da república!
J10 (em surdina) – Senhor primeiro-ministro, esta reunião terá continuidade esta tarde, ou foram dados por findos, portanto, os contactos do primeiro-ministro com o presidente da república?
PM (coçando-se, franzindo-se, inclinando a cabeça para tentar ouvir a pergunta) – Hã?!
J10 – Se os contactos iniciados esta manhã se prolongarão pela tarde?
PM – Com o general Costa Gomes*? Ah, pois é natural que sim! E até depois de amanhã e mais depois de amanhã… (sorrindo ironicamente) isto não é fácil de resolver, é difícil. Vocês já viram agora o governo a suspender a sua actividade**? Realmente, é assim fora do normal…
J11 – Houve algum facto particular que ontem à tarde os levasse a tomar esta posição?
PM – Ontem à tarde?
J11 – Sim! Que depois o levou à noite a tomar esta decisão...
PM – Eu sou muito franco, como sabem, vocês podem fazer as perguntas todas. Ontem à tarde? (olhando para cima) Não, não me recordo de nada assim que me irritasse…
J11 – Seria a manifestação dos padeiros?...
PM – Nããão!... Essa dos padeiros concerteza… Sim, talvez, e daí talvez! Talvez a frequência das manifestações tivesse… no subconsciente dos ministros levantado esse problema. Tem razão! Olha, não me lembrava da dos padeiros…
Vários – …
PM – (recomeçando a caminhada) E eu agora… É pá, vou almoçar pá!

Ao contrário da participação de Margaret Thatcher, a de Pinheiro de Azevedo ficou felizmente preservada e está disponível no You Tube. Infelizmente para a reputação que a comédia portuguesa poderia ter tido no Mundo, e ao contrário de Yes, Minister e Yes, Prime Minister, a série Chateia-me ser sequestrado, Pá! só teve um episódio…

* Presidente da República.
** O governo estava, por assim dizer, em greve...

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