Durante os momentos mais emocionantes da reconquista de Paris, a 25 de Agosto de 1944, Charles de Gaulle teve oportunidade de discursar no edifício da Câmara Municipal (abaixo) perante os poderes provisórios de uma nova França que ressurgia: o Conselho Nacional de Resistência e o Comité Parisiense de Libertação. Mas, quando foi instado por Georges Bidault, presidente do primeiro daqueles organismos a proclamar naquela ocasião solenemente a República, Charles de Gaulle reagiu, taxativo:
- Proclamar a República? Mas a República nunca deixou de existir. Por que motivo iria eu proclamá-la?...
- Proclamar a República? Mas a República nunca deixou de existir. Por que motivo iria eu proclamá-la?...

Submetido esse projecto de Constituição a referendo em Maio de 1946 (Eram mesmo tempos diferentes!), ele foi rejeitado por 53% dos votantes. Foi depois eleita uma nova Assembleia Constituinte, em Julho de 1946 e, submetido o seu trabalho mais uma vez a referendo (Não cesso de me surpreender com esta preocupação com a opinião popular que se terá perdido algures…) em Outubro do mesmo ano, este foi aprovado por 54% dos votos. Apesar dos retoques, mesmo nesta versão, o verdadeiro poder permanecia na mão do presidente do conselho de ministros.

A França ficou assim com uma Constituição formatada à figura do homem forte da época. E a actividade política francesa ficou, a partir daí, dependente em cada época da existência de um homem forte que a dirija – foram os casos do próprio de Gaulle (1958-69), porventura de Pompidou (1969-74), de Mitterrand (1981-95), talvez seja o caso de Sarkozy (2007-…). Mas o edifício político francês farta-se de abanar quando a personalidade do presidente não é forte, como aconteceu com Giscard (1974-81) e sobretudo com Chirac (1995-07), onde chegaram a ouvir-se vozes a pedir uma VI República…

Mudando de brincalhão, mas não de brincadeira, o editorial de hoje no Público de José Manuel Fernandes, intitulado Perdoem o atrevimento: e que tal uma IV República?, diz umas coisas giras e pergunta outras ainda mais giras, que parecem até fazer algum sentido*. O que o exemplo francês mostra (1) é que as mudanças de regime servem principalmente para deslocar a concentração dos poderes de um órgão de soberania para outro e o que o exemplo europeu mostra (2) é que uma parte desses poderes já nem sequer residem por cá, mesmo sem o recurso aos referendos que legitimaram as manobras francesas.

* Por que não esquecer a regionalização administrativa com poderes executivos e assumir que, no pais, existem regiões que podem ter representação política como corpo legislativo? Por que não repensar os poderes presidenciais? Por que não assumir na Constituição que as funções desconcentradas do Estado são funções descentralizadas das autarquias locais?
Mais um excelente texto. As preocupações de Menezes são puramente chocarreiras, a dizer qualquer coisa supostamente original para merecer atenção, mas sem qualquer verdadeira ideia política que sustente a necessidade de um nova Constituição. Quanto a José Manuel Fernandes, a coincidência de opiniões faz pensar, de facto.
ResponderEliminarE a quantidade de referendos que aquela gente fazia? Será que o Prof. Vital Moreira foi avisado?
Boa reflexão e boa análise comparativa.
ResponderEliminarRegionalização
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Os meus agradecimentos aos dois comentadores
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