17 dezembro 2021

A INVASÃO DE GOA, DAMÃO E DIU

17 de Dezembro de 1961. Começa a invasão de Goa, Damão e Diu pelas forças armadas indianas. Em Lisboa, nesse dia e nos dois dias seguintes, em sucessivas edições, os jornais fingiam ir dando conta da situação no terreno, em textos que eram compostos sobretudo de proclamações de propaganda e das escassas informações que chegavam de Goa. Na realidade as forças armadas indianas procediam à invasão e as mais conscienciosas unidades militares portuguesas resistiam simbolicamente e depois rendiam-se para não serem aniquiladas. As outras rendiam-se simplesmente. Embora se tenha tornado pacífico admitir, depois do 25 de Abril, o quanto a situação portuguesa na Índia era militar e politicamente insustentável a longo prazo, dessa admissão não costuma constar o quanto a situação estava eivada de hipocrisia, não apenas dos intervenientes (Portugal e Índia), mas por parte de todos os grandes actores internacionais. O plano indiano consistia em anunciar que vamos invadir as possessões portuguesas na Índia, mas muito contrariados, que nós até somos muito pacíficos, não se lembram do Gandhi? O plano português resumia-se a ir aguentando e, na eventualidade da situação escalar militarmente, o que se esperava da guarnição local é que se batesse sem esperança mas que produzisse um bom punhado de mártires para conferir ainda mais peso mediático aos protestos diplomáticos como Portugal iria tentar reverter a situação. No terreno, e como se percebe pela evolução dos títulos acima, a esmagadora maioria da guarnição não se prestou a esse papel, não se registaram muitos episódios heróicos de defesa da Pátria. A posição tutelar dos Estados Unidos era outro monumento à hipocrisia, refreando os indianos para que encontrassem uma solução pacífica para a questão das possessões portuguesas. Ora, como muito bem saberia a Administração Kennedy depois da Abrilada, qualquer inflexão da política externa portuguesa, e assim qualquer solução pacífica para o problema, só se processaria com a remoção de Salazar e isso acabara de fracassar. A Índia também não se livraria das acusações de hipocrisia pois, para tomar a iniciativa da invasão, dera um grande pontapé em todo o seu discurso oficial associado ao pacifismo como fora a imagem de marca do combate político de Mahatma Gandhi, o fundador espiritual do país. Descobria-se para a ocasião que a Índia era um país que se reclamava muito pacífico, mas que não o era a todo o transe, acontecia-lhe tomar a iniciativa de invadir territórios adjacentes. No ano seguinte, talvez embriagados pela vitória, os indianos irão tentar repetir o método brusco na resolução de um diferendo fronteiriço com os chineses e, merecidamente, vão levar um enxerto de porrada.

O último figurante da tetralogia das hipocrisias foi o nosso mais antigo aliado, o Reino Unido. Aquilo que se possa dizer sobre o comportamento britânico na época sintetiza-se bem com este vídeo que está disponível no You Tube: nele aparece primeiro o secretário-geral do Ministério dos Negócios Estrangeiros indiano de então, Triloki Nath Kaul (o titular da pasta era o primeiro-ministro Nehru), a explicar a posição indiana e depois aparece o ministro dos Negócios Estrangeiros português, Alberto Franco Nogueira, a defender a parte portuguesa. Havendo lógica e imparcialidade e a ordem deveria ter sido a inversa: começa-se tradicionalmente a ouvir o queixoso. Mas isso será o menos porque, dos cerca de seis minutos que o vídeo tem de duração, cinco são dedicados aos argumentos dos indianos e um (apenas) à perspectiva portuguesa - por muito errada que estivesse, a equidade de tratamento das duas partes parece coisa que não passa por ali. É curiosa a junção destas duas personalidades neste vídeo. Se Franco Nogueira é hoje considerado aquele que teria sido o mais lídimo continuador do salazarismo depois de Salazar, T.N. Kaul já então era tomado de ponta pela diplomacia norte-americana e considerado um dos membros mais pró-soviéticos da equipa dos Negócios Estrangeiros da Índia.

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