Aqueles que têm memória sabem como é fácil criar a ilusão de que uma qualquer cimeira foi um sucesso. Basta que uma das partes esteja de má fé e que a outra precise, por razões políticas internas, que essa Cimeira seja um «sucesso». A anteceder em oitenta anos a Cimeira de Singapura do mês passado, há a famosa proclamação de Neville Chamberlain ao chegar a Londres regressado da Cimeira de Munique em Setembro de 1938, de papel ondulante na mão, que acabara de obter a paz (Peace in our Time) junto de Adolf Hitler, uma presciente proclamação de um «sucesso». Como se vê nas imagens abaixo, ontem como hoje, arranja-se sempre um coro daqueles optimistas de ocasião para a endossar que depois o decorrer dos acontecimentos vai tratar de fazer desaparecer. À volta da política de appeasement, apenas um ano depois e confrontados com a eclosão da Segunda Guerra Mundial, tornou-se difícil encontrar quem admitisse ter estado no aeroporto a vitoriar Chamberlain...
A sorte de Donald Trump (e o azar de Chamberlain) é que as proclamações do seu sucesso nesta Cimeira de Singapura não foram (felizmente!) desmentidas pela eclosão de uma guerra mundial. Em contrapartida, o ritmo dos acontecimentos no século XXI é muito mais acelerado, e aquilo que com Neville Chamberlain demorou um ano a reconhecer-se (que Hitler era um aldrabão e estava a negociar de má fé), no caso de Kim Jong-Un foi coisa de menos de um mês, bastou uma ronda negocial com o secretário de Estado Mike Pompeo. Não se sabem detalhes das negociações, mas sabe-se que esta fase terá terminado com uma das partes - a norte coreana - a insultar a outra (abaixo), e esta a fingir que não ouviu nada. Quem tem memória sabe que a tradição das negociações na Coreia é para que se empreguem expressões fortes, mas a percepção da opinião pública mundial (que não é muito esclarecida) não apreciará decerto o episódio como mais um marco do sucesso da diplomacia norte-americana e de Donald Trump.
Não o sendo, e como também a questão se disputa em termos de atenção mediática, torna-se preferível que a atenção principal sobre aquilo que esteja a acontecer na Ásia se transfira para a Tailândia e para o resgate de um punhado de jovens locais, aprisionados numa galeria de grutas.
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