Esta notícia de 30 de Novembro de 1932 comprova quanto as manifestações de anti-semitismo podiam ser frequentes nos países da Europa de Leste, nomeadamente na Polónia. Como pormenor inconveniente adicional, refira-se que a cidade de Lwow (hoje Lviv), que em 1932 era polaca, hoje é ucraniana. O anti-semitismo também se estendia aos ucranianos.
30 novembro 2022
O PRIMEIRO JOGO «INTERNACIONAL» DE FUTEBOL ENTRE SELECÇÕES
30 de Novembro de 1872. Tem lugar aquele que é considerado pela FIFA o primeiro jogo «internacional» de futebol disputado ao nível de selecções. Disputado em Glasgow, Escócia, perante uma assistência de uns 3.500 espectadores, o jogo disputou-se num campo de cricket, como se pode ler no cartaz do anúncio acima. A palavra «internacional» do cartaz deveria levar umas aspas porque o jogo foi disputado entre a Escócia e a Inglaterra, que não são propriamente duas nações distintas - o governo é comum e está sediado em Londres (em 1872 o 1º ministro era William Gladstone). Porém a regra de constituir selecções distintas para a Inglaterra e a Escócia, e posteriormente para a Irlanda e Gales, manteve-se. Noutros países onde se quis copiar essa ideia do desdobramento de selecções pelas nações constituintes de um mesmo país, como foi o caso da Catalunha em Espanha, a coisa não correu assim tão bem...
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29 novembro 2022
A SIC NOTÍCIAS, A SENADOR(A) DA CAROLINA DO SUL, O NUNO LUZ E A JOANA MARQUES QUE NOS PÕE TODOS A RIR
Isto é transposição de um parágrafo de uma notícia publicada na SIC Notícias, onde destaquei a referência a uma «senadora da Carolina do Sul, aliada de longa data de Trump.» Ao lado adicionei uma fotografia da tal senadora em causa, presumivelmente depois de uma operação a que se submeteu para mudança de sexo... Deduzo que quem traduziu a notícia do inglês não fazia a mínima ideia a quem se estaria a referir quando nomeou os três senadores norte-americanos que criticaram Donald Trump e, como o nome Lindsey é originalmente neutro mas agora predominantemente feminino, e já havia um Bill e um Rick na notícia, acabou por sair isto... Isto é apenas mais um episódio quotidiano da exibição da incompetência da SIC. Para que não nos fique a impressão que as crónicas que Nuno Luz nos tem enviado do Qatá são trabalhos que destoam do padrão de qualidade da SIC, cujo mérito na divulgação popular do disparate vai todo para a apreciação matinal feita por Joana Marques na RR: (1) e (2). Só que, como neste último caso se trata da cobertura do futebol, há um maior escrutínio...
O 75º ANIVERSÁRIO DA APROVAÇÃO DA PARTIÇÃO DA PALESTINA
29 de Novembro de 1947. A assembleia geral da ONU aprova por maioria (33 votos a favor, 13 contra, 10 abstenções) a sua resolução nº 181, que preconiza a partição de uma futura Palestina independente (até aí fora ocupada pela Grã-Bretanha) em dois estados, um árabe e outro judeu. É uma decisão que irrita os árabes (primeira página do jornal do dia seguinte), satisfaz os judeus, mas o que importa aqui relembrar é a atitude da administração colonial britânica que, numa comparação particularmente apropriada dado se tratar da Terra Santa. lava do assunto as mãos, como um Pôncio Pilatos do século XX: A Grã-Bretanha tenciona retirar as suas tropas da Palestina o mais rapidamente possível é o que se lê no cabeçalho da página interior do lado direito acima, recordando mais outro episódio de um crepúsculo colonial pouco digno por parte dos britânicos.
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28 novembro 2022
O EDITOR QUE EU TIVE DE IR DESCOBRIR A QUE EDITORA PERTENCE...
Apesar da autoridade que o jornalista do Observador confere às suas opiniões, tenho que admitir que não fazia a mínima ideia a que editora pertence Francisco Vale, e a que aqui é que ele se refere quando anuncia que jamais publicaria ali Cristina Ferreira ou José Rodrigues dos Santos. Pelos vistos, é a Relógio D'Água. Não sabia, assim como também não sabia que se poria a questão de qualquer daqueles dois terem grande vontade de serem publicados sob tal chancela. Eu supunha que não...
CRISE POLÍTICA: O GOVERNO DEMITIU-SE!
28 de Novembro de 1922. «Ao contrário do que muitos políticos supunham, o sr. António Maria da Silva declarou a crise fora do parlamento» - assim começa a coluna destacada acima do lado direito. E ainda bem que a crise foi declarada fora do parlamento já que, como se lê na outra coluna assinalada, a do lado esquerdo, «a sessão fo(ra) encerrada por falta de número»: à «chamada feita às 15 horas» responderam 39 deputados do total de 163 que compunham a Câmara de Deputados (¼). E também «fora do parlamento» haviam sido encetadas «as "demarches" para resolver a crise». Terminaria o 35º governo, começaria o 36º governo, o presidente do governo - António Maria da Silva - seria o mesmo, o seu elenco também quase o mesmo. O que se perdera nesta entrada por saída coreografada fora apenas mais um pouco de respeito pelas instituições da Democracia parlamentar.
27 novembro 2022
UMA REFLEXÃO SOBRE ESPONTANEIDADE
Só consegui saber que esta fotografia foi tirada em Filadélfia em 1947. Não descobri a identidade do autor, mas impressiona-me a maneira como ele conseguiu captar o momento, que dificilmente imagino ensaiado, em que a rajada de vento terá obrigado os transeuntes a jogar a mão à cabeça para segurar o chapéu, ao mesmo tempo, mas cada um ao seu estilo. À sua maneira a fotografia funciona como uma parábola visual de uma conversa que hoje ouvi sobre a maneira como os autocratas (no caso, Vladimir Putin) subestimam sistematicamente as capacidades de resolução e de resistência das Democracias (no caso, falava-se do apoio da Europa e dos restantes países ocidentais à resistência da Ucrânia). Em Democracia, muitas vezes as circunstâncias podem bastar para formar uma resolução; e uma resolução assim formada, porque cada um está convencido de ser própria, acaba por ter muita força, a força que baste acima para não deixar que nenhum chapéu voe com o vento. (lamento a ligação ao programa GPS da CNN não estar traduzida, mas o leitor pode ver a versão traduzida aqui, aos 10:00 de programa)
DARLAN E A “GLÓRIA EM TOULON!”
27 de Novembro de 1942. O octogésimo aniversário do auto afundamento da frota francesa em Toulon é pretexto para a recuperação de um texto a esse respeito, publicado originalmente em 2006.
Qualquer descrição geoestratégica apresentará França e Alemanha como potências continentais por contraponto a um Reino Unido como potência marítima. A realidade é muito menos binária: mesmo à vista desarmada, os cerca de 1.600 km de costas francesas, quando medidos em linhas rectas grosseiras (Mancha e Mar do Norte 600, Atlântico 400, Mediterrâneo 600) quase que duplicam a extensão das costas alemãs medidas da mesma forma.
Dentro dos exemplos europeus, a França será o caso que mais se aproxima de uma potência híbrida, tanto militar como naval, muito embora os pergaminhos históricos dos seus exércitos superem de muito longe os feitos das suas armadas. Mesmo assim, na relação histórica mais moderna entre os dois ramos das forças armadas francesas nunca se notou a predominância gozada noutros países, por exemplo pelo exército alemão ou pela marinha britânica em relação ao outro ramo.
Essa rivalidade que se veio solidificando enquanto, a partir do século XVIII, a França se vai transformando num estado moderno, também se transpôs para a leitura das ameaças à soberania francesa. Cada ramo adquiriu o seu inimigo de estimação: para o Exército era a Alemanha e para a Marinha era o Reino Unido. Por causa das vicissitudes da História, em Junho de 1940, era preciso remontar a 1856 e à Guerra da Crimeia para testemunhar a Marinha francesa empenhada numa grande acção militar.
Todo este percurso pode servir para desculpar um pouco o discurso descabido da Marinha francesa, a começar pelo do topo da sua hierarquia, quando, a propósito da assinatura do Armistício com a Alemanha em Junho de 1940, se arrogou a gloríola de que o seu ramo não havia sido derrotado pelos alemães no conflito que havia terminado com a referida assinatura. Como se não fossem evidentes naquele momento as fraquezas da França – contra as quais a sua Marinha nada podia fazer!
Uma das cláusulas do Armistício assinado incidia precisamente sobre a frota francesa que teria de permanecer neutral no conflito que continuava. Era um ponto de honra francês que assim fosse, a que os alemães naturalmente cederam porque não era sua intenção virem a precisar dela: as operações conducentes à invasão da Grã-Bretanha nunca foram implementadas em profundidade. Em contrapartida, apenas a sua existência e o seu potencial emprego contra si - à distância de uma coacção alemã mais forte sobre o novo governo francês - tornavam-na muito desconfortável para os britânicos.
Em 5 de Julho de 1940, em Mers-el-Kébir, uma base naval francesa na Argélia, houve um daqueles episódios da Segunda Guerra Mundial que as duas partes envolvidas estão de acordo que não vale a pena recordar. Apresentou-se ao largo uma frota britânica com um ultimato para o comandante da parte da frota francesa ali fundeada. O Almirante francês deparava-se com várias hipóteses, desde zarpar para portos britânicos até mudarem-se para portos franceses nas Antilhas, onde ficariam sob supervisão norte-americana (neutros, naquela altura).
A resposta negativa francesa também é compreensível: os alemães poderiam ali ter o pretexto para denunciar o Armistício recém assinado e apoderarem-se dos navios fundeados nos portos da França metropolitana, nomeadamente os mais importantes da base naval de Toulon, no Mediterrâneo. No recontro naval que se seguiu, todos os navios franceses ficaram fora de combate, tendo sido mortos 1.300 marinheiros franceses, e acirrando ainda mais, se isso for possível, o ódio institucional do ramo contra os britânicos.
Naquele momento, a Marinha francesa era comandada pelo Almirante Darlan, um almirante político que não tardará a fazer a sua carreira singrar até se tornar no nº 2 do regime francês saído do Armistício de Junho de 1940, à frente do qual emergia o Marechal Pétain, e a que se convencionou designar por Regime de Vichy. E é esse delfim do Marechal que se encontrava por acaso na Argélia, quando os norte-americanos - entretanto entrados na guerra em Dezembro de 1941 - ali desembarcam em 7 de Novembro de 1942.
Vichy permanecera neutral no conflito e os americanos haviam previamente tentado encontrar uma solução política e militar para o problema francês na pessoa do General Giraud que se revelara, mesmo em cima da hora, um verdadeiro fiasco. A presença em Argel do Almirante Darlan ofereceu-lhes um interlocutor que tinha tanto de valioso quanto de inesperado. Foi ele quem deu ordem de cessar-fogo às forças franceses que defendiam o território contra os invasores e foi ele quem deu ordem à frota de Toulon para se lhes juntar em Argel.
É um sinal do prestígio que este almirante político gozava junto dos seus homólogos de convés o facto de, do total da frota, apenas 4 submarinos tivessem obedecido às suas ordens para se juntarem aos aliados. Todos os restantes navios – 3 couraçados, 1 porta hidroaviões, 7 cruzadores, 16 contratorpedeiros, 13 torpedeiros, 15 submarinos, além de outros navios menores – auto-destruíram-se e afundaram-se no porto para evitar a sua captura pelos alemães que aproveitaram o gesto e a ocasião para denunciarem as cláusulas do Armistício que lhes desagradavam.
Os jornais aliados deram ao relato e por razões de propaganda óbvia o título Glória em Toulon! É um exagero ridículo a que não escapa a ironia adicional de que a participação na Segunda Guerra Mundial da famosa frota que não fora derrotada pelos alemães se limitara a um gigantesco acto de imolação colectiva. E, ironia das ironias, menos de um mês passado sobre o suicídio da frota, o comandante a quem ela não obedecera também tinha sido assassinado…
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26 novembro 2022
EVOCAÇÃO «ARQUEOLÓGICA» DE UM GRANDE MOMENTO DA ARQUEOLOGIA
26 de Novembro de 1922. O arqueólogo britânico Howard Carter (1874-1939) penetra pela primeira vez no túmulo do faraó egipcio Tutankhamon. Tutankhamon fora um faraó que reinara por nove anos, durante o século XIV a.C. (aproximadamente 3.250 anos antes...) e várias circunstâncias haviam-se conjugado para que o tesouro que fora depositado no seu túmulo não houvesse sido substancialmente pilhado como acontecera com os restante túmulos reais egípcios. O que perdurara no túmulo era de uma riqueza indescritível. Este achado tornou-se a mais espectacular das descobertas arqueológicas de todos os tempos. A máscara mortuária de Tutankhamon, folheada a ouro, tornou-se mesmo a imagem emblemática do Antigo Egipto. E para assinalar o grande momento da arqueologia, creio ser oportuno ir recuperar uma pequena história da arqueologia da BD narrando precisamente a descoberta do tesouro de Tutankhamon e que foi desenhada por Edgar Pierre Jacobs em 1964 no meio das suas pranchas de Blake & Mortimer (as genuínas!...).
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25 novembro 2022
JORNALISMO DE MEMÓRIA DE PASSARINHO PARA UMA CLIENTELA COM IGUAL «CAPACIDADE DE RETENÇÃO»
No passado dia 13 de Novembro celebrou-se mais uma vez no Reino Unido o tradicional Dia da Memória (Remembrance Day), dia evocativo do fim da Primeira Guerra Mundial, ocasião em que se celebra uma cerimónia à qual é imperativo comparecer todo o Who's who da classe política britânica, e isso inclui não apenas os que estão, mas também aqueles que já foram, nomeadamente os antigos primeiros ministros, que normalmente desaparecem das atenções mediáticas depois de abandonarem o cargo. Costuma ser uma oportunidade para os rever todos juntos. Todavia, o ritmo acelerado como a política britânica tem funcionado nos últimos tempos, multiplicou essa segunda fila de eminentes e o jornalismo mais sensacionalista não perdeu a oportunidade de enfatizar esse assunto, como se vê no exemplo acima. Mas, como se vê, esse registo apela a uma memória muito limitada dos leitores: dez semanas. Foi o tempo que envolveu a saída de Boris Johnson, a passagem meteórica pelo cargo de Liz Truss e a mais recente tomada de posse de Rishi Sunak. Se mudarmos ligeiramente o ângulo como a fotografia é tomada (abaixo), o número de primeiros-ministros conservadores sobre para cinco, com a inclusão de David Cameron (1), Theresa May (2) ao elenco já citado (Boris Jonhson (3), Liz Truss (4) e Rishi Sunak (5). Estes cinco representam os primeiros-ministros do Reino Unido neste últimos 76 meses (ou seja, menos de 6 anos e meio), depois da realização do referendo do Brexit, e representam um encadeado de insucessos quanto à forma como lidar com a consequência da saída do Reino Unido da União Europeia. Olhando para aquela fila de trás (onde já não caberão outros antigos primeiros ministros como John Major, Tony Blair e Gordon Brown) teria valido mais a pena abordar o problema nessa perspectiva mais aprofundada... para quem já se tenha esquecido do verdadeiro problema do país.
«SAUDADES» DA «INFORMAÇÃO» DOS JORNAIS COMUNISTAS!
Quinta Feira, 25 de Novembro de 1982, parece-me uma data apropriada para evocar graficamente como se noticiavam comparativamente num jornal comunista (Diário de Lisboa) a presença americana em El Salvador e a presença soviética no Afeganistão. Note-se o espaço, o detalhe e a terminologia distintas que são dedicados pelo jornal às duas realidades, apesar da sua semelhança. No caso de El Salvador «os americanos» aparecem logo no cabeçalho, mas no caso do Afeganistão só no detalhe é que se percebe que «a intervenção estrangeira» é protagonizada... pelos soviéticos. A reputação da imparcialidade não parecia ser uma grande preocupação destes jornalistas militantes.
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24 novembro 2022
UMA HISTÓRIA ANTIGA
Se há coisa que me irrita nesta história das antipatias pela realização do campeonato mundial de futebol no Qatar, é a pretensão, da parte de quem o está a defender, de que as críticas só se congregaram muito recentemente. Estas imagens que aqui exibo desmentem essa mentira. Datam de 2015, já têm sete anos! No vídeo acima, mais espectacular e irónico, um humorista irrompe pela conferência que o então presidente da FIFA (Joseph Blatter) se preparava para realizar, para lhe depositar um maço de notas (falsas) na sua frente, apelando para que, depois de escolhido o do Qatar, o Mundial seguinte, em 2026, se realizasse... na Coreia do Norte. A cena acaba com uma chuva de notas atiradas ao ar, numa alusão evidente à corrupção que se descobrira grassar no topo da FIFA e que iria levar o próprio Blatter a ter de se demitir e a ser sancionado com o banimento da actividade. O outro vídeo é do astro argentino Diego Maradona, entretanto falecido em 2020, a criticar de uma forma contundente a escolha do Qatar para sede deste Mundial que agora começou. Portanto, comprovadamente, aquilo que se está a assistir é apenas à erupção de uma antiga controvérsia que esteve a fermentar praticamente desde a escolha do emirado para local de realização do Mundial. É inaceitável assistir à hipocrisia de pretender que tudo o que está a acontecer irrompeu do nada, como o fez, por exemplo, António Lobo Xavier, que o utilizou como um dos argumentos fortes da sua intervenção (viscosa, como é seu timbre) no programa O Princípio da Incerteza da CNN desta semana. (quem quiser, pode ouvi-lo a argumentar nesse sentido a partir dos 31:10s) Haja pachorra!
ESTA TARDE O CONSELHO DE MINISTROS TRATOU DE ASSUNTOS
24 de Novembro de 1942. Num canto inferior de jornal, dava-se conta do que fora a acção governativa do dia, em que o Conselho de Ministros - nunca esquecendo de realçar quem presidira! - tratara de assuntos... de administração pública. O que não surpreenderia! Era difícil concebê-los a tratar de assuntos muito distintos. E, num emparelhamento casual ou não, no anúncio aos artigos de uma ourivesaria que aparece imediatamente abaixo, o lema resulta fatal: Bonitas palavras não engordam gatos.
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23 novembro 2022
QUANDO OS ANJOS DAS DESCRIÇÕES CELESTIAIS PERDEM AS ASAS...
O fenómeno até tem um nome específico e uma entrada dedicada na wikipedia: o efeito Al Jazeera. As emissões internacionais em língua inglesa da Al Jazeera têm sido saudadas desde o seu início, em 2006, como uma saudável alternativa pluralista à hegemonia exercida pelos colossos do sector, especialmente os canais norte-americanos como a CNN ou a Fox News. Ainda no princípio deste ano, por ocasião do início da invasão russa à Ucrânia, a Al Jazeera fazia questão de escrutinar a parcialidade como todos os seus rivais estavam a cobrir o acontecimento e a simpatia manifesta pelos invadidos. Edificada e consolidada (e até mesmo respeitada) essa reputação de equidistância, o problema que agora se põe àquela grande emissora qatari é a maneira como agora está a cobrir o problema das antipatias contra o Mundial de futebol no próprio Qatar. É que, como se percebe pelas notícias abaixo (apenas o último mês de notícias) e como se ela fosse outra Fox News desesperadamente engajada em promover Donald Trump, também não há qualquer vislumbre de pluralismo na maneira como a Al Jazeera está a reportar a hostilidade como o acontecimento está a ser acolhido junto de uma parte da opinião pública dos países ocidentais. Onde param as suas tradicionais simpatias terceiro-mundistas por estas causas, agora consubstanciadas nas condições dos trabalhadores nepalis que construíram os estádios?... Não é por estar domiciliada num país muçulmano que a cadeia Al Jazeera não tenta promover também uma falsa imagem angelical das suas emissões. O Islão também tem anjos e é nestas ocasiões que os anjos perdem as asas...
AS NOTÍCIAS E AS REALIDADES
23 de Novembro de 1942. O Le Matin foi um jornal francês, oriundo de Paris, que durante estes anos de ocupação alemã era colaboracionista, anti-semita e de descaradas simpatias pró-Eixo. Quando desta edição, o governo francês de Vichy acabara de ser submetido à humilhação de ver aquela que era considerada a Zona (dita) «Livre» de França ser invadida, sem que ele conseguisse esboçar uma reacção que fosse digna de nota. Mas os destaques da primeira página iam todos para outros assuntos. Uma das notícias em destaque, logo em cima, à esquerda, era a que anunciava o «sério fracasso dos bolcheviques no Cáucaso». «No sector de Terek dois grupos (soviéticos) foram cercados e destruídos». Embora então ainda não se soubesse, a ironia deste destaque é que acontece precisamente no dia em que as duas pinças do ataque concêntrico dos soviéticos atrás das linhas alemãs em Stalinegrado se encontram na pequena vila de Kalach (que se vê assinalada no mapa abaixo), cercando o VI Exército alemão. (Um pequeno comentário adicional a respeito da notícia do lado direito, dando conta da saída de Stafford Cripps do gabinete de guerra britânico: a notícia é produzida pela agência Reuters e oriunda de Lisboa, considerada uma capital neutral, adequada a esta permuta de informações entre beligerantes)
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22 novembro 2022
COMO SE BRINCAVA COM CARRINHOS NA ÁFRICA DO SUL EM 1962
Este par de fotografias foi tirado em 1962 na África do Sul, província do Transval, pelo fotógrafo David Goldblatt. São dois momentos de uma brincadeira de duas crianças com um carrinho de rodas. Uma das crianças é branca, a outra negra, acompanha-as um cão, mas a condição social de ambas não deve ser muito diferente: repare-se que qualquer deles brinca descalço. É que, como aqui já descrevi e por descuido da propaganda anti-apartheid, esquece-se frequentemente de mencionar que também havia (e há) brancos pobres na África do Sul. Mas isso não obstava que as relações raciais há 60 anos eram o que eram, e o significado das expressões distintas das duas crianças na fotografia da esquerda é concretizada na fotografia da direita, quando vemos a criança negra a empurrar o carrinho de recreio carregado com o seu companheiro pela ladeira acima, para mais uma das apetecidas descidas em velocidade.
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21 novembro 2022
POSSIVELMENTE A PRIMEIRA REFERÊNCIA NA IMPRENSA PORTUGUESA AO PARTIDO NAZI (NSDAP) DE ADOLFO HITLER
21 de Novembro de 1922. Uma pequena notícia na página internacional do Diário de Lisboa informa os seus leitores que «o ministro do interior da Prússia dissolveu o partido do trabalho socialista nacional alemão, que tinha sido fundado em Munich (sic) há dois anos.» Mesmo a um século de distância, percebe-se que o redactor da notícia se atrapalhou com a tradução do nome do partido e que se está a mencionar o partido nacional-socialista dos trabalhadores alemães, possuidor da sigla NSDAP em alemão e mais comummente conhecido por todo o lado por partido nazi, que efectivamente havia sido fundado em Munique em 1920. Como se vê, a notícia não explica as causas para a decisão do ministro, mas também não interessarão por aí além, já que a História comprova que «a dissolução» não dissolveu nada... Mas dá para pensar no que serão as reviravoltas dessa mesma História, quando se constata o tratamento destacado e até mesmo elogioso que, nessa mesma página, recebe o partido fascista italiano e o seu líder Mussolini, menos de um mês depois de ter chegado ao poder: «Mussolini consegue os aplausos de todos os adversários». Hoje sabemos, nem que seja pelo futuro caso do deputado socialista Giacomo Matteotti, que quem não quisesse aplaudir Mussolini podia vir a incorrer em sérios problemas de saúde... Mas acreditemos que por esta altura a manifestação ainda fora espontânea...
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20 novembro 2022
MAIS UM «MOMENTO ARTUR BAPTISTA DA SILVA»
Durante o dia de ontem e através das redes sociais tivemos o gosto de reviver mais um Momento Artur Baptista da Silva. Artur Baptista da Silva, recorde-se, era aquele aldrabão que em Dezembro de 2012 se fazia passar por consultor da ONU e que, com isso e porque o que dizia agradava a quem se opunha às medidas governamentais, teve os seus quinze minutos de fama quando conseguiu endrominar o jornalista Nicolau Santos e aparecer na televisão a perorar como se tivesse autoridade naquilo que dizia. Poucos, e eu conto-me entre eles, prestaram uma verdadeira atenção ao que o Artur dizia e cruzaram aquilo que ele dissera com a informação disponível. Quem o fizesse, pelo menos desconfiava de imediato do consultor. Ficou o episódio, mas não ficou a lição.
A aldrabice de ontem é de autor desconhecido, mas possui a autoridade de ter aparecido sustentada em documentos: uma factura. Em síntese, trata-se da realização de um pequeno almoço comemorativo do centenário de José Saramago, que se realizou num restaurante de luxo da capital e que contou com a presença da viúva do escritor, do primeiro-ministro, do actual ministro da Cultura e de um antigo ministro dessa mesma pasta. E que foi fixado pelo restaurante onde se realizou por uma pequena entrada alusiva com fotografia. Entrada essa que começou a circular pelas redes sociais acompanhada de uma factura de almoço cuja data coincidia - 16 de Novembro (acima, à esquerda). O escândalo era o montante dessa factura: um almoço para quatro pessoas que ficara em €9.400! E a montagem das duas imagens foi oportunidade de dar roda livre à indignação! Até mesmo irónica. Como escrevia o autor do tweet acima: «vamos ajudar o Pedro Adão e Silva a pagar o pudim flan com dignidade».
Quase ninguém escrutinara o que o bom do Artur Baptista da Silva dizia, quase ninguém quis olhar com atenção para o conteúdo do almoço. É o que fazem as pessoas inteligentes. E essas constatam que o prato principal da refeição dos comensais daquela mesa (cuja conta foi tirada quase às 17H00!) terá sido um caranguejo com quase 6 kgs(!), regado por três garrafas de vinho tinto de Bordéus, mas dos de rótulos famosos e a preços correspondentes a essa fama. De resto, o vinho (tinto!?), deixemos de parte qualquer comentário sobre a propriedade de acompanhar este género de marisco a vinho tinto(...), esse vinho representa 85% do valor total da factura. Ou seja, sem mais delongas e sem nos determos em outros pormenores, concluamos o que é óbvio: que aquela factura é de um almoço de quatro pessoas com muito mais dinheiro do que sofisticação. É preciso uma dose elevadíssima de ignorância, negligência e estupidez para imaginar aqueles quatro comensais da foto acima a emalar em média quilo e meio de caranguejo empurrados com ¾ de uma garrafa de vinho tinto, para além de outros acepipes, que os fizeram estar à mesa até à hora do lanche!
Apesar disto tudo, a indignação daqueles que comentavam esta maneira como se gastam os nossos impostos subsistiu em crescendo durante quase todo o dia de ontem, com os desmentidos a serem acolhidos com cepticismo, até ao restaurante em causa afixar à noite uma entrada adicional (acima, à direita) em que desmente que a factura houvesse correspondido ao almoço em que o primeiro-ministro participara. Para mim, a desforra está a acontecer agora! São os expedientes que, nas redes sociais, as pessoas - e foram tantas! - que endossaram toda esta estupidez estão agora a construir explicações para não se reconhecerem estúpidas. É uma ilusão que têm direito a manter... já que nada aprenderam com o que aconteceu em 2012: nunca foi o Artur Baptista da Silva a mostrar-se superiormente sofisticado e inteligente; o auditório para o qual ele actuava é que era - e continua a ser - particularmente estúpido!
Adenda: agora descubro que aparece a mesma factura, a mesma indignação, só que agora vocacionada para o mercado brasileiro, tendo Lula como alvo. Se calhar, deve ser isto que se entende por energias renováveis...
UMA ESPÉCIE DE DESFORRA POR INTERPOSTO INIMIGO
20 de Novembro de 1962. Prosseguia a Guerra Sino-Indiana e os indianos estavam nitidamente a perdê-la. Em Portugal, a Índia fora erigida em inimigo principal depois da invasão de Goa, Damão e Diu em Dezembro de 1961. E as considerações sobre política internacional que se fizessem subordinavam-se a esse princípio. É isso pode explicar esta espécie de regozijo como é noticiado que o general Choudhery (que fora um dos comandantes que se destacara na invasão da Índia portuguesa) fora promovido para o comando do exército indiano. Ao jeito - mais subentendido do que explícito - de se tratar duma espécie de desforra. Mesmo que os promotores dessa desforra fossem os comunistas chineses, que também não eram particularmente bem quistos pelo Estado Novo, mas que, ao menos, não invadiam Macau... Vale a pena ainda acrescentar que, contrariamente aos vaticínios sugeridos pela notícia supra, a carreira do general Chaudhuri (e não Choudhery...) vai beneficiar daquela dose de sorte de que todos os generais precisam: neste mesmo dia em que ele tomou posse, a China anunciou um cessar fogo unilateral, a entrar em vigor à meia noite.
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O CASAMENTO DA PRINCESA ISABEL
20 de Novembro de 1947. Tem lugar em Londres o casamento de Isabel, a princesa herdeira do trono britânico. O Reino Unido vive a austeridade de ter de pagar as contas assumidas durante a Segunda Guerra Mundial. O acontecimento é um momento de descontracção, um flash colorido num país acinzentado, na descrição de Winston Churchill. Por cá, um casamento real já era tópico jornalístico suficientemente apetecido para se espalhar por três das oito páginas da edição do Diário de Lisboa.
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19 novembro 2022
...COMO SE IMPUNHA...
Depois do escândalo do abafamento de um caso de plágio ocorrido no jornal, José Manuel Barata-Feyo afastou-se ou afastaram-no do cargo de provedor do leitor do Público. Por falta da credibilidade, que só ele (e os amigos) acha(m) que (ainda) tem. O processo de substituição decorreu rápida e suavemente, em cerca de mês e meio. Com discrição e um texto de despedida (abaixo). O homem que era a cara da Grande Reportagem acaba vilmente a ser o rosto da Pequena Provedoria. Tempos interessantes estes, em que há necessidade que aquilo que se consideram consequências evidentes, decisões que se impõem, precisa de ser publicitado como se fossem aqueles patéticos testes do polígrafo da SIC.
A GUERRA TRAZIDA ATÉ ÀS PORTAS DOS LAURENTINOS
19 de Novembro de 1942. Se, entre os portugueses da metrópole se vivia a sua condição de neutrais compenetradamente, considerada a proximidade que os separava dos eventos da guerra, entre as comunidades portuguesas que viviam nas colónias, designadamente as das cinco colónias africanas*, o grande conflito mundial que então se travava era amenizado pelas circunstâncias do distanciamento. É perante esse panorama que se pode evocar a comoção que percorreu Lourenço Marques, a capital da colónia de Moçambique, há precisamente oitenta anos. Daquele porto saíra o cargueiro norueguês Gunda, um navio construído em 1919 com 2.141 toneladas de deslocamento e com uma tripulação de 46. Transportava 3.134 toneladas de carvão sul-africano para o porto de Zanzibar. Não foi muito longe. Com algumas horas de navegação, no local assinalado no mapa abaixo com sinal azul, o Gunda foi interceptado pelo submarino U-181 da Kriegsmarine e afundado. Nuns mares povoados por tubarões, apenas 8 dos 46 tripulantes sobreviverão ao torpedeamento.
E contudo, o episódio teve lugar a umas escassas 40 milhas náuticas da que hoje é a paradisíaca praia do Bilene. Nos dias que se seguirão, até ao fim daquele mês, o U-181, que era comandado pelo (então) Capitão-Tenente Wolfgang Lüth (que virá a ser um dos maiores ases daquela arma), afundará ainda mais seis navios (quatro gregos, um americano e um britânico) patrulhando aquelas mesmas paragens que eram também as rotas de aproximação ao porto neutral de Lourenço Marques. O cumulo da intimidação acontecerá a 28 de Novembro de 1942, quando o cargueiro grego Evanthia, que vinha de Áden e se dirigia para Lourenço Marques, será afundado a tiros de canhão a umas escassas dez milhas náuticas da costa moçambicana, quase ao alcance de João Belo. Terá sido um dos períodos de maior tensão sofrido pela cidade, que terá sido sentida sobretudo pelos membros da comunidade de origem europeia, e tensão essa que, curiosamente nunca terá sido sofrida com a mesma intensidade durante a sua própria guerra colonial ou de libertação, a que foi travada entre 1964 e 1974.
* Refira-se a excepção importante das duas colónias portuguesas do Oriente, Macau e, especialmente, Timor, que estavam cercadas, no primeiro caso, e mesmo ocupadas, no segundo, pelo exército japonês.
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18 novembro 2022
SUPOSTAMENTE, MARCELO ERA CONSIDERADO MUITO INTELIGENTE...
...mas ao ler estas suas últimas declarações a respeito do campeonato mundial de futebol, torna-se difícil perceber porquê. Em primeiro lugar, porque declarações do teor desta que se lê acima, que são a transposição da comunicação oral do próprio Marcelo, constituem transigências que se aceitam em política internacional, mas para uma potência global como a China, nunca para um país de terceiro escalão como o Qatar. Em segundo lugar, porque, mesmo que o presidente de Portugal aceite essa transigência, ela não pode ser proclamada assim em voz alta, à cara podre. É um descaramento embaraçoso e este estilo atrevido de Marcelo já se tornou cansativo. Em terceiro lugar porque as declarações terminam com um apelo a que façamos o mesmo que o presidente, esquecemos isso, o que é uma daquelas belas ocasiões para que as audiências se dissociem do apelo e se arroguem de uma superioridade moral sobre quem diz tais afirmações, uma atitude de princípio que cai sempre bem. Para mais quando o subproduto é insinuar que quem produziu a afirmação (Marcelo) não os tem (princípios). Claro que, como comprovado por exemplos milenares desde Roma, quando chegar a altura do espectáculo a plebe ir-se-á entusiasmar com o circo. Embora eu desconfie que, por causa e depois da pandemia, já se ultrapassou o zénite do entusiasmo com este género de eventos. Mas é aquela mesma plebe que também não presta, nunca prestou, atenção a estes jogos florais dos direitos humanos no Qatar. Marcelo escusa de se preocupar e de dizer a esses que esqueçam do que nunca se lembrariam. Por tudo isso, e repetindo uma pergunta recorrente nestes dias em que andamos à procura de vestígios de inteligência na sua actuação, para que é Marcelo abre a boca?!...
DEPOIS DA DEMOLIÇÃO DO MURO, AS DEMOLIÇÕES DO QUE MAIS SIMBÓLICO DO COMUNISMO EXISTIA POR DETRÁS DO MURO
Marzahn tornou-se hoje um dos bairros orientais dos arredores de Berlim. Mas em 1945, quando da divisão da cidade pelos Aliados, era uma daquelas típicas zonas semi rurais dos arrabaldes de uma grande cidade, e ficara a pertencer à zona de ocupação soviética e posteriormente à Alemanha dita Democrática (comunista). Assim continuou, pouco urbanizada, até 1977, quando o governo comunista decidiu edificar ali um vasto complexo de habitações pelo processo plattenbau (pré-fabricado), um conjunto residencial exibido com muito orgulho pelas autoridades, como se pode apreciar pelo vídeo acima, realizado em 1983, quando 40 mil apartamentos já haviam sido ali construídos em vias de se tornar o maior conjunto residencial de toda a Alemanha Oriental (o que veio mesmo a acontecer). Só que, dali por meia dúzia de anos, houve a queda do Muro de Berlim em 9 de Novembro de 1989... O país unificou-se, as necessidades dos habitantes mudaram, o complexo começou a despovoar-se. Quase treze anos precisos passados depois da famigerada data da queda do Muro, foi neste dia 18 de Novembro, mas de 2002 (completam-se hoje vinte anos), que começaram as demolições de alguns dos edifícios mais malparidos do regime comunista (abaixo). Houve assim um significativo hiato entre a demolição do Muro e as demolições do que de mais simbólico do comunismo existia por detrás do Muro.
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17 novembro 2022
«WHY ISN´T EVERYBODY DUCKING?»
Em 1944, durante o último ano da Segunda Guerra Mundial na frente da Europa ocidental, os soldados britânicos inventaram uma máxima espirituosa a propósito do apoio táctico que os combatentes recebiam das suas próprias forças aéreas: quando é a Luftwaffe alemã a voar por cima de nós, somos nós que nos agachamos (we duck); quando é a RAF britânica a voar por cima deles, são os alemães que têm de se agachar (they duck); mas, quando aparecem os americanos da USAAF, aí toda a gente tem de se agachar (everyone ducks). A máxima é inventiva, mas nem por isso verdadeira: houve centenas de episódios daquele género e também a RAF teve a sua quota parte de sucessos no bombardeamento de tropas próprias e aliadas. Mas adiante. O que me importa chamar a atenção naquela máxima militar é, como acontecia reputacionalmente com a aviação americana, o carácter ecléctico na distribuição de estragos por toda a gente, inimigos e amigos conjuntamente.
Eclectismo que vem a propósito quando desta publicação de um vingativo livro de memórias por parte do antigo governador do Banco de Portugal, Carlos Costa. Entendamo-nos: eu gosto desse género de memórias em que se ajustam contas com os protagonistas do passado do autor. O mais antigo e mais famoso exemplo desse género de memórias sacanas que eu conheço são as de Talleyrand, em cinco volumes, publicadas, sob expressa condição do autor, apenas 20 anos depois da sua morte (1838) e em que são descritos (de forma muito cínica) uma ampla galeria de protagonistas dos sucessivos regimes que Talleyrand serviu: Antigo Regime, República, Império (e Napoleão!), Restauração e Orleães. As memórias de Talleyrand, como as bombas dos bombardeiros da USAAF, não parecem poupar ninguém. Se o livro fosse bom, a assistência que eu soube que esteve presente na cerimónia de lançamento das memórias de Carlos Costa não teria sido a que foi.
Só para dar um exemplo cristalino, e mesmo sem ter lido o livro, só pela presença do próprio Cavaco Silva na cerimónia, fico com imensas dúvidas que este episódio acima tenha constado nestas Memórias de Carlos Costa, tanto mais que Cavaco Silva fez questão de frisar que diz o que diz (o BES colapsou dias depois!) porque o governador (Carlos Costa) o informou disso. Guarde-se para o fim esclarecer o que é também muito importante: com tudo o que eu disse até agora não pretendo deflectir as atenções das acusações que Carlos Costa faz a António Costa, mas pretendo chamar a atenção para aquilo que lá não aparece. Porque é para mim límpido que, se as Memórias de Carlos Costa não fossem selectivas, então, por tudo o que se viu vir a acontecer com o BPN, o BES ou o Banif, as suas historietas seriam eclécticas, muito mais merda para contar, e eu não vejo toda a gente a agachar-se... Afinal parece-me que Carlos Costa guardou muito vinagre em casa.
O REGRESSO DO EXÍLIO DE JUAN PERÓN
17 de Novembro de 1972. Num DC-8 da companhia aérea italiana Alitalia, o general Juan Domingo Perón, que fora o presidente da Argentina entre 1946 e 1955 regressa à sua pátria depois de um exílio de 17 anos. Era um «Alea Jacta Est» do famoso político argentino, então já com 77 anos e a ver o tempo de espera no exílio a jogar contra si. Um regresso que era muito saudado e muito desejado, já que o peronismo, enquanto movimento popular e apesar de perseguido pelo regime militar que governava a Argentina, representava um regresso a um passado que parecia cada vez mais próspero e saudoso, quanto mais o tempo se escoava. Apesar das restrições impostas pelos militares (uma delas será que o próprio Perón não poderá concorrer), o peronismo irá ganhar as eleições presidenciais que se irão realizar dali por quatro meses em Março de 1973. Depois disso, tornar-se-á politicamente insustentável bloquear o regresso do velho general ao poder. Contudo, por causa das leis da vida, será por pouco tempo...
16 novembro 2022
A «DESCOBERTA» DA PISTA PARA SANTA FÉ PELOS ANGLO-SAXÓNICOS
16 de Novembro de 1822. Descubro pela wikipedia que, neste dia de há 200 anos, um aventureiro norte americano chamado William Becknell (1787/1788-1865), concluía em Santa Fé (México!), o percurso de uma rota comercial - a Pista para Santa Fé - de que o imaginário americano se irá apropriar para o folclore da sua colonização do Oeste. Na verdade, a cidade de Santa Fé fora fundada em 1610(!*) pelos espanhóis, portanto William Becknell não foi pioneiro de coisa alguma. Mais de duzentos anos deviam ter tornado aquele trilho conhecidíssimo em 1822, quando Becknell o percorreu. A novidade seria para os colonos anglo-saxónicos que vinham de Leste e não do Sul como os espanhóis haviam originalmente vindo. Mas foram aqueles outros recém chegados que deram a promoção à hoje famosa Pista para Santa Fé, associada à mitologia do Faroeste e que, na minha infância e por exemplo, servia de título a uma das aventuras em BD de Ringo (abaixo).
* - Ou seja, e para colocar as datas numa verdadeira perspectiva, a primeira colónia britânica na América, Jamestown, foi fundada em 1607. Quando os espanhóis fundaram Santa Fé, os futuros americanos mal haviam acabado de se instalar.
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15 novembro 2022
«OS BASTIDORES...»? SÓ SE FOR PARA RIR...
É óbvio mas, pelos vistos, há que repeti-lo continuamente, que a completa surpresa como foi acolhido por todos o episódio da renúncia de Jerónimo de Sousa e a nomeação de um sucessor demonstrou à evidência que a cúpula que efectivamente dirige o PCP opera num secretismo muito eficaz. A vanguarda esclarecida da classe operária portuguesa é eficiente a guardar segredos, enquanto o jornalismo português é medíocre a descobri-los, embora seja improvável vermos esta evidência publicada em títulos de jornal. Nenhuma classe profissional gosta de admitir em contrição que é, geralmente, uma merda, mesmo que seja evidente que o é. Agora o que se torna insuportável é assistir à sublimação dessa incompetência em títulos garrafais que se tornam risíveis, senão mesmo insultuosos para a inteligência dos leitores, como é o caso deste título acima do Expresso, em que aquele jornal pretende, estupidamente, convencer quem o lê que acompanhou os bastidores de uma sucessão sobre a qual, até à véspera do seu anúncio público, não sabia nada de nada. Porque, se o Expresso o soubesse, evidentemente, ter-lhe-ia competido publicitar o furo jornalístico. Quanto a estes episódios que verdadeiramente testam a qualidade do jornalismo, eu já estou habituado à mediocridade; nunca me vou habituar é à manha do fazer de conta...e querer intrujar os leitores.
A DISSOLUÇÃO DAS JUNTAS MILITARES
15 de Novembro de 1922. Estas juntas militares, também conhecidas por juntas de defesa, que há cem anos eram dissolvidas pelas Cortes espanholas «no meio de grandes aclamações» eram uns sindicatos de carácter pretoriano formados pelos oficiais espanhóis, que, para além da actividade sindical em prol dos seus direitos, também intervinham no campo político sob o patrocínio do rei Afonso XIII. A «catastrófica derrota militar» que o exército espanhol sofrera 16 meses antes em Marrocos (22 de Julho de 1921), contribuíra muito para o desprestígio da instituição militar em Espanha. Este era o momento da desforra dos poderes políticos tradicionais. Hoje sabemos que os militares não se iriam deixar ficar: dali por dez meses, a 13 de Setembro de 1923 e ainda com o apoio de Afonso XIII, Miguel Primo de Rivera iria desencadear um golpe de Estado que o tornaria ditador do país.
14 novembro 2022
A DEFESA DA GUINÉ FEITA PELA FRAGATA «NUNO TRISTÃO»
Bissau, 14 de Novembro de 1962. A pequena notícia do Diário de Lisboa dá conta da chegada àquela cidade da fragata Nuno Tristão (abaixo), que vinha render a sua congénere Diogo Gomes, até aí estacionada em missão nas águas da então Guiné Portuguesa. A guerra subversiva já eclodira naquela província, embora o episódio esteja hoje um bocadinho esquecido, já que a história oficial da Guiné-Bissau só privilegia a narrativa da fase insurreccional da sua luta de libertação a partir do momento em que essa veio a ser assumida pelo PAIGC de Amílcar Cabral, em Janeiro de 1963. Mas um movimento denominado FLING começara já a actividade subversiva. E a questão que aparece subjacente a esta notícia discreta de há 60 anos é o papel que a Armada portuguesa poderá protagonizar na actividade de contra-subversão, tanto mais que o governador da Guiné é (era) um oficial de Marinha (Peixoto Correia) que não tardará, antes do fim desse ano de 1962 a ser substituído por outro (Vasco Rodrigues).
A existência de um meio de combate tão poderoso quanto uma fragata na Guiné teria tido um outro significado quando dos tempos da diplomacia da canhoneira. Porém, em 1962, e mesmo reconhecendo as condicionantes geográficas da Guiné portuguesa, que a tornam terreno propício para as operações de marinha de brown water e operações anfíbias, para os conflitos coloniais como aquele para onde agora Portugal se estava a ver arrastado, não parecia haver grande utilidade para navios com a dimensão da fragata Nuno Tristão. O que estava em disputa eram acções de guerrilha e a conquista da simpatia e da submissão das populações. Não havia espaço para navios clássicos da Armada. As tentativas, que foram feitas dali por um ano, para conferir ao navio uma capacidade aeronaval, com um pequeno helicóptero Alouette II (abaixo), foram gestos mais empenhados do que produtivos, e, por isso, abandonados.
Como tantas vezes acontece nestes casos, esta notícia da chegada da fragata à Guiné serviria mais para confortar amigos, do que para intimidar inimigos.
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13 novembro 2022
A SAGA DESPRESTIGIANTE DO AFUNDAMENTO DO PETROLEIRO «PRESTIGE»
13 de Novembro de 2002. Com a eclosão de uma tempestade que o danifica muito seriamente, começa a saga do afundamento de um petroleiro veterano de 26 anos com o nome de «Prestige», um nome muito pouco adequado aos acontecimentos que o irão notabilizar. Trata-se de um navio grande, com 243 metros de comprimento e uma capacidade de carga de 81.600 toneladas, que nesta viagem fatídica está ocupada a 94%. Essa a realidade física mas a questão da sua identificação é todo um programa: o navio está registado e é operado por gregos, mas a sua bandeira é a das Bahamas, a companhia proprietária do navio é liberiana e o cliente, proprietário do combustível que transporta (fuel), é uma petrolífera russa. A tripulação é composta por 27 pessoas. E há precisamente 20 anos, quando navegava ao largo da Galiza, o casco começa a rachar-se e o combustível a sair, causando uma mancha de poluição que o acompanha. E o que se seguirá é uma disputa mais directa entre Espanha e Portugal, mas também outros países opcionais, como a França e o Reino Unido, para bloquearem a aproximação do navio poluidor às suas costas com a consequente maré negra. O «Prestige» acabou por afundar a 19 de Novembro, depois de seis dias de indecisões sobre o que fazer com um petroleiro poluidor que ninguém quer por perto. A fava acabou por sair a Espanha, mais precisamente à Galiza, onde o efeito do derrame e da consequente maré negra foi devastador.
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DE «INGLÊS DE PRAIA» PARA «INGLÊS DE WEBSUMMIT»
De saudar a celeridade como o Wall Street Institute se aproveitou de uma campanha sua de 2010 para a relançar, substituindo a referência a Zezé Camarinha e ao seu famoso «inglês de praia» por uma figura vagamente parecida com Cristina Ferreira e o seu «inglês de websummit». Da comparação entre ambos, o famoso gigolo de Portimão sai francamente em vantagem, porque, vergonha por vergonha, as suas conversas em inglês macarrónico nunca receberam o patrocínio institucional de nenhuma organização, nem o auditório a que se destinavam tinha quaisquer pretensões de excelência... O Paddy não quererá convidar o Zezé para a Web Summit 2023?
IMPRESSÃO, NASCER DO SOL
13 de Novembro de 1872. Pretende uma tese, robusta na argumentação, que este quadro pioneiro do impressionismo de Claude Monet foi pintado há precisamente 150 anos, às 7H35 da manhã (abaixo). A cena representa o amanhecer no porto francês de Le Havre, ainda coberto das brumas matinais comuns nos portos da Normandia, um ou dois botes mais nítidos em destaque e um fundo onde se divisam os vultos de um estaleiro, grandes barcos de velas e chaminés. O único foco de cor na tela é um Sol alaranjado e longínquo. O quadro está hoje exposto em Paris, no Museu Marmottan.
12 novembro 2022
DESFORRA UCRANIANA E UM POUCO DE FICÇÃO HISTÓRICA
Hoje é o 262º dia da guerra da Ucrânia. Um exercício engraçado a que me dedico é acompanhar os dias por um calendário comparativo da Segunda Guerra Mundial, calendário que usei inicialmente para aferir a capacidade de resistência da Ucrânia aos russos, em comparação com aquilo que acontecera em Setembro de 1939 com a Polónia em relação aos alemães. Os ucranianos resistiram muito mais que os polacos, o calendário perdeu o sentido, mas ainda o uso de quando em vez por inércia. O 262º dia de guerra nessa comparação corresponderá ao dia 20 de Maio de 1940. Há dez dias que os alemães acabaram de desencadear a ofensiva a Ocidente. A Holanda já se rendera e a cidade de Bruxelas caíra três dias antes, a 17 de Maio. Nesse 262º dia de guerra, 20 de Maio de 1940, os alemães chegaram às costas do canal da Mancha, junto à cidade francesa de Abbeville, cercando os exércitos franco-britânico-belgas que combatiam na Bélgica. As perspectivas apresentam-se sombrias para os Aliados.
Mas também se podem fazer exercícios comparativos ao contrário, tomando mais uma vez os polacos por ucranianos, e os alemães por russos. Partindo do que está a acontecer em Kherson, a 20 de Maio de 1940, o 262º dia de guerra, e depois de terem conseguido resistir à blitzkrieg alemã, os polacos teriam acabado de reconquistar uma cidade polaca importante como Poznan, aos alemães. As perspectivas de uma solução política para o conflito impõem-se ao regime nazi de Adolf Hitler...
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