30 abril 2007

AS TRÊS FOTOGRAFIAS DE IRINA RODNINA

Mesmo para aqueles que, como eu, têm mais de quarenta anos e mesmo que não sejam apreciadores de patinagem artística, o nome de Irina Rodnina ainda é capaz de ser vagamente familiar. As sucessivas transmissões televisivas que a RTP fazia no Inverno dos campeonatos europeus, mundiais e olímpicos de patinagem artística muitas vezes mencionaram o nome daquela patinadora russa ao longo da década de setenta.

E não é para menos. O palmarés de Irina Rodnina inclui a vitória em 11 campeonatos europeus (1969 a 1978 e 1980), em 10 campeonatos mundiais consecutivos (1969 a 1978) e ainda 3 títulos olímpicos (1972, 1976 e 1980). Sendo a sua especialidade a de pares, a impressão da sua qualidade sai reforçada quando se sabe que os seus títulos foram obtidos com dois pares masculinos diferentes: Alexei Ulanov, até 1972 e Alexandr Zaitsev, a partir daí.Mas com as classificações a serem atribuídas exclusivamente com base em notas de jurados*, confesso que não é o aspecto competitivo da patinagem artística que me merece mais atenção, antes a sua faceta de espectáculo. Num vídeo ainda do começo de carreira podemos apreciar Irina Rodnina a actuar e numa entrevista, ainda muito parecida com o visual que consta desta primeira fotografia (acima), de uma juventude e simplicidade desarmantes, a lembrar a Rosa Mota nos seus começos.Só que à medida que o palmarés da atleta se ia robustecendo, mais ela se tornava um activo importante da mensagem que a União Soviética pretendia transmitir para o exterior através das proezas desportivas. Já condecorada em 1972, recebeu em 1976 a Ordem de Lenine, a mais alta condecoração soviética. Ao mesmo tempo, como se vê na imagem acima, alguém se passou a ocupar da sua imagem, naquela típica estética socialista dos anos setenta, a fazer lembrar a Zita Seabra da outra encarnação.O prestígio de Irina Rodnina manteve-se após o fim da União Soviética e continua na actualidade como se comprova pela indicação pelo presidente Putin para que faça parte da Câmara Pública, uma espécie de Senado de 126 membros, criada recentemente em 2005 na Rússia. É possível que esse destaque que lhe é dado seja ajudado pelo facto dela pertencer à minoria judaica. De qualquer modo, esta terceira fotografia de Irina comprova como a globalização também já se estendeu à estética: agora ela parece igual a qualquer outra…

* Na minha opinião, por muito que existam critérios objectivos de avaliação, há sempre uma dose inultrapassável de subjectividade na nota atribuída pelo júri. É por isso que não é inverosímil a história do concurso de imitações de Charlot a que Chaplin concorreu incógnito, tendo obtido o 4º lugar…

29 abril 2007

COM DUNDUM NÃO ESCAPA UM…

Para os leitores mais veteranos deixem lamentar-me como é uma pena que a minha pesquisa das imagens e de filmes de antanho pela internet não tenha descoberto nenhuns sinais do saudoso insecticida Dundum que nem sei se era bom ou mau, só que tinha um jingle comercial inesquecível: Com Dundum não escapa um, Dundum é o fim…

Há certos assuntos que, depois de despontarem, os jornais resolvem tratá-los tal qual como a publicidade do Dundum de outrora prometia fazer aos insectos: não escapa um! Um exemplo desses assuntos será o dos condutores que entram em contramão nas auto-estradas; outro, mais recente, é o dos cães ferozes que atacam pessoas com gravidade.

Em qualquer daqueles exemplos, o que parece ter mudado foi a atenção e a cobertura dada pela comunicação social aos incidentes e não a frequência e a gravidade dos mesmos. Ontem houve mais um episódio e adivinhem que jornal o noticiava com um título assim: Mulher atacada por cão foi salva pelo electricista?

Pois, foi o Diário de Notícias… Só que ao contrário de algumas coisas que leio pela blogosfera é evidente que Joaquim Oliveira tem toda a liberdade de rentabilizar o investimento que fez na comunicação social escrita. Não o faz é com o meu dinheiro… E é por não lhe querer dar dinheiro que hoje fico sem ver o Benfica-Sporting na SportTV

TV NOSTALGIA – 27

Foi o meu desembaraço com a língua polaca que foi atrasando a inserção deste poste que seria dedicado exclusivamente às séries de televisão polacas do passado. Contudo, antecipei-me e já aqui falei, numa TV Nostalgia anterior, de Os Quatro do Blindado e o seu Cão (1966), cujo título original é um hermético Czterej pancerni i pies.
Também julgo que não é muito mais perceptível o título original Czolowka Stawka wieksza niz zycie (1968) que foi entre nós, simplificada e acertadamente, e se a memória não me tiver enganado, traduzido para Capitão Kloss. É uma série de TV sobre um patriota polaco que trabalha como oficial para os serviços de informações militares alemães (Abwehr) durante a Segunda Guerra Mundial.
Quanto à última série, Janosik (1974), o problema já não se põe quanto à compreensão do seu título original, que corresponde ao nome do herói, baseado numa personagem histórica parecida com o Robin dos Bosques que viveu durante os Séculos XVII e XVIII no sul da Polónia. De facto ele viveu tão ao sul da Polónia que os eslovacos reclamam Janosik como um dos seus e parece que com mais propriedade que os polacos
Nesta última série, o inimigo eram os representantes do Império Austríaco e nas duas anteriores, que se passavam durante a Segunda Guerra Mundial, evidentemente que era a Alemanha. Agora sobre episódios do passado onde interviesse o terceiro grande inimigo histórico da Polónia (a Rússia), suspeito que as séries televisivas polacas de todo este período devam ser de um silêncio de deixar ouvir o cantar das cigarras no Verão

MAMÃ!... MAMÃ!... OLHA SEM CÉREBRO!...

É conhecida a anedota da criança que se põe a fazer acrobacias de bicicleta enquanto chama a atenção da mãe para as suas proezas:
- Mamã!... Mamã!... Olha sem mãos!...
- Mamã!... Mamã!... Olha sem pés!...
- Mamã!... Mamã!...Olha fem dentefff!...

E há ocasiões em que a estupidez parece ser tanta que a melhor maneira que me lembro de a exprimir é a de adicionar uma quarta linha às proezas que a criança quer mostrar à mamã: exactamente a do título deste poste, a propósito de um outro título de um artigo do Diário de Notícias de sábado. É um artigo sobre investigações genealógicas e, como é costume, essas investigações genealógicas esquecem-se sempre da regra da progressão geométrica do número dos nossos antepassados, quando querem arranjar conclusões que impressionem o leitor.

E, contudo, é uma ideia facílima de compreender: cada um de nós tem por antepassados 2 pais, 4 avós, 8 bisavós, 16 trisavós e assim sucessivamente… Quanto mais recuarmos no passado, maior o número de antepassados, até eles se contarem por milhões. Assim, por exemplo, há 20 gerações atrás, por volta do período dos descobrimentos (1500), todos teríamos, teoricamente, 1.048.576 antepassados… Ora, estima-se* que a população portuguesa em 1500 rondaria as 1.250.000 pessoas. E, ainda que possível, não parece provável que todos descendamos de quase todos os portugueses de 1500.

É que importa lembrar que compartilhamos todos aqueles antepassados com os nossos irmãos e metade deles com os nossos primos direitos…No passado, é provável que entre os nossos antepassados tenham havido casamentos consanguíneos, mesmo com parentescos distantes. Entre os actuais descendentes das famílias reais, onde as árvores genealógicas estão mais exaustivamente estudadas, mas onde também imperava uma política de consanguinidade dos casamentos, os antepassados a 20 gerações de distância contam-se, mesmo assim, pelas várias dezenas de milhar.

A minha conclusão é que, com centenas de milhares de antepassados, é muito provável que, recuando no passado, em algum momento venhamos a encontrar algum ascendente que nos conduzirá a alguém importante que, por sua vez, descenderá por via bastarda de um monarca. Sabendo tudo isto, percebe-se melhor a banalidade do título do DN, na sua separata DN Gente de sábado, numa página dedicada à família e às genealogias (p.21): Político e descendente do rei D. Sancho I. O político em questão é (suspeito que não vou surpreender os leitores...) Paulo Portas…

A Genea Portugal, que assina o artigo, conclui nas suas investigações que Paulo Portas é descendente de D. Sancho I e de D. Dinis. Como julgo ter demonstrado acima, não é uma descoberta que possa ser tão rara quanto isso, com o inconveniente de transmitir uma certa impressão de deslumbramento saloio… Nem de propósito, na página anterior (20), aparece uma notícia com fotografia sobre Felipe de Borbon, que deve descender de uma infinidade de reis. Eu, por mim, dou mais valor à carreira de Paulo Portas que à de Felipe de Borbon, mas para quem valoriza essas coisas, e comparado com Portas na página seguinte, ali estará quem tem um pedigree que mete o de Portas num chinelo!

* Atlas of World Population History, McEvedy & Jones.

28 abril 2007

TV NOSTALGIA – 26

Steven Bochco é um nome a reter quando se falam das séries de acção para televisão dos anos oitenta. Está por detrás de duas das de maior sucesso naquela década, Hill Street Blues (1981-87) e L.A. Law (1986-94). Quem as seguiu sabe reconhecer como há muito de comum entre elas, que neste poste procurei sintetizar nas imagens publicitárias das duas séries, mostrando, como duas perspectivas opostas de um mesmo objecto, a frente e a traseira de carros…
O segredo da narrativa das séries estava no seu ritmo, que saltitava de forma discreta e fluida de um conjunto de protagonistas para um outro, aos ombros do homem da câmara, como se o espectador fosse um cusco que por ali estivesse apenas pela curiosidade em saber o que se estava a passar. Havia a preocupação em compactar os acontecimentos como se eles tivessem acontecido no mesmo dia: era um dia de trabalho… e o trabalho do espectador fora cuscar o que se passara!
Em Hill Street Blues a acção central decorre numa esquadra de polícia, e a grande maioria do elenco (em baixo) consiste no pessoal do turno de dia dessa esquadra. E não havendo polícias maus, há muitos polícias peculiares… A cidade parece estar a atravessar uma fase economicamente recessiva* e está recheada de gangs étnicos (sobretudo negros e hispânicos), também peculiares, mas ligeiramente menos simpáticos…
A série seguinte é uma adaptação da anterior considerando as mutações sociológicas que a América sofrera. Sob Reagan e em meados dos anos 80, ela já estava cansada do tema dos seus problemas sociais e a imagem predominante passou a ser a da prosperidade prometida, corporizada nos yuppies. Em L.A. Law a história decorre num prestigiado escritório de advogados em Los Angeles, na Califórnia, terra do futuro…
Não é em vão que o carro de que se vê a matrícula na apresentação é um Jaguar XJ6… E a apresentação desta série, mostra uma ambiente de colarinho branco** e opulência que contrasta com os colarinhos azuis** e a degradação da sua antecessora. Aqui, em L.A. Law, os advogados (acima) são indiscutivelmente mais qualificados do que os polícias, mas os dilemas com que se defrontam são moralmente muito mais complexos…

* A cidade nunca foi identificada ao longo dos seis anos de duração da série, mas a sua localização pode ser restrita a uma das cidades das grandes regiões do Midwest ou do Nordeste norte-americano, devido a diversos factores identificativos, como o clima (queda regular de neve no Inverno), por exemplo.

** Em inglês, esta distinção da cor dos colarinhos é um traço identificativo de classe profissional: blue collar (operário industrial) e white collar (funcionário de serviços).

27 abril 2007

NARSES, O GENERAL ROMANO A QUE FALTAVAM CERTOS ATRIBUTOS…

Durante o reinado do imperador Justiniano (527-565), procedeu-se à última tentativa por parte do Império Romano do Oriente de reconstituir a estrutura nuclear de todos os países ribeirinhos do Mediterrâneo, que parecia ter sido o segredo do extenso período de prosperidade do período imperial, propiciada por uma espécie de globalização regional, mas onde ela estava submetida a uma mesma autoridade política.

Se os créditos dessa façanha política são atribuídos ao imperador, as proezas militares são de dois dos seus generais, Belisário e Narses. Trata-se de figuras completamente distintas e cujos desempenhos não se sobrepõem porque o segundo veio a substituir o primeiro no cargo. Mas, nos relatos históricos, a pessoa e nome de Belisário tem até alguma notoriedade, pelo contrário, a de Narses passa desapercebida.
O território original do Império do Oriente está a vermelho. As reconquistas estão a cor-de-laranja.
Terá ajudado a essa notoriedade o facto do assessor de Belisário ter sido Procópio de Cesareia, o principal historiador cuja obra sobreviveu sobre a época de Justiniano. Baseado nas narrativas de Procópio, o britânico Robert Graves (de quem aqui já falei anteriormente como autor de Eu, Cláudio) escreveu uma (desapontante) biografia de Belisário. Mas o contraste com as referências a Narses é notório.

Ajustando-nos a referências modernas, Justiniano era um romeno, embora nascido na Sérvia, Belisário possivelmente um greco-albanês mas nascido na Bulgária e Narses nascera na Arménia, embora a sua família fosse de origem iraniana. Enquanto Belisário era um militar de carreira desde jovem, Narses teve uma longa carreira no Palácio em Constantinopla e tinha já 74 anos quando assumiu um comando militar em Itália.
No entanto, quando chamado a comandar o teatro de operações italiano, registou três vitórias em três anos consecutivos em batalhas contra os germanos, 552, 553 e 554*. Mas, contra este registo militar impressionante, parece haver algo que afecta as alusões reverenciais às proezas militares de Narses… E não é o facto de ele ser de origem asiática e oriental, mesmo considerando a natureza naturalmente oriental do império de Constantinopla…

Nem tão pouco será a sua idade ou especulações sobre a forma intriguista como terá obtido o comando do exército, possivelmente pelo seu valimento junto da Corte em Constantinopla… É que Narses era um eunuco a quem haviam cortado os testículos e isso parece ser uma característica embaraçosamente desenquadrada dos valores militares intemporais dos exércitos e, especialmente, dos valores tão propagandeados pela cavalaria medieval, onde o valor militar era associado à presença dos ditos…

* As batalhas, respectivamente, de Tagina, do Vesúvio e do Volturno.

26 abril 2007

A CAMINHO DA GLOBALIZAÇÃO NA RESTAURAÇÃO

De acordo com as classificações do Guia Michelin, de entre os 50 melhores restaurantes da Europa (classificados com três estrelas), mais de metade (26) são franceses e, desses, mais de metade (14) ficam em Paris. É o tipo de distribuição que está para a França, como os antigos Colégios de Cardeais estavam para a Itália: por isso é que era tradicional os Papas fossem sempre italianos…Se até o Vaticano se está reformar nesse aspecto, com papas polacos e alemães, porque não a organização por detrás do Guia Michelin? Provavelmente porque há mistérios que são mais misteriosos que os Mistérios da Fé...

Por muito que reconheça as qualidades da gastronomia francesa, confesso que estarei a pensar em outros atributos do carácter dos seus nacionais quando eles publicam, sem aparente sombra de embaraço, um guia onde se conclui que 28% dos melhores restaurantes do continente se concentram numa região onde reside 1,5% da população europeia… Até parece que as papilas gustativas do ser humano perdem a sua funcionalidade quando se abandona o hexágono… Enfim, de tão imodestas, estas classificações do Guia Michelin sempre foram ridículas.

Será para concorrer com aquele Guia disparatado que uma revista britânica Restaurant Magazine publica uma lista sua dos 50 Melhores Restaurantes do Mundo. Na distribuição dos 50 nomeados por nacionalidades, a França aparece a liderar, merecidamente, com 13 (mesmo assim, um número inferior aos que o Guia Michelin elegeu, só em Paris!), oito norte-americanos, sete britânicos, seis espanhóis e igual número de italianos, dois australianos e um da África do Sul, Bélgica, Brasil, Dinamarca, Finlândia, Holanda, Índia e Suécia.
Por curiosidade, como esta lista é ordenada, ela é encabeçada por um restaurante catalão, seguido de um britânico e de um francês. Mas repare-se como ela é, apesar de menos escabrosa que a anterior, completamente ocidentalizada: pela coincidência da existência condescendente de um restaurante na lista por cada continente marginal (Brasil – 1, Índia – 1, África do Sul – 1) ou pela omissão (gritante) da riquíssima tradição culinária oriental. Aliás, cereja no bolo da prova desse ocidentalismo faccioso é a presença na lista em honroso 7º lugar de um restaurante na Austrália que se chama… Tetsuya (e é japonês).

Em suma, fazem-se progressos, abandonam-se as classificações escabrosamente chauvinistas, que só se mantêm por inércia e falta de verdadeiro espirito crítico dos destinatários de tal tipo de publicações, mas creio que há ainda muito que palmilhar até à verdadeira globalização do bom gosto na cozinha…

CRÍTICA DE CINEMA

Além de nostálgico confesso, sou daqueles que não se incomoda nada em rever a mesma obra pela enésima vez à procura de lhe esmiuçar mais um pormenor que escapara de todas as outras vezes anteriores. Eu sou daqueles que, em O Pai Tirano, consegue citar de cor a deixa da Dona Cândida que serviria para a entrada do vilão em cena (Barroso Lopes):
- Nunca, Edmundo!... O Dr. Vasconcelos jurou-me (e aqui a Dona Cândida faz uma saudação fascista para abrir de seguida o braço esquerdo num gesto amplo, igual ao dos antigos polícias sinaleiros cabeças de giz, apontando a porta) que ao soar da badalada da uma hora na Torre de São Deniz… entraria nesta sala! (Gong) Ei-lo!...

E ainda me consigo rir das caras de parvo de Barroso Lopes e Vasco Santana depois de levarem na cabeça com o martelo de madeira com que o Sôr Machado fazia soar o gongue da badalada… A isto chama-se resistência à saturação...
Outra coisa distinta é este novo hábito de passar o filme Capitães de Abril todos os anos no dia 25 do dito. Como, de resto, já aqui escrevi há um ano, a começar por aquela sopeira que, pelo vocabulário que emprega, só poderia estar a tirar sociologia nas aulas nocturnas do ISCTE (...), o filme é medíocre de tão inverosímil. Bem sei que somos um país pequenino que não se pode dar ao luxo de ter muitos filmes sobre um mesmo assunto, mas é senso comum reconhecer como filmes mal feitos saturam muito mais rapidamente que os outros.

25 abril 2007

AFORISMOS TOLOS

Os cemitérios estão cheios de insubstituíveis. Este é um daqueles aforismos que, ainda que possa causar impacto em quem o ouve e não o pensa, considero que se torna tolo pela sua simplificação excessiva. Aproveita-se dele a chamada de atenção para que as organizações não fiquem dependentes em excesso de pessoas chave e o ânimo para buscar uma outra solução quando uma delas a abandona.

Agora, se é bem verdade que os cemitérios estarão cheios de insubstituíveis (e dos que se tomaram como tal), não é nos cemitérios que se devem procurar todas aquelas organizações que vieram a desaparecer por esse mundo fora depois de os verdadeiros insubstituíveis as terem abandonado… É que as organizações também morrem, nós é que não as enterramos e por isso não as encontramos no cemitério…

24 abril 2007

UMA PEQUENA HISTÓRIA DEMOGRÁFICA DA PALESTINA ANTES DO NASCIMENTO DO ESTADO DE ISRAEL

Apesar de ter sido uma das regiões pioneiras do aparecimento da agricultura sedentária do período pré-histórico, as próprias condições naturais da região devem ter limitado o total das populações locais a valores na casa de algumas dezenas de milhares (30 a 50 mil) embora esse valor fosse aumentando progressiva e suavemente ao longo dos milénios. Durante a fase terminal da Era do Bronze (1550 a.C. – 1200 a.C.) a população já rondaria os 150 a 200 mil habitantes.

Face a isto, e embora as escrituras mencionem milhões, todos aqueles episódios do Antigo Testamento (como o do êxodo) devem ter envolvido, muito provavelmente, contingentes bastante pequenos, de alguns milhares. Terá sido por conversão posterior da restante população residente a partir desse núcleo duro que apareceu aquele sentido identificativo da população judaica do período monárquico de Israel (1000 a.C. – 586 a.C.).

Sob os reis David e Salomão atingiu-se um zénite da prosperidade regional (por volta do ano 1000 a.C.), também traduzido demograficamente, com a população a duplicar em relação ao período mencionado anteriormente: entre 300 a 400 mil habitantes. A conflitualidade interna fez depois o reino cindir-se em dois (Israel a norte e Judá a sul), com a consequência da população vir a diminuir nos 500 anos seguintes cerca de ¼ em relação a esse níveis.

Para mais a região palestiniana foi, nessa época, conquistada pelos estados caldeus e assírios e tornou-se campo de recrutamento forçado de mão-de-obra para a Mesopotâmia, conforme consta das narrativas bíblicas. Só que, dessa vez e ao contrário de episódios precedentes, os volumes envolvidos, na ordem das dezenas de milhar de emigrados, seriam episódios que tiveram um impacto demográfico significativo na variação dos valores da população regional.

Durante os 500 anos anteriores ao nascimento de Cristo a população terá recuperado e mesmo atingido um novo máximo situado entre as 500 a 600 ml pessoas durante o período do protectorado romano que corresponde ao do nascimento de Cristo. Além de se estar a tratar de uma região superpovoada pelos recursos da época, fica a percepção de que ela continuaria a produzir a cada geração um excedente populacional e jovens emigrantes.

Essa percepção é traduzida pela descrição de comunidades judaicas espalhadas por quase todo o Império romano (no Novo Testamento) e por convulsões políticas periódicas na terra mãe, num processo que poderia assemelhar-se ao que aconteceu na Irlanda do Século XIX e XX. De uma dessas convulsões, mas das mais pequenas, rapidamente resolvida pelo governador local, veio a formar-se um movimento designado por Cristianismo…

Quanto às maiores, os romanos tiveram que reprimir brutalmente uma revolta judaica no Século I da nossa era (66-73), que se repercutiu inevitavelmente num substancial abaixamento dos níveis da população, para, 60 anos mais tarde (132-135), procederem a um extermínio metódico de toda a população por ocasião de outra grande revolta, um verdadeiro método de reengenharia étnica, a lembrar os do Século XX, mas que já havia sido ensaiado pelos romanos na conquista da Roménia (101-106).

Como consequência, exterminada ou banida, a população judaica praticamente desapareceu da Palestina e a população que veio a preencher o vácuo assim criado pertencia às suas regiões adjacentes, países que hoje conhecemos pela designação de Líbano, Jordânia e Síria. Tratava-se de populações árabes, gentias, mas fortemente aparentadas com as judaicas que agora existiam por todo o Império menos ali. Posteriormente, converteram-se massivamente ao cristianismo para depois adoptarem maioritariamente o Islão a partir do Século VII.

Por volta do Século III a população da Palestina voltara a atingir os 350 a 400 mil habitantes e serão esses os valores à volta dos quais oscilarão os seus valores até ao Século XIX. Pontos baixos serão atingidos na fase final da ocupação romana, no Século VII e o período da Peste Negra, no Século XV. Pontos altos serão o do apogeu do Califado, logo depois da conquista, no Século VIII e o da presença dos cruzados, ao longo do Século XII.

Só no Século XIX a população recomeçou a crescer até atingir os 500 mil em meados dele. Em termos confessionais, os judeus, que sempre se cifraram por uns residuais 1 a 2% da população total durante os períodos medieval e renascentista, já rondavam os 10% nos princípios do Século XX, devido à imigração. Em contrapartida, a percentagem de cristãos entre a população árabe local ia diminuindo devido à emigração da comunidade.


O censo de 1922, realizado quando a Palestina se havia tornado um Mandato britânico na sequência da Primeira Guerra Mundial, contou 757 mil habitantes, sendo 590 mil muçulmanos (78%), 84 mil judeus (11%) e 83 mil cristãos (11%). No de 1931, a população judaica (175 mil) já representava 17% da população total: 1.033.000. E em 1948, ano da proclamação do Estado de Israel, a população judaica sozinha subira às 800 mil pessoas…

FIASCO!

Lembro-me de um professor de físico-químicas, excelente por sinal, que adorávamos pôr em xeque cada vez que procedia às experiências de química na aula. Ainda o reagente não fora despejado no tubo de ensaio e já havia bocas avulsas e aziagas da parte da assistência antecipando a cor que o combinado não iria assumir, o gás que não se iria libertar ou o precipitado que continuaria dissolvido…

Fiasco! Fiasco! Fiasco! Era o comentário trocista que se espalhava pela sala a diversas vozes, num ciclo em que o comentário se vinha a revelar muitas vezes premonitório, o que ocasionava que, por isso mesmo, o concentrado professor se enervasse ainda mais, o que só dava ainda mais motivos à assistência para gozar o pratinho e repetir: Fiasco! Está-se mesmo a ver que vai dar Fiasco!...

Não sei quem se recordará da disputa pelo local da realização da 32ª Edição da Taça América em Vela há uns dois anos, onde Lisboa apresentou a sua candidatura em concorrência com outras cidades mediterrânicas para a vir a perder na ponta final para Valência. É precisamente essa competição que começou a decorrer ali desde o passado dia 16 de Abril.
E é com o mesmo espírito travesso com que antigamente saudava as tentativas do meu estimado professor (que conhecíamos por Moka, alcunha herdada) para que o lítio reagisse com a água conforme determinava a sua localização na tabela periódica, que informo que há cinco dias consecutivos não tem sido possível realizar a competição porque não tem havido vento… Ou seja, um verdadeiro Fiasco!

23 abril 2007

OS RETRATOS DAS MÚMIAS DE AL FAYYUM

Entre as maravilhas da arte que costumam passar desapercebidas constam estes retratos, que são conhecidos pelos Retratos das Múmias de Al Fayyum. São de um naturalismo impressionante e, como Al Fayyum é um oásis no meio do deserto no Egipto, as gravuras acabaram por ser muito bem preservadas pelo clima extremamente seco.
A uma primeira vista, o estilo não pareceria descabido em quadros de pintura europeia renascentista, embora com traços um pouco rústicos… Mas tratou-se de uma escola que foi desenvolvida no Egipto helenístico e que terá atingido o seu apogeu nos séculos I e II da nossa era… Estas pessoas que aqui vemos poderão ter sido contemporâneas de Jesus Cristo e dos Apóstolos ou dos imperadores Antonino o Pio ou Septímio Severo

Valha a verdade que os estudos descobriram que a correspondência entre as feições da múmia e as dos seus retratos (eles eram pintados em vida para posterior utilização) não serão tão rigorosas quanto poderão parecer à primeira vista: supõe-se actualmente que os pintores dos períodos finais partiam de fisionomias estilizadas para depois as adaptarem à dos retratados.

Mas, mesmo sabendo isso, parecem-nos pessoas com quem nos poderíamos cruzar na rua e continuam a ser de um realismo assustador, apenas equivalente, para o período da Antiguidade, ao encontrado nas pinturas murais de Pompeia e onde os melhores são muito superiores, em termos de representação, a tudo o que veio a ser produzido durante a Idade Média.
Para mais retratos veja-se a galeria e para esclarecimentos adicionais sobre as técnicas usadas veja-se um trabalho sobre o assunto (em inglês e formato pdf). É perante retratos como estes que se pode perceber o anacronismo do emprego da expressão do tempo dos romanos quando fora do seu contexto político específico. Estes não são retratos de romanos, mas sim de egípcios que viveram durante o período romano...

22 abril 2007

ONDE É QUE ESTAVAM OS CAPITÃES DE ABRIL NO 25 DE ABRIL?

Não é frequente saber-se que, depois do desembarque na Normandia do Dia D, a 6 de Junho de 1944, a França assistiu a um segundo desembarque de tropas aliadas nas suas contas meridionais mediterrânicas, na Provença, a 15 de Agosto (Operação Dragon). Ao contrário do que acontecera dois meses antes, as resistências alemãs acabaram por se revelar bastante menos empenhadas. Como se percebe pelo mapa de baixo, elas poderiam correr o risco de cerco e aniquilamento se os aliados perfurassem a frente da Normandia e se elas se atrasassem na retirada.

Uma das particularidades do segundo desembarque consistia na importância da captura do porto de Marselha, capital da Provença e também simbolicamente importante por se tratar da segunda maior cidade francesa. É dessa libertação que decorreu entre 23 e 27 de Agosto que vale a pena destacar um episódio, o da contribuição das forças da resistência marselhesa (designadas por FFI) para a libertação da cidade. No dia 23, dia do início dos combates, cerca de 500 bravos apresentaram-se.

O papel dos FFI foi útil mas não determinante para o seu desfecho. Dispondo apenas de armamento ligeiro a utilidade dos FFI revelava-se no reconhecimento e nas informações e sobretudo pelo seu papel simbólico. Uma outra curiosidade foi a forma como o pessoal com a braçadeira identificativa dos FFI se multiplicou à medida que o desenrolar dos combates se mostrava favorável aos aliados: dos 500 das primeiras horas dos combates urbanos, apareceram 20.000 na altura da vitória…

Foi um episódio que associei à leitura de um jornal de hoje onde, a propósito da próxima cerimónia do 25 de Abril, li a expressão a cargo do coronel …………., capitão de Abril. Confesso não conhecer o detalhe das operações do 25 de Abril para poder enumerar com precisão qual o número de capitães directa ou indirectamente envolvidos nelas. Mas tenho uma noção do número de capitães de Abril que apareceram posteriormente ao 25 do dito a reclamar-se do respectivo título.
Foram tantos que julgo que a expressão banalizada acabou por ser usada associada a um certo estado de espírito e não estritamente à própria participação no evento – como hoje se diria. É que se correspondesse o título de capitão de Abril à participação efectiva no golpe, suspeito que o número total de capitães teria dado para guarnecer para aí o equivalente a umas oito ou dez brigadas do exército*, que teriam entupido de tal forma o centro de Lisboa de soldados naquele dia que, se calhar e ao contrário do original, nem teria havido espaço para mirones… Em suma, suspeito que até aos próprios Capitães de Abril não seria descabido perguntar-lhes aquela imortal pergunta de Baptista Bastos: Eh pá, onde é que tu estavas no 25 de Abril?
* Para não falar da Marinha e da Força Aérea...

21 abril 2007

DOS BENEFíCIOS DUM VENDIDO NO REINO DOS BONIFÁCIOS (2)


Não há mal nenhum em qualquer órgão de informação assumir uma orientação política. É até regra noutros países. Cabe pois perguntar se a TVI passará a ser tão próxima do PS como a Prisa é do PSOE. Se não é essa a intenção, é bom lembrar que também nos media o que parece, é.
Síntese Escolhida pelo Público para o seu Editorial de 20/4/07
José Manuel Fernandes

Eu até poderia acompanhar o cepticismo e algumas críticas do editorial de José Manuel Fernandes de ontem, dia 20, no Público, a respeito da posição da Prisa na Média Capital, se ele se estivesse a referir à nacionalidade do capital. Um grupo de comunicação social de língua castelhana tem a opção de toda a América Latina, da Argentina ao México, para se globalizar. No entanto, este, como parece acontecer com quase todos os outros grandes grupos económicos espanhóis quando se globalizam, parecem adorar vir globalizar-se para aqui…

Contudo, duvido muito que as censuras de José Manuel Fernandes se orientassem por esses vectores, dadas as prováveis acusações de xenofobia que receberia (existe um certo policiamento às manifestações de nacionalismo económico) e, sobretudo porque, se o fizesse, estaria a entrar em contradição com as convicções ideológicas liberais que manifesta. O que nos leva à sua crítica, particularmente original, de que o problema com a Prisa resulta, não da nacionalidade dos seus proprietários, mas das suas opções políticas…

É que considero um verdadeiro anacronismo pôr o problema como Fernandes o pôs. Vale a pena lembrar tempos antigos onde órgãos de comunicação, nomeadamente jornais, se alinhavam completamente pelas orientações políticas de um partido, Para dar exemplos, seriam os casos de A Luta, pelo PS, ou de O Diário, pelo PCP, que eram dos mais descaradamente alinhados. Mas, extensão (mal) disfarçado dos jornais de partido, foi um modelo que se esgotou, pois apenas servia para converter convertidos. Aliás, José Manuel Fernandes saberá, por experiência própria, como ele funcionaria.

Actualmente, o que parece determinar o alinhamento dos grupos de comunicação social modernos são as simpatias dos seus donos. O da Prisa chama-se Jesus de Polanco e, além de ter a fama de gostar do PSOE (provavelmente não gostará de toda a gente do PSOE…), não vai lá muito à bola com a malta do PP, o que irritou compreensivelmente os seus dirigentes, como se pode ler neste poste. A leitura do comportamento dos grupos de comunicação pode ser mais bem sucedida se feita à americana, a partir da personalidade do proprietário.

Dando exemplos, vale a pena enumerar o caso de Katharine Graham, que era a dona do Washington Post na época do caso Watergate, a opção de Ted Turner em dar à CNN um teor noticioso moderado em contraste com o assumido pela Fox News de Rupert Murdoch ou, entre nós, o distanciamento prudente de Balsemão das maiorias absolutas do período de Cavaco Silva, num caso típico em que se percebe claramente como os interesses de Balsemão são uma coisa e a liderança do PSD, uma outra.

E, finalmente, actual, há o exemplo desta brusca inflexão recente do jornal Público que deu em condenar e converter em escândalo potencial tudo o que esteja à mão de semear que possa ser embaraçoso e relacionado com José Sócrates e o governo para o massacrar. E, contrariamente ao que José Manuel Fernandes receia no seu editorial, tenho quase a certeza absoluta que não terá sido preciso nenhum comité central nem nenhuma comissão política partidária para votar essa orientação, apenas a vontade irritada e despeitada do seu próprio patrão Belmiro de Azevedo…

É um cenário que, falho de provas, pode ser injusto, mas torna bem verdade aquele ditado que afirma que pela boca morre o peixe. Como remata a própria síntese de José Manuel Fernandes, citada acima: Se não é essa a intenção, é bom lembrar que também nos media o que parece, é. E se o que parece for, então deixo aberto à especulação do leitor em que conceito terei o director do Público… sempre adiantando que é um dos casos em que tenho muitas dúvidas que exista moralidade alguma para que ele possa dar lições (de falta) de vergonha a Pina Moura!

20 abril 2007

AS CABEÇAS

Há 23 anos a separar as datas das duas fotografias deste poste. Há ainda outros aspectos adicionais que as distinguem. As cabeças de cima foram cortadas a mando de líderes rebeldes (Holden Roberto da UPA, em 1961), mas as de baixo foram-no por instruções das autoridades governamentais (1938)! Os executados na fotografia superior são anónimos, mas os da inferior são relativamente conhecidos: trata-se de Lampião, Maria Bonita e o seu bando. Por fim, há um oceano de permeio entre os locais onde foi tirada a primeira fotografia (Angola) e a segunda (Brasil).

Mas não deixa de impressionar a semelhança existente entre elas. É que, se nenhuma cultura humana se pode vangloriar de estar isenta de expressões de violência, a forma como essa violência se expressa pode ser objecto de estudos antropológicos, na sua simbologia, por exemplo. E, pelo que se conhece da História e do tráfego negreiro que se desenvolveu entre Angola e o Brasil, o valor simbólico atribuído às cabeças dos inimigos que é expresso por estas fotografias, pode ser, muito provavelmente, algo mais do que uma mera coincidência*.
Estabelecer o paralelo não será uma hipótese politicamente correcta, tanto mais que existe uma certa ortodoxia de pensamento (felizmente a cair em desuso) que estabelece, por tese, que há uma espécie de cumplicidade tácita entre brasileiros e angolanos, como vítimas conjuntas do colonialismo dos portugueses. Haja ao menos uma certa receptividade à ideia que os portugueses ao imporem violentamente as suas concepções políticas e económicas às sociedades índias e africanas quando lá chegaram, estas não seriam propriamente os locais mais pacíficos na Terra…

* Como é conhecido, entre os índios norte-americanos, para dar um exemplo de uma expressão diferente, esse valor é atribuído ao couro cabeludo – o escalpe.

19 abril 2007

OS MICROS ESTADOS EUROPEUS – SÃO MARINO

Há uma lenda associada à fundação de São Marino, que diz que ela se deve a um pedreiro com o mesmo nome, oriundo da Dalmácia (faz hoje parte da Croácia) que ali se refugiou por motivos religiosos durante a perseguição religiosa do final do reinado do imperador romano Diocleciano (284-305). A reputação do refugiado levou a que ele viesse a ser canonizado dando o nome ao país. Simples, esta lenda terá, como costuma ser habitual, algum fundo de verdade.
Há documentação que referencia a fixação de, pelo menos, um monge naquela região logo nos princípios do Século VI. O uso daquelas épocas, importado do Oriente, era que os homens santos vivessem sozinhos em ascese e meditação no alto de pilares ou em sítios elevados. Eram conhecidos por estilitas e os seus lugares de recolhimento tornavam-se locais de peregrinação à volta dos quais se acabavam por fundar povoações com serviços de apoio aos peregrinos.

Durante o período medieval, São Marino, cujas primeiras referências como entidade política distinta datam do Século XIII, não se distingue no mosaico de pequenos estados em que se encontrava repartida a Itália. A haver algum destaque, será a sua propensão para a neutralidade nos diversos conflitos que atravessavam a península, conjugada com uma aliança preferencial com os Estados da Igreja, que resultaram no facto – raro na Europa – das suas fronteiras actuais datarem do Século XV.
São Marino tem uma área de 61 Km2 e 29.000 habitantes o que lhe dá as dimensões de um pequeno concelho de Portugal (onde o concelho médio tem 35.000 habitantes e 300 Km2). De um ponto de vista global da perspectiva italiana, não há nenhuma razão para que São Marino não tivesse sido abrangido pela unificação do Reino de Itália em 1861: ao contrário do Liechtenstein e de Andorra não está intercalado a meio de uma fronteira maior e, ao contrário do Mónaco, não tem saída para o mar; é Itália a toda a sua volta!

Contudo, do ponto de vista local, a decisão de manter a independência pode ter sido vantajosa, ao acrescentar um traço característico e ímpar a um país que vive sobretudo do turismo (mais de 3 milhões de visitantes em 2000) numa região onde a competição por essa fonte de rendimentos é ferocíssima (as rivais são Florença, Siena, Pisa, Pádua, Ravena, Veneza…). Se não fosse a curiosidade de visitar mais um país quantos daqueles três milhões nem se lembrariam de ali passar?
Outra fonte de rendimentos tradicionais é a filatelia. Menos tradicionais são as receitas geradas pelo regime fiscal mais favorável com que são acolhidos os registos de sociedades anónimas sedeadas no país, que são cerca de 1.000. Mais restrita e mais discreta ainda, foi uma outra fonte de receitas do passado, paradoxal num país que se reclama a mais antiga república do mundo: a concessão de títulos de nobreza. Entre 1861 e 1976 foram concedidos 177 títulos (12 duques, 19 marqueses, 76 condes, etc.) num país tão pequeno!

A PEDIR UM REMATE À ARCHIE BUNKER...

Tenho as minhas dificuldades em conseguir fazer uma síntese da série All in the Family para a explicar a quem não a conheça. Como explicar uma figura ao mesmo tempo simpática e insuportável como era Archie Bunker (sentado no cadeirão)? Ou uma figura ocasionalmente sábia mas desesperadamente tonta na maior parte do tempo como era Edith Bunker (à esquerda)?

Lembrei-me de um pouco conhecido trecho de um episódio da série (não o encontrei nas citações do IMDB), a propósito desta contínua insistência mediática em escarafunchar o assunto da licenciatura de José Sócrates sem que os jornalistas se apercebam que, no processo, podem estar a correr o risco de saturar a audiência – a peça original do Público já foi publicada há um mês!

Num dos episódios da série, uma sucessão de mal entendidos levaram a que se ficasse com a impressão que o ultraconservador Archie Bunker afinal era… judeu. Mike (o genro de Archie, no centro da fotografia) e o seu amigo Lionel (um vizinho e amigo negro que ouvia de Archie os comentários mais racistas possíveis) não perderam a oportunidade de o gozar à grande:

Mike: - Mas eu não sabia que o Archie era judeu…
Archie: - Mas eu não sou judeu!
Lionel: - Repara como ele gesticula. É mesmo gesto típico dos judeus…
Archie: - Mas se eu vos estou a dizer que não sou judeu!!
Mike: - Aliás, no outro dia descobri que os seus pais se chamavam David e Sara…
Archie: - Sim, David e Sara. E então?!...
Lionel: - David… Sara… São dois nomes judeus…
Archie: - David e Sara são dois nomes tirados da Bíblia Sagrada, que não tem nada a ver com judeus…

Bem sei que Mike e Lionel não pretendiam ser levados a sério no seu esforço de atribuir raízes judaicas ao preconceituoso Archie, tratava-se apenas do gozo que extraíam da ventilação do assunto, e, neste outro caso, não se podem fazer processos de intenções quanto às motivações de José Manuel Fernandes. A verdade é que o peso do disparate da resposta de Archie é atenuado por se tratar de uma proclamação absurda para pôr fim a uma situação excessiva…

É evidente que nem José Sócrates tem o senso de humor para isso, nem a actividade que ele desempenha se presta a essas liberdades, mas não hajam dúvidas quanto ao efeito desarmante que teria uma resposta final de uma equivalência estapafúrdia àquela tirada final de Archie Bunker. Estaria adequada a esta insistência cansativa montada à volta dos vários episódios associados à licenciatura de Sócrates…

18 abril 2007

O OCASO E O RENASCIMENTO DAS “VENTOINHAS” PARA TRÁS

Depois das experiências infelizes do período inicial da Primeira Guerra Mundial acabou por abandonar-se a ideia das hélices orientadas para trás, porque o problema que fizera surgir a hipótese fora solucionado com a sincronização do ritmo de tiro das metralhadoras com a passagem das lâminas da hélice à frente do cano. A esmagadora maioria dos aviões criados das três décadas seguintes têm o desenho tradicional, com os motores orientados para a frente.

Até que a configuração vem a ser recuperada, com uma certa surpresa, no primeiro bombardeiro a ser apresentado pelos norte-americanos depois da Segunda Guerra Mundial, a que deram a designação de B-36 (acima). O novo avião era uma verdadeira bisarma, com 6 motores (em vez dos 4 dos seus antecessores B-29 e B-17) e fora concebido para usar a altitude (podia atingir os 48.000 pés – quase 15 quilómetros) para evitar a ameaça dos aviões de intercepção.

Embora seleccionado pela Força Aérea norte-americana para transportar o armamento nuclear à distância em caso de conflito com a União Soviética (nessa perspectiva, é o primeiro avião da Guerra-Fria), não era um avião simpático para os seus utilizadores. Era pouco fiável, com uma manutenção difícil e dispendiosa e, sobretudo, era desconfortavelmente vagaroso (380 Km/h em cruzeiro) para um período onde os motores a reacção estavam a tornar a aviação de caça cada vez mais rápida.

Pior que isso, o desenvolvimento dos foguetes para defesa anti-aérea realizado pela União Soviética ao longo da década de 50, removeu a defesa que era proporcionada pela altitude e, falho de velocidade, tornou os B-36 em potenciais patos dos mísseis soviéticos. O avião permaneceu por uns míseros 10 anos (1949-59) em serviço. Para comparação, o seu sucessor, o B-52, com motores a reacção (oito!) e posto ao serviço em 1955, ainda hoje é utilizado…

A orientação das hélices deve ter sido o menor dos problemas quanto ao fiasco conceptual que foi o B-36. No entanto, a associação de ideias (mesmo que erradas) foi poderosa para fazer corresponder o design dos motores do B-36 (e a respectiva estética associada) às causas do fiasco. Mas a desforra esteve guardada para os modernos aviões não tripulados Predator, os aviões espiões que a 25.000 pés (7,5 km) de altitude, com as suas ventoinhas para trás, controlam tudo o que se passa cá em baixo…

17 abril 2007

MOMENTOS E FRASES HISTÓRICAS

Há duas versões muito distintas sobre qual terá sido a reacção do presidente norte-americano Harry Truman, quando o informaram do sucesso da detonação da bomba atómica sobre Hiroxima, em Agosto de 1945. Nas suas memórias, Truman virá a elaborar sobre as considerações que lhe ocorreram na altura, ao aperceber-se como a Humanidade entrara numa nova era.

Acontece que Truman recebeu a notícia em viagem a meio do Atlântico, quando voltava da Conferência de Potsdam, num cruzador da US Navy. Outras memórias, talvez mais concentradas devido à importância do passageiro, lembram um presidente a soltar um desabafo de alegria perante a tripulação: Rapazes, aplicámos aos amarelos o equivalente a vinte mil toneladas de TNT! E a malta explodiu de alegria...
A segunda versão é um bocadinho menos solene, mas, havendo máquina do tempo que esclarecesse o assunto, eu apostaria descaradamente em como ela seria muito mais próxima do que aconteceu na realidade... São declarações muito mais adequadas à personalidade simples de Truman e, em geral, considero ridícula a faceta de criar frases históricas para serem ditas em momentos históricos, sem ensaio.

Assim, por exemplo, acredito na de Neil Armstrong (também porque a ouvi – um pequeno passo para um homem, um salto gigantesco para a Humanidade), mas porque ele a trazia ensaiada da Terra para dizê-la tão logo pisou a Lua. Mas a que se atribui a Afonso de Albuquerque quando soube que fora demitido e substituído (Mal com os homens por amor de El-Rei e mal com El-Rei por amor dos Homens) parece-me uma verdadeira fantochada.
Não sei se a frase seria admissível no português coloquial dos inícios do Século XVI, mas por tudo o que sabemos dele, a sua reacção previsível enquadrar-se-ia muito mais num chorrilho de insultos destinados primeiro ao rei, depois aos intriguistas da Corte que o influenciaram e finalmente a Lopo Soares de Albergaria, enviado para o substituir. Claro que isso seria conceder que Manuel o Venturoso era uma pessoa simples, propensa a ser facilmente influenciável. E se calhar era...

A AMBIÇÃO E A CONVICÇÃO

Publicou ontem o Washington Post uma carta aberta do general John J. Sheehan, onde ele explica publicamente as razões porque declinou antecipadamente o convite que a Casa Branca estaria a considerar fazer-lhe – uma forma diplomática e rebuscada para que não seja o presidente Bush a levar a tampa – para um novo cargo criado por esta administração, onde o titular virá a ter a direcção simultânea dos conflitos do Iraque e do Afeganistão. Sabe-se que, juntamente com Sheehan, já houvera outras recusas.

Mas esta carta é um documento raro, porque normalmente em situações semelhantes a recusa é feita de uma forma cortês e discreta e não é interesse das duas partes dar-lhe publicidade. Só a situação anómala e a crise de confiança na liderança instalada neste momento nos Estados Unidos pode justificar a exposição que o general Sheehan resolveu fazer quanto às suas razões para a recusa: em síntese, Sheehan considera haver uma ausência de uma orientação estratégica coerente para o conjunto do Médio Oriente.
Não se podem, nem se devem, fazer julgamentos de carácter a partir destes pormenores em carreiras que são longas, mas há que admitir que são ocasiões únicas onde se chocam convicções e ambições, e em que uma delas prevalece. Este caso do general Sheehan é um exemplo que serve para me reconfortar da impressão que formei de pessoas que eu tinha noutra conta, como foram os casos de Álvaro Barreto e Bagão Félix, que podiam ter-se comportado de outro modo quando convidados por Pedro Santana Lopes para integrar o seu governo...
Ou então, não sabiam que Pedro Santana Lopes era como era… e aí, penitencio-me, seria a minha opinião original sobre eles que estava errada!

16 abril 2007

TRATADO SOBRE AS IGNORÂNCIAS DOS NOSSOS PGRs

Entre o que separa americanos e europeus em termos de comportamento, para além do emprego de uivos em manifestações sociais de regozijo, conta-se o à vontade com que os primeiros manifestam a sua ignorância a respeito de qualquer assunto. É característica que tem vantagens e inconvenientes: uma aula que queiramos mais participada quando conta com alunos americanos é um gosto, eles não se inibem de dizer o que lhes vai na cabeça; uma sondagem de rua sobre um tema qualquer (como esta) pode tornar-se mais do que hilariante, embaraçosa, porque eles continuam a não se inibir de dizer o que lhes vai na cabeça…

No nosso velho continente há uma outra inibição de mandar bojardas para o ar quando não se percebe nada do assunto: a loura das nossas anedotas só tem piada porque faz aquele comentário precisamente na altura onde devia ter ficado calada. E há imensos ditados populares (ex: a palavra é de prata mas o silêncio é de ouro) prezando a discrição. Só que olhando mais em detalhe, acredito que esta generalização tenha excepções. Pelo menos entre portugueses, e para certas pessoas de certas elites, o comportamento a adoptar quando à demonstração de sapiência ou ignorância depende muito do tema que esteja em causa. E às vezes as incongruências que daí resultam tornam-se ridículas.

Não repugna, por exemplo, a alguns economistas de renome confessar displicentemente que não tem conhecimentos de contabilidade suficientes para que consigam analisar autonomamente as demonstrações financeiras de uma grande empresa... Ou médicos que não sabem (e desprezam os colegas que sabem) dar uma injecção... E então entre a classe dos juristas, parece haver até um extenso manual de temas sobre os quais é ou não é importante confessar conhecimentos ou ignorâncias. O que nos leva ao propósito deste poste: as definições do que é (ou não é) cultura geral ou ignorância funcional admissível para os nossos Procuradores-Gerais da República…

Ouvi ao estimado Souto Moura, numa das inúmeras ocasiões em que ele era detido pelo tradicional muro dos 18 microfones à saída de qualquer lado (e onde nunca havia porta das traseiras que evitassem que ele fizesse figuras tristes…), que antes do sarilho do Envelope 9, nunca havido ouvido qualquer menção ao Excel (o utilitário usado para elaborar a famosa lista), e disse-o com o ar tranquilo de quem agora ouvira falar, mas de quem não fazia intenção de investigar por ele do que se tratava, que saber de informática é coisa de que um jurista em pouco ou nada pode beneficiar. E o que é que se podia fazer? Era Souto Moura…
E depois sucedeu-lhe Pinto Monteiro, o gajo que se espera que vá endireitar a situação, que se revela, numa audiência parlamentar, um perfeito discípulo do seu antecessor na forma displicente como comenta os conteúdos da blogosfera com a segurança que só a ignorância do conhecimento directo sobre aquilo de que está a falar pode trazer… Mais ridículo que isto, só a certeza que qualquer dos dois (Souto Mouro e Pinto Monteiro) ficaria à rasca se lhes pedissem em público a tradução de uma expressão jurídica latina para português... Que tal confrontarem-se com a explicação do significado de ubi eadem est ratio, idem jus*? Isso é que - na opinião deles - era uma vergonha que o PGR não soubesse…

* Onde há a mesma razão, há o mesmo Direito.

Nota: o meu agradecimento à Sofia, donde retirei o vídeo onde Pinto Monteiro faz aquela figura deplorável. Não é por dizer que não gosta da blogosfera, é pela confissão involuntária de não saber do que está a falar e pelo sítio onde, oficialmente, o demonstra...

OS AVIÕES MAIS BIZARROS DO MUNDO

Ao contrário do que se possa pensar, considerando os ases da aviação que revelou, a Primeira Guerra Mundial começou imensamente pacífica nos céus. Os aviões serviam sobretudo de unidades de reconhecimento do inimigo e quando duas unidades adversárias se cruzavam, os mais civilizados cumprimentavam-se e os mais nervosos disputavam-se a tiro de pistola, num esforço inglório para tanto belicismo.

Como se adivinha, os problemas que se colocavam eram o de instalar num avião poder de fogo suficiente para derrubar outra aeronave (uma metralhadora), o que era um problema relativamente fácil de solucionar, reforçando a potência dos motores, e o da disposição da arma, complicado, dado que para o piloto fazer pontaria, teria que atirar através da hélice, mas se lhes acertasse – e as hélices eram, na época, feitas de madeira – poderia, além do inimigo, abater dois aviões ao mesmo tempo...
Desculpem-me o pedantismo de me citar, mas já descrevi noutro poste as quatro formas estudadas na época para resolver o problema do emprego de uma metralhadora frontal nos aviões:

a) - Voltando à prancheta, os desenhadores transferiram a hélice para a traseira, atrás das asas. O avião passava a poder atirar em frente mas era comparativamente muito mais difícil de manobrar.
b) - Desenrascando o problema concreto, pondo duas espessas chapas de aço deflectoras na traseira dos hélices do avião. O avião ficava desequilibradamente mais pesado à frente, com menos potência e também mais difícil de manobrar.
c) - Criando um novo avião em que a metralhadora estava instalada no eixo central do hélice. Eficaz mas limitava o design do motor do avião e, com o uso da metralhadora, levantavam-se problemas de refrigeração, tanto do motor como da arma.
d) - Concebendo um sistema que sincronizasse o disparo das metralhadoras com o da passagem das pás dos hélices. Foi o que prevaleceu e, primeiramente usado pelos alemães, acabou adaptado por todos os contendores.
Na primeira solução, a recolocação da hélice orientada para a traseira obrigou a alterações substanciais na configuração do avião. No caso do de Havilland DH2 que figura nas duas imagens iniciais, o avião não tinha apenas um aspecto frágil: era mesmo frágil! Era um avião que mostrava todas as suas potencialidades sobretudo na primavera e no verão porque nas outras estações fazia mau tempo…

Melhor que o DH2, foi uma solução ensaiada pelos franceses onde se tentava reunir a robustez da configuração tradicional com a recolocação da hélice atrás do piloto, como se pode observar pelas duas fotografias de baixo. Além de outros problemas, o motor entalado ali ao meio, refrigerado a ar e virado para trás, tinha óbvios problemas de refrigeração e revelou-se um fiasco tão grande nos testes que apenas um exemplar (o protótipo) foi construído…
Significativamente, o avião era conhecido por Dufaux, do nome do seu criador, Armand Dufaux. Ora afirmar em francês que algo é du faux quer dizer que é falso, como falsa se revelava a solução proposta pelo construtor para resolver o famoso problema de como disparar frontalmente uma metralhadora quando um avião é movido a hélice. Pelo menos, neste caso, o nome não enganava…

Nota: E um grande agradecimento à Conceição pela consultoria.

15 abril 2007

OS POLÍTICOS BANQUEIROS

Falando a respeito de políticos que foram contemplados com uma sinecura à frente de um banco depois de abandonarem a actividade principal vale a pena recordar a figura de Jacques Attali, um conselheiro económico que gravitava à volta de Mitterrand (o que, em si, é logo um descritivo do seu carácter*) mas que, para o exterior, passava uma imagem onde se julgava um iluminado como Pedro Arroja, era tão petulante quanto Braga de Macedo e tão viscoso quanto Pina Moura.

Em 1990, muito provavelmente apadrinhado pelo presidente francês e depois de abandonar o Eliseu, Jacques Attali foi escolhido para presidir ao BERD (Banco Europeu para a Reconstrução e Desenvolvimento), um projecto que fora concebido para apoiar especialmente os países da Europa de Leste que, como em muitas outras coisas europeias, os franceses reclamavam como ideia sua, mas onde os fundos eram maioritariamente dos outros… O organismo ficou sedeado em Londres.

E depois, em 1991, Jacques Attali pôs-se a jogar às peras** com John Major, o primeiro-ministro britânico da altura, ao convidar deliberadamente Mikhail Gorbatchev para o visitar em Londres precisamente na altura em que ali decorria uma cimeira dos países do G7 (Estados Unidos, Japão, Alemanha, França, Reino Unido, Itália e Canadá) o que obrigou os seus líderes a receber o presidente soviético, para evitar a grave descortesia que constituiria o gesto oposto...

Evidentemente que, no seguimento do incidente, John Major mandou fazer a folha a Jacques Attali, com uma campanha de imprensa (dos dois lados da Mancha) onde o bestial economista de outrora passou rapidamente a besta, que nada fizera à frente do BERD, a não ser mandar construir uma magnifica sede que custara a módica quantia de 55 milhões de libras… No seguimento destas revelações, Jacques Attali foi obrigado a demitir-se em 1993. Hoje tenta passar desapercebido***…
A trajectória de Paul Wolfowitz, que se tornou presidente do Banco Mundial em 2005, depois da sua passagem como subsecretário da Defesa da administração Bush, parece estar a seguir, em traço gerais, o que aconteceu a Attali. Talvez com uma agravante suplementar: Attali era considerado um homem do círculo próximo de Miterrand, Wolfowitz é considerado um dos homens que fez a cabeça (...) a George W. Bush, causa adicional da azia que a sua pessoa suscita.

Já aqui me referira, num outro poste, a indicações que havia quem não iria deixar Paul Wolfowitz passar desapercebido entre os pingos da chuva. Houve o episódio caricato das peúgas rotas à saída da mesquita de Istambul (na imagem de cima), mas é este – muito mais sério – das acusações de nepotismo em relação à sua namorada (na imagem abaixo) que, tudo parece indicar, terá de acabar com a sua resignação – voluntária ou forçada – da presidência do Banco Mundial.
Wolfowitz parece ser, à sua maneira, mais uma vítima da Guerra do Iraque e dos métodos (forjados) de persuasão empregues para a desencadear, o que é uma indicação dos perigos que correm Donald Rumsfeld e Tom DeLay e aguardarão George W. Bush e Dick Chenney, além de outros protagonistas mais discretos, tão logo abandonem o poder… Ao contrário daquela famosa citação do filme O Padrinho, aqui deve dizer-se: It´s not politics, Sonny. It´s strictly personal****…

* Mitterrand era muito cioso quanto às suas relações próximas. Por curiosidade, vale a pena ver imagens de época e o comportamento subserviente, mesmo em público, do, normalmente altivo, son ami Mário Soares…
** De um ditado popular português: com teu amo, não jogues às peras
*** Mesmo assim, já foi associado a um recente escândalo do tráfico de armas com Angola…
**** A citação original do filme é: It´s not personal, Sonny. It´s strictly business. (Não é pessoal, Sonny. É uma questão de negócios, exclusivamente). A versão do poste lê-se: Não é política, Sonny. É uma questão pessoal, exclusivamente.