19 janeiro 2024

AS CONDECORAÇÕES DE ÁLVARO CUNHAL, O CAMARADA QUE «FAZIA CERIMÓNIA» SÓ COM OS ESTRANGEIROS

Álvaro Cunhal (1913-2005), o mais destacado dirigente comunista português do século XX, sempre se mostrou extremamente avesso a receber condecorações. Pelo menos em Portugal. Sempre que foi sondado com tal propósito, a sua resposta foi invariavelmente negativa. Tão conhecida se tornou essa sua aversão que, quando Cunhal faleceu em 2005, nem se equacionou sequer a hipótese de que o então presidente, Jorge Sampaio, o condecorasse a título póstumo, como muitas vezes acontece nestes casos. Este preâmbulo torna-se indispensável para que o leitor perceba melhor o anacronismo irónico em que consiste a notícia acima, publicada a 19 de Janeiro de 1984, em que o Diário de Lisboa dá notícia da alta condecoração que o líder cubano Fidel Castro impusera a Álvaro Cunhal que visitava Cuba. A Ordem «Playa Girón» é a mais elevada da hierarquia das ordens honoríficas cubanas, concedida apenas excepcionalmente. E é assim que se pode perceber como teria sido, provavelmente, um Álvaro Cunhal extremamente contrariado a participar naquela cerimónia, sem que o próprio tivesse para com Fidel a coragem que mostrava para com os seus compatriotas. Coisas do internacionalismo proletário... Aliás, mais de uma década antes, ainda antes do 25 de Abril e do retorno de Cunhal a Portugal, os soviéticos haviam-lhe pregado uma partida semelhante, concedendo-lhe a Ordem da Revolução de Outubro, que fora instituída em 1967 (abaixo, à direita). Ainda depois desta condecoração cubana, recebida com um imaginável sorriso amarelo, Álvaro Cunhal virá ainda a receber a ainda mais prestigiada Ordem de Lenine (abaixo, à esquerda) dos mesmos soviéticos, já em 1989. Conhecidas as diferenças ideológicas da época entre Cunhal e Gorbachev e também a aversão do primeiro por condecorações, o que se dizia em surdina é que aquela iniciativa de Gorbachev fora mesmo para chatear Cunhal de forma cortêz e diplomática... E, mais uma vez, Cunhal não teve a franqueza de dizer que não. Foi pena...

Sem comentários:

Enviar um comentário