28 fevereiro 2007

A FROTA SUICIDA DO ALMIRANTE OZAWA

Quem tenha visto o filme Cartas de Iwo Jima (tê-lo-á fresco na memória) será capaz de se lembrar de um pequeno episódio do filme em que o General Kuribayashi, depois de ceder a aviação que possuía para a defesa de Saipan (em Junho de 1944) passa a depositar as suas esperanças de obter a sua protecção aérea da Frota Combinada (aeronaval) do Almirante Jisaburo Ozawa (na imagem acima).

A Frota Combinada a que se referia o General Kuribayashi era precisamente a mesma – depois do desgaste de dois anos e meio de guerra e de várias batalhas – que lançara o ataque a Pearl Harbor, que fora formalmente o início da Segunda Guerra Mundial no Pacífico, em Dezembro de 1941. Curiosamente, na mesma altura em que a ela se referia, a Frota estava a sofrer uma das mais severas derrotas, na Batalha Naval do Mar das Filipinas, onde viria a perder três porta-aviões e mais de 400 aviões embarcados.

Mesmo assim, a Frota veio mais uma vez a ser reconstituída para participar de uma forma bizarra na última grande acção naval da Segunda Guerra Mundial. Fá-lo-á ao abrigo de um plano concebido pelo Grande Quartel-General da Marinha Imperial que foi baptizado com um nome grandiloquente: ShoVitória! Mas esse é o único pormenor grandioso de um plano em que se usam os escassos meios que restam à Marinha Imperial japonesa.

Transformando velhos couraçados (Ise e Hyuga), bem como outros que ainda estavam em construção (Amagi), a que se juntava o último porta-aviões sobrevivente de Pearl Harbor (Zuikaku), a que ainda havia que adicionar outros 5 porta-aviões ligeiros, criou-se a aparência do renascimento de uma nova força aeronaval. Só que o maior problema foi a formação de pilotos com aquela especialidade, difíceis e mais morosos de formar do que os pilotos comuns (imagine-se a dificuldade de aterrar num porta-aviões).
Onde a Marinha Imperial ainda se poderia medir com a sua homóloga americana (e mesmo superá-la) seria no domínio dos grandes navios clássicos, onde a artilharia de um colosso como o Yamato (460 mm) não tinha rival entre os couraçados norte-americanos. Calculava-se que a Frota clássica, com 7 couraçados, 11 cruzadores pesados e outros navios menores, sob o comando do Almirante Kurita (acima), ainda teria, sob certas circunstâncias, possibilidades de infligir uma severa derrota aos Estados Unidos e inverter a tendência da guerra.

As circunstâncias imaginadas – daí o plano – preveriam que os couraçados japoneses lutassem contra os norte-americanos sem ser nas condições da tradicional superioridade aérea destes últimos. Para isso, em caso de uma ofensiva americana, a Frota Combinada de Ozawa serviria de isco, fingindo desafiar e atraindo para longe os porta-aviões e o poder aeronaval do inimigo enquanto a Frota de couraçados de Kurita apareceria de surpresa para lutar de igual para igual com os couraçados norte-americanos que permanecessem em apoio ao desembarque.

A ocasião surgiu em Outubro de 1944, quando os norte-americanos invadiram as Filipinas pela ilha de Leyte, situada no centro do arquipélago. A convicção de Ozawa era que toda a sua Frota iria ser destruída (e ele com ela); entre os quatro grandes e cinco pequenos porta-aviões contavam-se apenas 110 aviões em que a grande maioria dos pilotos ainda não aprendera a manobra de aterragem. Mais: dois dos porta-aviões grandes nem aviões tinham, mas decidiu-se, mesmo assim, que integrassem também a força para causar ainda mais impressão ao inimigo…

O plano começou por correr mal para os japoneses. Os submarinos e os aviões de reconhecimento americanos descobriram os navios que era suposto não descobrirem, afundaram alguns, mas não havia maneira de descobrirem a Frota de porta-aviões quase sem aviões de Ozawa. Esta última expressão tornou-se literal quando o Almirante – também em busca do inimigo - deu ordem para que os aviões fossem lançados à sua procura: dos 110 já só restaram 29: foram os que conseguiram regressar… (a maioria deles acabou por aterrar em aeródromos japoneses nas Filipinas).
Até que a Frota de Ozawa foi localizada. O Almirante Halsey (acima) apanhou um calafrio, ao descobrir todos aqueles porta-aviões inimigos de surpresa, enquanto andava entretido à procura da Frota de Kurita que fora assinalada pelos submarinos. O Plano japonês poderia voltar a ter hipóteses de sucesso, caso não houvesse a enorme desproporção material entre os dois contendores. O Almirante Halsey partiu em perseguição de Ozawa, mas apenas com uma parte das suas forças: cinco porta-aviões pesados e cinco porta-aviões ligeiros, com cerca de 700 aviões…

Assim, a proteger as tropas que desembarcavam, estavam meios suficientes que permitiram aos americanos responder em condições (para eles desconhecidas) de algum equilíbrio com os meios da Frota de Kurita: os japoneses afundaram, com a sua artilharia dois porta-aviões ligeiros e alguns contratorpedeiros, mas a aviação americana mandou para o fundo três cruzadores japoneses. O grito de socorro lançado pelos que protegiam o desembarque interrompeu a tarefa de Halsey que estava a massacrar metodicamente os navios de Ozawa.

A ameaça da concentração de todas as forças aeronavais americanas fez Kurita abandonar o combate* enquanto Ozawa acabou por descobrir, estupefacto, que deixara de ser perseguido. Dois dos seus porta-aviões transformados sobreviveram à batalha. Curiosamente, eram precisamente os dois que nunca haviam tido aviões… E, por altura da Batalha de Iwo Jima (Fevereiro e Março de 1945), a aviação praticamente desaparecera do arsenal japonês, substituída pelos kamikazes, que não passavam de mísseis tripulados…

* Um gesto criticado por não ter dado mostras do mesmo espírito de sacrifício de quem lhe apoiara a manobra.
Nota: Para os mais rigorosos, manda a honestidade histórica referir que a discrição da acção foi aqui um pouco simplificada, mas sem alterar a concepção do plano, o papel de isca da frota de Ozawa e o ataque que competiria às outras frotas convencionais - havia duas.

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