12 fevereiro 2007

O REFERENDO NÃO VINCULATIVO – 2

A propósito do comentário inserido pelo Rantas (obrigado, Rantas!), com o qual concordo, sinto-me na obrigação de sustentar melhor aquilo que atrás escrevi a respeito destes referendos não vinculativos.

Em abstracto, não me repugna que haja cláusulas constitucionais que limitem a validade dos actos eleitorais aos volumes de afluência neles registados. Mas, se existirem, por coerência, deve existir um critério que seja uniforme para todos os actos eleitorais e não apenas os referendos, porque a regra resulta da exigibilidade de um grau de envolvimento mínimo do eleitorado. Abaixo dos tais 50% de participação, os resultados de um qualquer acto eleitoral não seriam vinculativos. Ou então, essa cláusula não existia em circunstância alguma.

Claro que a existência daquela mesma regra dos 50% para outros actos eleitorais podia prestar-se a pequenas peças ridículas de ficção política, como esta inventada por mim para as próximas eleições presidenciais: Imagine-se que o actual Presidente da República, Cavaco Silva, é reeleito em 2010 para o cargo com 65% dos votos expressos, mas as eleições não teriam validade porque a taxa de afluência às urnas era de 43%*. Havia que repetir as eleições até que se atingisse o quórum obrigatório?…

Na RTP, Marcelo diria que 43 é quase 45 e quem diz 45 diz 47%, e com 47% está-se quaaase lá, e que não vale a pena repetir as eleições por tão pouco… Por outro lado, também José Sócrates, depois de uma Reunião no Rato com o Conselho Nacional do PS, se manifestaria receptivo à ideia de se dispensar a repetição de eleições… É aceitável que Cavaco fosse reconhecido presidente à primeira volta graças aos malabarismos de Marcelo na televisão e à boa vontade de Sócrates de não o querer submeter a escrutínios sucessivos?… Creio que não!

Todo este cenário faz lembrar a história do limite de velocidade de 120 Km/h nas nossas auto-estradas, onde a GNR usa (e noticia que usa) radares com uma majoração de 20% (144 Km/h): assim se sabe que, se os automobilistas não são multados, mas não por causa do rigor da lei vigente (absurda), mas pela boa vontade da GNR que tem uma interpretação mais liberal da mesma. Na minha peça de ficção política das presidenciais de 2010 seriam Marcelo e Sócrates que estariam dispostos a dar mostras de tal bondade a Cavaco…

Ontem Sócrates e Marcelo fizeram praticamente a mesma coisa ao passarem – cada um a seu modo - a mensagem da sua disponibilidade para aceitar a vontade expressa pela facção maioritária dos 3,8 milhões de portugueses que ontem foram votar. Em muitos aspectos sabemos quanto somos uma sociedade reverente, em que os gajos importantes são mesmo importantes e se fazem dar ao respeito, mas não nos esqueçamos que, em democracia (que é o regime que é suposto vigorar por cá…), consagra-se que a vontade popular é soberana, e superior à do gajo que manda nisto tudo e que não gosta de prestar contas do que faz e do outro que é muito inteligente e que aparece imenso na televisão.

* A reeleição de Sampaio em 2001, com uma afluência de 49%, não teria sido vinculativa...

2 comentários:

  1. O facto de algo ser vinculativo significa que é obrigatório seguir o que foi expresso.
    Quando algo não é vinculativo, não é obrigatório, mas pode fazer-se à mesma o que foi expresso!

    Não sei se entendi bem este post, ou se ainda não consegui recuperar da leitura da tese "elaborada" do Luís Delgado. Amanhã volto a tentar :-)

    ResponderEliminar
  2. Havendo a cláusula que torna o referendo vinculativo ou não, terá de haver sempre alguém, caso não se atinjam os 50% de afluência, que decidirá se o que for expresso pela maioria dos votantes é para implementar ou não.

    E quem poderá ser esse alguém que decide, que se coloca como árbitro da decisão do eleitorado? O Tribunal Constitucional? Os seus membros não são directamente eleitos. O Primeiro-Ministro? Também não é directamente eleito. O Presidente da República? Será a melhor solução, mas não havendo cláusula restritiva nas eleições presidenciais, pode dar-se o paradoxo do proprio presidente ter sido eleito em eleições com um afluência inferior a 50%... (aconteceu em 2001)

    Resta a Assembleia da República... que cedeu as suas competências ao povo para decidir aquilo que ela não quis decidir. Ficamos no paradoxo de dar à AR a capacidade de prestar ou não atenção à resposta que ela decidiu pôr ao eleitorado? Faz sentido?

    ResponderEliminar