Já tive oportunidade de escrever neste blogue sobre Alexandre Magno e o destino do Império que conquistou. Hoje gostaria de me debruçar sobre outros aspectos, do que sabemos da sua pessoa e dos seus feitos e da forma como eles viram a ser valorizados na actualidade. Pensa-se que, na época que se sucedeu à sua morte, Alexandre se terá tornado numa lenda da cultura helénica e que esse estatuto poderá ter influenciado o que dele se veio a escrever. Embora se saiba que houve relatos primários – de testemunhas presenciais – sobre os acontecimentos do reinado de Alexandre, nenhum deles sobreviveu até aos nossos dias.
As fontes que chegaram aos nossos dias, apesar de muito antigas como o livro das Campanhas de Alexandre* escrito por Arriano no Século II da nossa era, distam quase 500 anos da data em que tiveram lugar os acontecimentos que descrevem, e por isso parecem estar já bastante impregnadas dessa ideologia lendária da pessoa de Alexandre Magno que se formou depois da sua morte. Praticamente esquecida durante a Idade Média, voltamos a encontrar a lenda de Alexandre ressuscitada na Idade Contemporânea, no romantismo do Século XIX, exemplificado no gesto de Lorde Byron.
O poeta britânico, que partiu em 1823 para combater aliado aos gregos modernos contra o opressor otomano, morrendo (de doença) no processo como um verdadeiro herói de uma história da sua corrente literária, foi dos raros ocidentais que descobriu à sua custa que os heróis épicos gregos das narrativas da Grécia clássica se haviam extinguido há muito, como os dinossáurios, ou nunca haviam sido assim. Os aliados com quem Byron se batia eram guerrilheiros que atacavam os destacamentos otomanos isolados, sem mostrar uma ponta das virtudes que os livros atribuíam aos membros das falanges tebanas e macedónias…
No entanto, foram precisamente as elites britânicas do período vitoriano que recuperaram entusiasmadamente a lenda associada à pessoa e aos feitos de Alexandre, o único ocidental que, pela conquista, alcançara o feito de fundir num Império seu a Europa com o Oriente. Também o Reino Unido se preparava para repetir esse feito ao edificar o seu Império das Índias. E embora Rudyard Kipling, considerado o poeta maior do Império britânico começasse um dos seus poemas:
Oh, East is East, and West is West and never the twain shall meet**.
A verdade é que o conteúdo do poema – na linha da restante obra de Kipling – é uma descrição do Oriente vista pelos olhos de um ocidental***.
Mas, aparte este aspecto ideológico de ser considerado o percursor longínquo do imperialismo europeu, ou d´O Fardo do Homem Branco, para usar o título do poema mais popular do mesmo Kipling, é preciso ter em conta a valorização, porventura excessiva, que a historiografia moderna deu a Alexandre pelos seus feitos tanto no campo político como no militar. Pelo que nos é relatado, ao longo da sua vida Alexandre comportou-se quase como um nómada (veja-se aqui, em animação, o percurso das suas campanhas), numa mobilidade contínua contra quem não se lhe submetesse e que resultou no Império representado abaixo.
Em termos militares, seguindo a narrativa de As Campanhas de Alexandre de Arriano, as vitórias mais significativas obtidas pelos greco-macedónios foram contra os persas, nas batalhas de Granico (334 a.C.) na Turquia ocidental, de Isso (333 a.C.) na Turquia oriental próxima da Síria, e de Gaugamela (331 a.C.), no Iraque setentrional, na região hoje dominada pelos curdos. Depois disso, a narrativa não menciona qualquer grande engajamento durante os cinco anos seguintes até ao da batalha do Rio Hidaspes no Paquistão (326 a.C.), contra Porus o soberano do Panjabe, muito embora Alexandre tenha continuado sempre em campanha, subjugando as populações do Irão e do Afeganistão.
Se o génio militar de Alexandre está selado para além de qualquer controvérsia**** por causa daquelas vitórias em batalhas convencionais, alguns acontecimentos da história mais recente têm-me levado à questão se Arriano e a nossa percepção moderna de Alexandre estabelecida por seu intermédio, não nos teremos enganado e subestimado aquilo em que o rei macedónio também era verdadeiramente genial… É que as campanhas fracassadas no Afeganistão por britânicos (Século XIX) e soviéticos (Século XX) e as dificuldades atravessadas actualmente por norte-americanos (no Iraque) e pela NATO (no Afeganistão) parecem mostrar onde está o verdadeiro problema.
E o problema em qualquer dos conflitos citados acima não esteve na oposição frontal com que britânicos, soviéticos ou norte-americanos foram recebidos, mas na forma como tiveram (e têm) de lidar com a guerra subversiva que se estabeleceu depois disso. Como em qualquer guerra contra-subversiva, as forças greco-macedónias, depois de invadirem o Irão e o Afeganistão, não devem ter travado nenhuma grande batalha convencional que se considerasse digna de figurar nas crónicas e que tivesse, por isso, passado para as narrativas de Arriano. Mas, a ser assim, não restam dúvidas que aquele exército ocidental terá triunfado naqueles cinco anos onde os outros exércitos ocidentais mais recentes falharam. E essa vitória sobre a subversão terá sido um feito de Alexandre que, como estratega, emparelha, senão mesmo supera, as suas vitórias nas batalhas convencionais que lhe dão a reputação…
* Anabasis Alexandri, no original.
** Oh, o Oriente é o Oriente e o Ocidente é o Ocidente e os dois jamais se encontrarão.
*** Kipling nasceu em Bombaim, na Índia, de pais britânicos.
**** Por exemplo, o historiador militar britânico John Keegan, que muito prezo, escolhe-o como um dos líderes militares de referência em The Mask of Command.
O poeta britânico, que partiu em 1823 para combater aliado aos gregos modernos contra o opressor otomano, morrendo (de doença) no processo como um verdadeiro herói de uma história da sua corrente literária, foi dos raros ocidentais que descobriu à sua custa que os heróis épicos gregos das narrativas da Grécia clássica se haviam extinguido há muito, como os dinossáurios, ou nunca haviam sido assim. Os aliados com quem Byron se batia eram guerrilheiros que atacavam os destacamentos otomanos isolados, sem mostrar uma ponta das virtudes que os livros atribuíam aos membros das falanges tebanas e macedónias…
No entanto, foram precisamente as elites britânicas do período vitoriano que recuperaram entusiasmadamente a lenda associada à pessoa e aos feitos de Alexandre, o único ocidental que, pela conquista, alcançara o feito de fundir num Império seu a Europa com o Oriente. Também o Reino Unido se preparava para repetir esse feito ao edificar o seu Império das Índias. E embora Rudyard Kipling, considerado o poeta maior do Império britânico começasse um dos seus poemas:
Oh, East is East, and West is West and never the twain shall meet**.
A verdade é que o conteúdo do poema – na linha da restante obra de Kipling – é uma descrição do Oriente vista pelos olhos de um ocidental***.
Mas, aparte este aspecto ideológico de ser considerado o percursor longínquo do imperialismo europeu, ou d´O Fardo do Homem Branco, para usar o título do poema mais popular do mesmo Kipling, é preciso ter em conta a valorização, porventura excessiva, que a historiografia moderna deu a Alexandre pelos seus feitos tanto no campo político como no militar. Pelo que nos é relatado, ao longo da sua vida Alexandre comportou-se quase como um nómada (veja-se aqui, em animação, o percurso das suas campanhas), numa mobilidade contínua contra quem não se lhe submetesse e que resultou no Império representado abaixo.
Em termos militares, seguindo a narrativa de As Campanhas de Alexandre de Arriano, as vitórias mais significativas obtidas pelos greco-macedónios foram contra os persas, nas batalhas de Granico (334 a.C.) na Turquia ocidental, de Isso (333 a.C.) na Turquia oriental próxima da Síria, e de Gaugamela (331 a.C.), no Iraque setentrional, na região hoje dominada pelos curdos. Depois disso, a narrativa não menciona qualquer grande engajamento durante os cinco anos seguintes até ao da batalha do Rio Hidaspes no Paquistão (326 a.C.), contra Porus o soberano do Panjabe, muito embora Alexandre tenha continuado sempre em campanha, subjugando as populações do Irão e do Afeganistão.
Se o génio militar de Alexandre está selado para além de qualquer controvérsia**** por causa daquelas vitórias em batalhas convencionais, alguns acontecimentos da história mais recente têm-me levado à questão se Arriano e a nossa percepção moderna de Alexandre estabelecida por seu intermédio, não nos teremos enganado e subestimado aquilo em que o rei macedónio também era verdadeiramente genial… É que as campanhas fracassadas no Afeganistão por britânicos (Século XIX) e soviéticos (Século XX) e as dificuldades atravessadas actualmente por norte-americanos (no Iraque) e pela NATO (no Afeganistão) parecem mostrar onde está o verdadeiro problema.
E o problema em qualquer dos conflitos citados acima não esteve na oposição frontal com que britânicos, soviéticos ou norte-americanos foram recebidos, mas na forma como tiveram (e têm) de lidar com a guerra subversiva que se estabeleceu depois disso. Como em qualquer guerra contra-subversiva, as forças greco-macedónias, depois de invadirem o Irão e o Afeganistão, não devem ter travado nenhuma grande batalha convencional que se considerasse digna de figurar nas crónicas e que tivesse, por isso, passado para as narrativas de Arriano. Mas, a ser assim, não restam dúvidas que aquele exército ocidental terá triunfado naqueles cinco anos onde os outros exércitos ocidentais mais recentes falharam. E essa vitória sobre a subversão terá sido um feito de Alexandre que, como estratega, emparelha, senão mesmo supera, as suas vitórias nas batalhas convencionais que lhe dão a reputação…
* Anabasis Alexandri, no original.
** Oh, o Oriente é o Oriente e o Ocidente é o Ocidente e os dois jamais se encontrarão.
*** Kipling nasceu em Bombaim, na Índia, de pais britânicos.
**** Por exemplo, o historiador militar britânico John Keegan, que muito prezo, escolhe-o como um dos líderes militares de referência em The Mask of Command.
Excelente análise. Pela sua síntese, pelo ângulo observado e pela conclusão retirada
ResponderEliminarLS
Obrigado, LS.
ResponderEliminarGostei muito de ler este teu post. Grande capacidade de analisar aspectos que, na maioria das vezes, não são sequer considerados. Importante a observação do grande distanciamento entre os acontecimentos e os relatos escritos, favorecendo assim a lenda, o mito.
ResponderEliminarLendo e aprendendo.Obrigada.
Obrigado eu, pelo comentário.
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