
Contudo devemos dar o desconto de uma época onde o entusiasmo pelo PREC caminhava para a saturação e trechos de diálogo como o que se segue, se tornavam frequentes:
– Ah sabe, eu não costumo ligar à política… – dizia o mais evasivo.
– Mas tem tudo a ver com política… – contrapunha o mais militante.
Ainda hoje não tenho a certeza se existem limites para que se faça uma associação entre a actividade política e um qualquer outro assunto mas posso assegurar que a estupidez humana é ilimitada…

Agora falando de Astérix gastrónomo, o que eu aprecio no desempenho de Astérix nas suas aventuras é que, ao contrário do pretensiosismo das correntes representadas, por exemplo, pelo Guia Michelin, ela se exprime em receitas bem simples. Paradoxalmente, é à cozinha romana que Goscinny resolveu atribuir o pseudo-requinte daqueles pratos sofisticados que não se conseguem designar de um só fôlego***, tão em voga na nouvelle cuisine francesa. A esses, Obélix faz uma apreciação sucinta (Astérix Gladiador, prancha 26): - Salgado!

– Obélix, já te disse que as ostras são como as nozes: só se come o interior…
– Mas eu como as nozes como as ostras: inteiras!
Mas reconheçamos-lhe a habilidade de saber o que quer e ter alterado a ementa do rancho quando assentou praça em Astérix Legionário (pranchas 21 e 27).
Ao contrário da imagem que geralmente dão de si no estrangeiro os seus longínquos descendentes do século XXI, os gauleses sempre tiveram uma grande capacidade para apreciarem as cozinhas locais (A Grande Travessia, prancha 14), excepção feita, claro está, ao caso britânico (Astérix entre os Bretões, prancha 11) ou ao caso pontual de um insuportável queijo corso (Astérix na Córsega, prancha 16). Mas, de resto, parecem incorporar-se facilmente nos costumes e apreciar a comida alheia (Astérix e os Belgas, prancha 17).

Mas o verdadeiro gastrónomo da aldeia não é nenhum dos dois heróis principais e sim o Chefe Abraracourcix. A história de O Escudo de Arverne gira à volta de uma cura de águas que o Chefe se vê obrigado a fazer por causa do fígado. A sucessão de banquetes que ele organizou, seleccionando as estalagens até à cidade das termas onde se ia tratar, e as frases com que se auto justificava enquanto se servia, na prancha 5, considero uma das melhores das aventuras de Astérix. E no final, depois de emagrecer até ao irreconhecível, ao revisitá-las na viagem de regresso, chega à aldeia com a mesma silhueta com que partira…

** Tecnicamente, havia mais um parceiro, os radicais de esquerda (de Robert Fabre), tão relevantes e tão autónomos em relação aos socialistas franceses como entre nós o era o MDP/CDE (José Manuel Tengarrinha) em relação ao PCP.
*** Velouté à la lentille verte du Puy émulsionné à l'huile de noisette é um exemplo recolhido ao acaso…
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