27 fevereiro 2007

MARKET SHARE


Entre as coisas que me intrigam (e felizmente ainda há muita coisa que me intriga neste mundo…) há as que considero duplamente intrigantes porque, além de me parecer que se está há muito tempo a lavrar num mesmo erro ou numa simplificação excessiva, a detecção desse facto parece-me tão evidente que me chega a causar dúvidas se não estarei equivocado naquilo que tenho por óbvio.

Mais concretamente, estou a falar do exemplo das quotas de mercado de audiência televisiva, agora popularizados pela designação britânica simplificada de share. Como se se tratasse de um campeonato de televisões, regularmente a comunicação social informa-nos sobre a evolução dos shares das televisões com uma notoriedade muito superior à das rivalidades que se travam noutros meios (a rádio ou os jornais) para já não falar de outros ramos de actividade.

Mas a explicação para a importância suplementar do share no negócio da comunicação social é muito pertinente: a audiência é um indicador que acaba por estar associado às receitas publicitárias, e essas são um elemento crucial para avaliação da rentabilidade de todo o negócio. Numa televisão, quem tem mais audiência poderá cobrar mais porque tem mais gente a ver os seus programas. É uma lógica que faz sentido.

O que não se percebe é que essa mesma lógica não costume ser levada até ao fim: é que numa perspectiva publicitária, mais do que o volume da audiência está a capacidade de consumo da audiência. Por exemplo: um share de ricos, onde o rendimento médio seja o dobro da média geral, valeria o quádruplo de um share idêntico de pobres, onde esse indicador fosse metade dessa mesma média geral. E seria natural que a distribuição de receitas publicitárias deveria reflectir esse facto.

Ora, surpreendentemente, nas notícias veiculadas, os vários aspectos que estão associados ao perfil sócio-económico das audiências são abordados de uma forma demasiado superficial para a verdadeira importância explicada acima. Talvez a explicação possa estar na inconveniência política do conteúdo dessa mensagem, como que legitimando a frase de Orwell, que somos todos iguais mas há uns que são mais iguais que outros

A verdade é que, entre profissionais, esses factores terão de ser levados em conta, tanto mais que os gostos de uns e outros são distintos para a maioria dos artigos de consumo. Afinal, também no mundo do comércio automóvel, por exemplo, onde os campeonatos também se fazem pelo número de carros matriculados, os valores associados à venda e manutenção de um BMW médio devem equivaler à de dois FIATs mais pequenos (e esta última parece mais importante com este critério de contagem...).

Ao contrário dos pedantismos, felizmente, a educação do gosto e o recheio das carteiras não são coisas rigorosamente concertadas porque isso é um sinal demonstrativo que existe dinamismo social. Se ele não existisse a sociedade estagnaria ou revoltar-se-ia. Mesmo assim, é evidente que existe uma forte correlação entre uma coisa e outra. É fácil percebê-lo com vários exemplos do panorama televisivo: as audiências da SIC Notícias e as da SIC e da TVI são apenas um caso.

Mas o que acima ficou escrito sobre as diferentes rentabilidades do shares que se conquistam, que pode ser exemplificado no sector automóvel por marcas como a Volkswagen ou a Peugeot, parecem demonstrar que a predilecção pela programação popular por parte das televisões privadas em Portugal é uma opção (provavelmente menos arriscada, mas uma opção, de qualquer forma), ao contrário do que os seus responsáveis sempre nos pretenderam fazer crer.

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