11 outubro 2007

OLHAR PARA O CHÃO

Por todo o lado, deparamo-nos com a máquina comunicacional suportada por Bruxelas concentrada em retocar a imagem pública do sucesso que será a ratificação do tal Tratado Reformador que, como escreve Teresa de Sousa, com um pouco de sorte, se chamará de Lisboa. Não sei que sorte será essa a que ela se refere, mas ao lerem-se considerações a esse respeito intituladas Referendos cada vez mais fora do caminho do Tratado suspeito que se pretende que o número de felizardos não seja muito vasto…

A longo prazo, estou desconfiado que a sorte não será também de Teresa de Sousa que, por causa de toda esta embrulhada associada à aprovação do Tratado Reformador, acabou por passar de jornalista respeitada, especializada em questões europeias, a uma espécie de cheerleader entusiasta da causa da aprovação do tal Tratado da Sorte e, supõe-se, de todas as outras causas maiores que emanarem de Bruxelas. Só que me parece que há causas menores que nos merecem mais atenção e lhes merecem menos entusiasmo...
A mesma Bruxelas que serve de Quartel-General ao combate de Teresa de Sousa e dos seus camaradas de armas, é também a capital de (diz que é uma espécie de) um país chamado Bélgica que, depois das últimas eleições legislativas, se mantêm sem governo há mais de 4 meses. Até agora, a mesma máquina informativa da União vinha minorando o incidente, relembrando que, no passado, a Bélgica já estivera outros 120 dias assim. E daí, mesmo agora, supõe-se que o discurso oficial lembre como os recordes foram feitos para serem batidos…

Mas vale a pena olhar mais profundamente para o incidente. A crise corre fluida, parece não se sentir o vazio de poder do governo, nem há manifestações de ânsia em colmatar esse disputado vazio como deveria ser natural que acontecesse. Mas como a Bélgica é um país marcado pela forte clivagem entre a comunidade de língua flamenga (a norte) e a de língua francesa (a sul), uma grande maioria dos poderes administrativos correntes já foi transferida para os governos regionais das três comunidades (as duas e a capital - Bruxelas).
E como, por outro lado, a União Europeia tem vindo a arrebanhar discretamente competências que antes eram atributos dos estados soberanos (como a política financeira ou a monetária, por exemplo), não é de estranhar que o governo central belga esteja esvaziado de competências e a tornar-se, por isso, num elemento colateral da disputa política. Como alguém com ironia terá já afirmado, a Bélgica arrisca-se a desaparecer um belo dia, quando todos desistirem de constituir o tal governo nacional, e o facto saber-se-á por um telex das agências…

Como se vê pelo mapa abaixo, há elementos na separação da Bélgica que a podem tornar muito menos suave do que a de veludo da Checoslováquia. Por um lado, Bruxelas é um enclave maioritariamente francófono inserido na Flandres. Qual o seu destino? Por outro, ao contrário de checos e eslovacos, flamengos e valões compartilham os seus idiomas com os vizinhos do norte (Países Baixos) e do sul (França), deixando a porta aberta a projectos futuros de reunficação, redefinindo desconfortavelmente (para potências terceiras) as fronteiras europeias…
Mas talvez o efeito mais pernicioso do caso belga seja o estatuto exemplar de que o país goza no projecto europeu e que se poderá reflectir num possível efeito dominó junto de outros estados membros. A Bélgica é um elemento fundador da União e um país com 177 anos de existência; e é um caso exemplar daquele axioma, há muito criado por Bruxelas, em como a criação de uma super-estrutura política europeia (e quanto mais elaborada, melhor!...) poderia melhorar o entendimento entre os povos europeus.

Ora os flamengos e os valões têm-se entendido nos últimos 177 anos. Aí parece não ter havido problema. A novidade é que parecem estar fartos de se aturar reciprocamente e agora querem separar-se apesar do entendimento… Acessoriamente, esse parece ser também um problema de catalães e castelhanos ou de escoceses e ingleses, entre outros. A resolução do problema das nacionalidades europeias, como a desagregação da Jugoslávia demonstrou, continua a ser actual e não se resolve com a ingenuidade dos entendimentos como se tudo não passasse de um mega programa Erasmus para jovens…
Se a possibilidade de uma cisão se desse na remota Bulgária, país recém-chegado à União, então compreender-se-ia que as instituições europeias cometessem o erro de não lhes prestar a devida atenção. Mas não, trata-se da Bélgica, da capital Bruxelas, onde fica a sede da Comissão, e em vez de se olhar para o chão que se pisa e analisar as causa das fracturas que, a verificarem-se, irão fazer vacilar o edifício comunitário, anda-se de nariz no ar a olhar para as 12 estrelas e para as cláusulas do tal Tratado que, com um pouco de sorte, se chamará de Lisboa

Suspeito que vai correr mal, mesmo sem referendos, e Lisboa talvez tenha a sorte de não ficar mal vista por ficar com o nome associado ao tal Tratado…

5 comentários:

  1. Bruxelas é da origine uma cidade flamenga, embora se situe na flandres tenha estatuto bilingue, nas outras comunidades no país falam se a língua oficial seja flamenga seja francês, isto foi determinado pela lei. O problema, os francófonos que não querem respeitar as leis e recusam falar a língua corrente da região onde se domiciliaram. Quando eu me fixar na cidade de Lisboa, não exigirá que os outros deveriam falar o inglês.
    os cumprimentos Um belga flamengo

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  2. Suponho que histórias de quem se recuse a entender outro idioma que não o seu, serão muito frequentes na Bélgica – de um lado e doutro… E que os problemas belgas sejam um pouco mais profundos do que a falta de disponibilidade para o entendimento do idioma da outra comunidade… Isso, resolve-se facilmente: conheço quem (estrangeiro) se tenha perdido na zona flamenga de Bruxelas e, porque ninguém lhe respondia quando pedia indicações em francês, passou a pedi-las em inglês e lá chegou onde queria… A Bélgica (há 5 meses sem governo) é que parece que não chega a lado nenhum…

    Obrigado pelos esclarecimentos – e uma informação a propósito do exemplo que emprega: nós por cá funcionamos de maneira diferente. Se quiser falar inglês, num restaurante por exemplo, esteja à vontade. Mas não estranhe depois a conta: é a comissão de serviço…

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  3. Caro amigo, não existe uma zona flamenga em Bruxelas. A comarca de Bruxelas consiste em 19 municípios, os serviços de administração devem ocorrer nas duas línguas oficiais! Os outros municípios em volta de Bruxelas pertencem à comunidade flamenga. Um estrangeiro que chega num país cuja língua não fala, escolherá para o inglês, o idioma único falado no inteiro mundo. Aliás na flandres não há um problema linguístico, na Valónia também não há. São somente os habitantes francófonos saindo da Bruxelas para viver nos municípios flamengos que recusam falar a língua corrente.
    A sua observação quem quiser serviço tem de pagar. Então é uma coisa que a economia flamenga desde 40 anos faz, pagar para suportar a economia fraca da Valónia e a comarca de Bruxelas e qual seja nossa compensa, o desprezo e o recuso para aplicar as leis do estado belga.
    Cumprimentos dum belga flamengo
    http://blog.seniorennet.be/lisboa

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  4. Caro amigo, claro que não existe uma zona flamenga em Bruxelas! Imagine o quão perdida estaria a pessoa (estrangeira) de que lhe falei, que já havia saído de Bruxelas e nem havia dado por nada…

    Agora mais a sério: oficialmente a cidade é bilingue como afirmou, mas depois é capaz de haver muitas zonas da cidade onde a maioria das pessoas não o percebem se as interpelar em flamengo e outras (bastante menos) onde o mesmo acontece se as interpelar em francês (segundo as estatísticas que consultei – Wikipedia em inglês – 51% dos habitantes de Bruxelas só falam francês e 8,5% só falam flamengo).

    Será que essas estatísticas estarão certas, caro alfacinha? Se o forem, então Bruxelas é uma cidade maioritariamente francófona e a pessoa que referi estava num país cuja língua (uma delas, pelo menos) ele falava... Não parecia haver razões para se socorrer de uma terceira língua. E eu compreendo-o: faço o mesmo em Paris e faria o mesmo em Bruxelas. Infelizmente não poderia fazer o mesmo em Antuérpia, porque não falo flamengo.

    Quem me dera que o fizesse com a mesma desenvoltura com que o alfacinha o faz no português… Parabéns por isso e pelo seu blogue!

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  5. Caro amigo,
    O problema de Bruxelas tem panos para mangas, mas quero explicar mais uma vez.
    Na capital belga iniciou a decadência linguística da nossa língua materna quando o regime napoleónico decidiu que o francês seria a língua oficial (apesar o facto que em Bruxelas noventa por cento dos habitantes falava o flamengo). Depois da independência da Bélgica piorou a situação para os nativos de Bruxelas por causa os numerosos funcionários francófonos, atraído para a administração novo. A situação não melhorava com os muitos fugitivos da França naquele período. O afrancesamento de Bruxelas também foi fomentado pelo sistema eleitoral (somente a alta burguesia francófona tinha direito para eleger os politicas) Hoje em dia vivemos os belgas nas suas próprias comunidades, onde as leis da região estão em rigor. Só Bruxelas tem um estatuto bilingue, mas isto não tem impedido que hoje em dia apenas vinte por cento, o flamengo usa como língua falada. Quanto habitantes bruxelenses o francês têm como língua materna, é para mim um questão grande visto os numerosos cidadãos estrangeiros que povoarem a cidade.
    Que tenha de falar o francês em Paris e Bruxelas não seja estranho pois, eles pensam que falam uma língua internacional e que todos lhes têm de compreender. Sei uma coisa muito bem, quando os portugueses vão para férias no seu amado Algarve, enfadam se muitos vezes com os ingleses barulhentos e grotescos. Mas pior seria, quando entrarem numa loja ou encomendarem alguma coisa numa esplanada e o empregado diria : i´m sorry, i do not speak Portuguese.
    Um abraço

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