
Quanto mais o tempo passa mais se reforça a intensidade posta pelo desempenho do actor na personagem de Salieri, um mau da fita que afinal não seria tão mau quanto isso. Reconhece-se que o Salieri da história possuía a qualidade e o mérito de poder avaliar e compreender todo o talento genial para a composição de Wolfgang Amadeus Mozart, ao mesmo tempo que a sociedade contemporânea se mostrava cheia de pretensões mas vazia de conhecimentos.
Atinge-se mesmo o limite de uma cena em que Salieri dá mostras da honestidade intelectual de não se deixar embevecer pelos elogios do imperador aos méritos das suas composições – o mesmo imperador que detinha os cordões da bolsa de que dependeria o bem estar de Salieri e de Mozart.
Será talvez impressão minha mas, tendo eu chegado à blogosfera há pouco tempo e tendo, na minha infância e por razões que agora não vêm ao caso, mudado de escola por três vezes, sinto na atmosfera da blogosfera algo parecido com a sensação longínqua dos recreios de escola nova para onde me tinha mudado.
Como acontecia naquela época, tendo eu tido o privilégio de apreciar todo o cenário de fora, parece haver aqui, no mundo dos blogs, uns grupos constituídos de antemão, muito satisfeitos e muito cúmplices entre si, numa reciprocidade de scratch my back, i´ll scratch yours*. Subitamente, há blogs que despontam para a notoriedade e para a "excelência", apadrinhados por um círculo mais íntimo sem que eu consiga perceber razões objectivas para tanto alarde – para exemplo, veja-se a recente chegada à Júlio César do veni, vidi, vici** de Constança Cunha e Sá.
Não sei se sempre assim foi mas, sem pretender ser um émulo de Salieri, começo a formar a opinião que estamos a formar nesta blogosfera um retrato parecido ao do meu recreio infantil de outrora. É que, na minha humilde opinião, há blogues que considero muito bons e há blogs despropositadamente badalados. A maioria dos blogues que eu considero muito bons nem são dos mais badalados e, de entre os mais badalados, poucos são os que considero muito bons.
Matematicamente, a intersecção daqueles dois conjuntos daria um cardinal inferior ao dos dedos de uma mão…Não sei se a blogosfera seria como é se não se soubesse quem escreve aonde. Mas também sempre foi verdade que os testes cegos*** aos produtos deram sempre resultados surpreendentes…
* Coça-me as costas que eu coço-te as tuas (exp. inglesa)
** Cheguei, vi e venci (loc. latina)
*** Testes onde se desconhece a marca comercial do produto testado.
Você embirra com a Constança Cunha e Sá - mas veja o post de hoje sobre a "baixa" do Manuel Alegre. Essas cumplicidades de que fala existem, mas não creio que sejam tão venais como julga. "Eu, por exemplo" (este começo de frase é tão pequeno-burguês) tenho tido a sorte de ser lido por gente que desconheço por completo, e que me recomenda sem que eu saiba porquê. Que teia é esta? Não faço ideia. Se descobrir, explique-me.
ResponderEliminarÉ bem verdade que eu até embirro com a Constança Cunha e Sá, mas apenas a usei como um exemplo da publicitação meteórica de um blog que em circunstâncias diferentes, de um autor diferente ou de anonimato, não a teria.
ResponderEliminarE isso é algo que considero risível (arrebanhar a notoriedade duma actividade colateral para propósitos de promoção numa outra – como quando o Vítor Espadinha quis ser toureiro) independentemente da qualidade daquilo que se venha a produzir. Ou seja, para exemplificar, neste estrito aspecto o autor Rodrigo Guedes de Carvalho está em pé de igualdade com o autor José Rodrigues dos Santos, independentemente da qualidade literária dos livros que editaram.
A minha pena não se prende com a proeminência de Constança Cunha e Sá mas que muitos outros autores (também o seu caso) não disponham de um canal informal idêntico ao dela para dar notoriedade ao seu blog. E definitivamente, não de uma forma venal – a metáfora que usei de coçar as costas destina-se precisamente a excluir isso.
Quanto à teia por que pergunta gostava de dizer-lhe que por afirmar estar convencido que algo existe não pretendo concluir que só aquilo exista. Parafraseando-o, você, por exemplo, quando pediu sugestões para o seu blog, ter-me-á parecido ver respostas de amigos seus, mas também de outros, anónimos ou simples conhecimentos blogosféricos como este humilde signatário.
Agora, estou convencido que não quererá apostar contra mim que, se o Luís começar a aparecer regularmente na TV, o seu blog ficará automaticamente muito mais popular. E não será pelo melhoramento da qualidade dos seus textos ou das gravuras que inserir.
Eu bem sei que a vida é como é e que há causas demasiado idealistas. Mas isso é uma das maravilhas da blogosfera: no meu blog posso ser como sou.
"Eu bem sei que a vida é como é e que há causas demasiado idealistas. Mas isso é uma das maravilhas da blogosfera: no meu blog posso ser como sou."
ResponderEliminarÉ verdade. No entanto, se quer ser mais conhecido (e julgo que um autor de um blog QUER ser conhecido), sabe que terá de se concentrar em matérias mais operativas, e menos nostálgicas de um mundo ideal. Eu não sou a pessoa ideal para lhe dizer isto, pois sou tão corrosivo que afasto os "clientes fiéis", digamos assim.
Agora, acho mais interessante lutar por um espaço do que lamentar que outros o tenham por um processo qualquer. Mas como diz, o blog é seu.
Cumprimentos, L.
Confesso-lhe que tenho uma grande dificuldade em "me concentrar em matérias mais operativas" (seja lá o que isso for) e em encontrar interesse em "lutar por um espaço" (contra quê ou contra quem?).
ResponderEliminarO general do filme "Good Morning Vietnam" acaba-o dizendo "And this is just radio". Parafraseando-o, isto são apenas blogues, não é preciso linha editorial, nem satisfazer os anunciantes porque nem sequer há ordenados a pagar.
Permita-me retribuir-lhe o conselho: se quiser ser conhecido assim tanto como parece, faça "castings" televisivos, não perca tempo com blogs, para já. Depois de famoso, pode voltar.