14 dezembro 2018

AS PRIMEIRAS ELEIÇÕES BRITÂNICAS DEPOIS DO FIM DA GRANDE GUERRA

Sábado, 14 de Dezembro de 1918. Foi nesse dia que, em Lisboa, o presidente Sidónio Pais foi assassinado a tiro na estação de caminho de ferro do Rossio, quando se preparava para apanhar um comboio para o Porto. Mas essa efeméride será melhor assinalada noutros locais. No Reino Unido disputaram-se eleições legislativas, as primeiras que tinham lugar depois de oito anos - dos quais, mais de quatro anos com o Reino Unido engajado na Grande Guerra. Foram eleições notáveis, pode-se dizer mesmo históricas, em mais do que uma perspectiva. Em primeiro lugar, foi a primeira vez que os actos eleitorais decorreram simultaneamente nos 707 círculos eleitorais (por sinal, um número record de círculos eleitorais, nunca mais repetido). Dada as características do sistema eleitoral britânico, em que a eleição em cada círculo é independente dos restantes, as eleições decorriam tradicionalmente ao longo de semanas (as anteriores haviam sido de 3 a 19 de Dezembro de 1910), conforme as conveniências locais. Mas esta foi a primeira vez em que o acto eleitoral foi simultâneo para todo o país, como hoje é prática corrente em quase todas as eleições em toda a parte. Em segundo lugar, e também pela primeira vez, nestas eleições participaram todos os britânicos maiores de 21 anos e também as britânicas maiores de 30 anos. Não só o direito de voto foi concedido a todos os homens adultos como também às mulheres maiores de 30 anos. A justificação apresentada para a discrepância de idades entre os dois sexos prende-se com os efeitos que a Primeira Guerra Mundial causara na diminuição do eleitorado adulto masculino britânico (mais de 700.000 mortos). Mas o efeito da expansão foi o eleitorado potencial praticamente triplicar de 1910 para 1918, de 7,7 milhões de eleitores potenciais para 21,4 milhões. Mas, por causa dos milhões ainda incorporados no exército e estacionados em França (o armistício que pusera fim à Primeira Guerral Mundial fora assinado há apenas um mês) e que não tiveram condições de poder votar, a afluência às urnas ficou em menos de metade do seu potencial: 10,4 milhões de eleitores (49%). Mas é só tomando em consideração todas estas circunstâncias e também a profunda mudança de natureza do eleitorado que se pode compreender alguns dos resultados eleitorais que essas históricas eleições de há cem anos vieram mostrar.
A vitória foi para os Conservadores (assinalados a azul claro) que, com 38,4% dos votos, conseguiram a maioria absoluta dos lugares da Câmara dos Comuns (382). A sua vitória foi ampliada pelo facto de os seus tradicionais rivais, os Liberais, se terem apresentado ao escrutínio divididos entre apoiantes do primeiro ministro David Lloyd George (a amarelo claro) e do seu antecessor Herbert Asquith (em amarelo escuro). Em conjunto eles representavam 26,4% dos votos, só que divididos quase igualmente entre ambos (13,4% e 13,0%, respectivamente), embora as peculiaridades do sistema eleitoral fizesse que os apoiantes de Lloyd George (em concertação com os Conservadores seus aliados) tivessem conquistado 127 lugares, enquanto que os de Asquith se ficaram apenas pelos 36 (o próprio Asquith perdeu a eleição no círculo onde se apresentava). A terceira grande formação política da Grã-Bretanha eram os Trabalhistas (vermelho), a quem a extensão dos direitos de voto haviam feito triplicar o resultado eleitoral (20,8% dos votos), embora isso não se tivesse traduzido numa subida equivalente da sua representação parlamentar (57). Mas tudo isso era o retrato eleitoral da Grã Bretanha. Na Irlanda (que também fazia parte do Reino Unido), o panorama era dominado pela cor verde escura dos nacionalistas radicais do Sinn Féin. A votação alcançada por eles não impressionava quando contabilizada face ao total (4,6%), mas a realidade política era bem outra quando se tomava em consideração que eles haviam concorrido apenas na Irlanda, onde haviam conquistado 73 dos 105 lugares em disputa. Também eram os responsáveis por uma outra novidade: a primeira mulher a ser eleita para a Câmara dos Comuns, Constance Markievicz. Contudo, tanto ela quanto os outros 72 eleitos da sua formação recusaram-se a tomar assento no parlamento londrino. O que fizeram foi reunirem-se em Dublin para aí constituírem o primeiro parlamento irlandês. Como se depreenderá, estas eleições de há cem anos foram as últimas em que a Irlanda acompanhou o resto do Reino Unido no mesmo momento político, embora os nacionalistas o tivessem aproveitado para um outro propósito. Quanto ao partido Liberal, dividido, implodiu, e a alternância democrática passou a fazer-se entre os Conservadores e os Trabalhistas. E quanto à participação feminina na política, o Reino Unido é um dos pouco países no Mundo que conta já com duas primeiras-ministras. Este é o que se pode designar por um acto eleitoral que foi uma charneira da História, mas os eleitores que nele participaram não tinham forma de o saber.

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