
Regressando ainda um pouco mais atrás no tempo, ao Outono de 1813, os dias de 16 a 19 de Outubro assistiram ao feito (raro) de uma derrota campal de um exército comandado por Napoleão Bonaparte. Tratou-se da Batalha das Nações (ou Batalha de Leipzig - abaixo) onde os franceses e alguns aliados seus se defrontaram contra uma coligação de austríacos, prussianos, russos e suecos. A coligação que se formara para derrotar Napoleão também era ideológica e era mais vasta que as nações constituintes: entre os que o derrotaram contavam-se o general Moreau, antigo republicano que se exilara nos Estados Unidos e que morrera na batalha como conselheiro do czar, e o antigo Marechal francês Jean-Baptiste Bernadotte agora tornado príncipe herdeiro do trono sueco.

Napoleão e as armas francesas acumularam vitórias tácticas (Brienne, Champaubert, Montmirail, Château-Thierry, Vauchamps, Montereau…) em território francês, sem conseguirem alcançar a vitória estratégica que pudesse reverter a situação desesperada em que se encontravam: em 30 de Março de 1814, os aliados austríacos, prussianos e russos entravam em Paris, com o czar Alexandre I à frente. Os alemães iriam voltar àquela mesma cidade como conquistadores por mais duas vezes (em 1871 e 1940), mas a entrada em Paris do czar Alexandre I e dos seus russos é um acontecimento único da história da Europa, cujas imagens são tão simbólicas (abaixo) quanto a dos soldados soviéticos no telhado do Reichstag em 1945. A 11 de Abril de 1814, Napoleão Bonaparte assinava a sua abdicação:

A Coligação que o derrubara era uma coligação negativa (eram todos contra Napoleão), de composição heterogénea e mesmo num assunto tão sensível quanto ao que aconteceria com a França depois da sua deposição, austríacos, russos e britânicos pareciam não estar de acordo. No final foi a posição britânica que acabou por prevalecer: o retorno à dinastia dos Bourbons e a chamada Restauração com Luís XVIII no trono. A importância dos britânicos estava subestimada nos campos de batalha mas aparecia reforçada à mesa das negociações porque eram os seus subsídios que pagavam a manutenção de uma boa parte dos exércitos dos seus aliados.

E a discussão acesa que se estabeleceu sobre o método de aprovação (popular ou não) deste ultimo tratado reformador parece-me ser instrumental para aqueles que se lhe opõem por acreditarem que o escrutínio lhes será favorável. Mas é honesto reconhecer que a parte contrária também assume essa inferioridade psicológica, o que a leva a argumentos risíveis para sustentar as sua posições: nos Países Baixos onde o projecto anterior foi chumbado em referendo, argumenta-se que esta versão não será tratada da mesma maneira porque é completamente diferente da anterior, enquanto que em Espanha, onde o projecto anterior fora aprovado em referendo, há quem argumente que ele se torna dispensável desta vez, porque as versões são muito semelhantes…

Mas, se o exemplo de 1814 servir de orientação, então esta unidade europeia não será decidida pelos votos e pelo peso das massas populares: Napoleão também contava com centenas de milhares de soldados de outras origens, fornecidos pelos países seus aliados, que acabaram por desertar (quando não se passaram para o inimigo…) nos momentos cruciais. Neste momento, a maior ameaça aos defensores do aprofundamento (e deste tratado) é a que parece existir entre as elites nacionais de muitos países membros da União, onde já existe uma massa crítica que se opõe à evolução que a União tem vindo a seguir. Podem ser poderosas em termos nacionais – como se viu, por exemplo, nas forças constituintes, paralelas às estruturas tradicionais, que se manifestaram pelo Não no referendo que venceram em França em 2005 – mas não se têm visto a agir de forma concertada com as outras elites nacionais de opinião igual.
Creio que será uma questão de tempo, com ou sem Tratado Reformador aprovado, para elas se concertarem e tudo se desmoronar – pelo menos no figurino percorrido desde 1993 até cá. Relembre-se que, em 1814, aquela já era a Sexta Coligação (!) que se formara contra Napoleão e, mesmo assim, o cimento que a unia parecia ser muito frágil, para além do propósito de o derrubar. Mas consegui-o… Não se deve subestimar o poder das forças centrífugas da Europa que esmagaram estrategicamente Napoleão, sem que ele as pudesse vencer tacticamente. Se a História nos pode ensinar alguma coisa é que há certos projectos políticos que têm de respeitar um certo ritmo para que sejam bem sucedidos. Hong-Kong e Macau têm uma fase de transição de 50 anos (prorrogável) até se integrarem integralmente na China e a adesão da França (Gália) à Europa romana deu-se 70 anos depois da da Espanha e 90 anos antes da da Inglaterra…
Ora a China e a Europa romana parecem ter e ter tido uma solidez que esta União não tem…
* Mas até isso pode mudar…
Excelente texto. É pena que os nossos "estrategas" europeus saibam tão pouco de história ou, caso saibam, não aprendam as lições.
ResponderEliminarÉ pena, de facto, Sofia. Suspeito que haverá quem saiba (ou tenha sido alertado por quem sabe), mas isto trata-se de verdadeiros problemas estruturais e o tipo corrente de vivência e sobrevivência políticas que vigoram na política europeia são conjunturais.
ResponderEliminarNo caso particular português, pode-se dizer que se exportou um manhoso desenrascado para presidir à comissão, não um visionário inteligente.
Uma apreciação que se deve reter quando ele quiser voltar...